Era 1969. A família tinha uma propriedade em São Lourenço, MG, onde ainda crianças passávamos as férias de verão, que fora vendida. Antes de entregá-la ao novo dono, eu e meu irmão resolvemos ir lá para nos despedirmos de um lugar de tantas boas lembranças. Fui com minha mulher na minha Vemaguet ’63 e meu irmão Rony e a esposa o Fusca ’62 dele que passei para 1600 e dois carburadores 32, kit Puma (eu era sócio da concessionária VW há dois anos).
Ambos os veículos, é claro, tinham os fabulosos pneus radiais Pirelli Cinturato CF67 155SR15, do mesmo tipo dos usados no FNM 2000 JK já no lançamento em 1960, só que na medida 165-400.
Na propriedade havia uma subida forte (foto ilustrativa), trecho final da estradinha de terra que começava na porteira e terminava na casa, trecho que obviamente conhecíamos.bem. Na chegada, chovia.
— Quero ver a Vemaguet chegar até à casa — disse meu irmão, em tom de gozação misturado com desafio, na base da subida.
— Eu é que vou chegar, você é que não — respondi, devolvendo o desafio mas sem tanta certeza, dizendo-lhe para ir primeiro.
Lá foi o Rony todo confiante, como aquele jeito de vencedor. Confesso que fiquei preocupado por ser bem conhecida a capacidade do Fusca nessa difícil condição devido ao motor e transeixo na traseira — justamente o que favoreceu o Kübelwagen, cuja história de desempenho no teatro de guerra, mesmo tendo tração apenas 4×2, eu já estava farto de conhecer.
O Fusca começou a subir, rodas patinavam na lama. O carro começava a atravessar na subida, o Rony procurava corrigir contraesterçando prontamente, mas o avanço na subida era muito lento. Chegou a um ponto que atravessou completamente e parou. O mano deu ré de volta para a base da subida. Segunda tentativa, mesma sequência de atravessadas, total dificuldade. Repetiu a tentativa, sem sucesso. Desceu de ré até à base da subida.
E agora, e se eu não conseguir subir? A coisa parece estar mesmo feia.
Iniciei a subida, a patinagem de roda era acentuada e a velocidade começou a cair. Por ser bastante íntimo com tração dianteira, usei o método de esterçar continuamente para um lado e para o outro, sempre patinando roda, com o quê cada vez o carro avançava ligeiramente e assim chegou ao final da subida. Vitória! O Rony ficou incrédulo. Um tração-dianteira realizar uma façanha que um (bom) tração traseira, e com um bom motorista, não conseguiu.
Quem veleja faz mais ou menos o mesmo quando o vento está quase totalmente de frente, navega-se em ziguezague e o vento tocando a vela colocada numa determinada posição gera uma pequena resultante para a frente. A velocidade nesse caso é bem baixa, mas se consegue navegar. Mesma coisa num carro de tração dianteira no ziguezague, a cada mudança de direção o veículo avança um pouco.
O DKW-Vemag usava upo de cruzeta bastante ineficiente e delicada no lado externo de cada semiárvore de tração, sem comparação com a robustez e eficiência das juntas homocinéticas atuais, em que o ziguezague explicado pode ser executado sem o menor sobre-esforço ou risco de quebra.
Alguns anos depois, final de fevereiro de 1974, como concessionário VW tive conhecimento de que estava em desenvolvimento uma nova Variant. Perguntei por quê, já que estava para ser lançado o Passat e na Alemanha existia a Passat Variant. “O Brasil tem muita estrada de terra e para isso tração traseira é superior”, foi a resposta. “Mas a Corcel Belina I e II é um sucesso,” argumentei. Silêncio.
O resto é História.
BS