Na imagem de abertura, uma fotocomposição, vê-se uma foto da Sabrico – S.A. Brasileira de Intercâmbio Comercial em seu primeiro endereço, na rua Barão de Ladário, no bairro do Brás, em São Paulo, no tempo em que esta empresa era representante Dodge e trabalhava com automóveis e caminhões. Uma empresa que se desenvolveu muito e foi a primeira concessionária Volkswagen do Brasil e que vendeu o primeiro Volkswagen Sedan no país!
Na mesma foto aparece também a Brasmotor, a fachada de sua fábrica em São Bernardo do Campo (hoje em seu lugar existe um supermercado), que montava veículos Dodge e depois foi a primeira importadora de veículos Volkswagen e, também, a primeira montadora do Volkswagen Sedan do Brasil. Ela produzia eletrodomésticos também.
O relacionamento entre estas duas empresas causa muita discussão e, na verdade, sem um estudo mais detalhado na cronologia dos acontecimentos, a confusão pode se estabelecer, pois houve mudanças de posição relativa entre elas, causadas por acontecimentos históricos internos e externos.
Esta matéria parte do ponto em que outra, “Acordo VW-Chrysler, base para a vinda do VW Fusca para o Brasil”, parou
Criação da Brasmotor
Conforme o livro “O Futuro Sem Fronteiras: A História dos Primeiros 50 anos da Brasmotor”, páginas 16/17, as raízes entrelaçadas da Sabrico e da Brasmotor apontavam desde o início para um destino comum. Nos primeiros tempos, a Sabrico foi uma importante base de apoio para, em 1945, ser constituída a Companhia Distribuidora Geral Brasmotor. Seus dirigentes foram, com Miguel Etchenique (que já era o dono da Sabrico), os sócios fundadores da indústria que passaria a produzir aqui os veículos das marcas da Chrysler. Estabelecia-se, assim, entre a anterior e a nova empresa, uma convergência definitiva. Junto com a Cipan a Sabrico – S.A. Brasileira de Intercâmbio Comercial, em São Paulo, era desde a sua fundação em 5 de junho de 1941, a representante brasileira da Chrysler Corporation.
Em 1945, quando das articulações para a fundação da Brasmotor, chegou-se a considerar a alternativa de fazer da própria Sabrico a montadora e distribuidora dos veículos Chrysler no país. A Sabrico, porém, já fixara seu perfil de agência revendedora junto ao mercado, o que levou os dirigentes brasileiros e americanos a optarem pela criação de uma nova companhia, a Brasmotor. Como revendedora dos veículos Chrysler — da marca Dodge —- e aparelhos eletrodomésticos, a Sabrico manteve-se na linha de frente do setor comercial automobilístico da Brasmotor.
De imediato, o desafio era reunir o capital necessário à construção e ao funcionamento inicial da empresa. Contatos realizados com os companheiros bolivianos apontaram o caminho. Vários deles eram sócios e dirigentes das duas empresas que comercializavam produtos Chrysler e Philco, a Sabrico em São Paulo e a Cipan no Rio de Janeiro, empresas às quais Etchenique anteriormente também se ligara. A participação acionária desses empresários no empreendimento, formalizada em março de 1945, garantiu a capitalização da nova companhia. Apoio interno do Banco Noroeste, de São Paulo, e externo do Chemical Bank, de Nova York, facilitaram o início das operações.
A Brasmotor pertence à Sabrico
Retomando o texto, neste ponto a Brasmotor era uma empresa da Sabrico, na verdade o seu braço industrial.
Início da era Volkswagen no Brasil: no dia 11 de setembro de 1950 chegaram ao Porto de Santos, em São Paulo, os primeiros carros importados pela Brasmotor. Eram 10 VW Sedan e duas Kombi, estas na época chamadas de “Comerciais VW”. Estes veículos foram transportados até Santos pelo navio”Defland”, conforme relato de um jornal local:
A Brasmotor, quando iniciou a montagem de Fuscas já tinha experiência na montagem de caminhões e automóveis Chrysler, desde 1946.
A Brasmotor também iniciou o estabelecimento da rede de concessionários Volkswagen no Brasil, sendo que a primeira concessão foi passada para a Sabrico, que era sua proprietária, uma situação bem peculiar, mas a regra era esta. Abaixo a carta de concessão assinada pelo José Bastos Thompson, que tanto lutou pela vinda do Fusca para o Brasil:
Muitos concessionários Chrysler reservaram inicialmente uma modesta área de suas oficinas para atender os veículos Volkswagen. Abaixo as fotos do antes e do depois da oficina da Sabrico ainda na rua Barão de Ladário (cuja fachada aparece no canto direito superior da imagem de abertura), primeiramente uma oficina totalmente dedicada a veículos americanos, e depois com o canto direito no fundo do galpão já identificado com placas ‘VW’ ‘demarcando o espaço da primeira oficina VW do Brasil
A Brasmotor expedia a documentação técnica, tanto para as concessionárias como para os usuários, tendo desempenhado um papel importante na divulgação da marca no País.
Complementando sua atuação, a Brasmotor fez propaganda também de peças e serviços, em nome de suas concessionárias, firmando a marca Volkswagen junto aos usuários no início dos anos 50. Um exemplo disto era a “Kombi Escola Técnica de Autos”, importante ferramenta na divulgação técnica da Brasmotor: uma das primeiras Kombis importadas funcionou como escola. Naquela época, além da Volkswagen, a Brasmotor representava a Chrysler, a DeSoto, a Plymouth, a Dodge e a Fargo.
Revendedora Chrysler desde a sua fundação, a Sabrico foi a primeira revenda Volkswagen no Brasil, tendo vendido o primeiro Fusca no dia 17 de novembro de 1950.
Esta primeira venda foi feita para o paulista Rodolfo Maers.
Outros dois foram adquiridos, no mesmo dia, por José Francini e E. Souza Pinto Figueiredo. Os sete restantes, do lote inicial de dez Fuscas, foram vendidos no dia seguinte.
Em janeiro de 1951 chegou o primeiro lote de seis CKD’s (completely knocked-down, kits de montagem com carros completamente desmontados) de Fusca tendo sido, a partir daí, iniciada a montagem de Fuscas no Brasil pela Brasmotor:
A apresentação do primeiro VW Fusca montado pela Brasmotor foi motivo de orgulho para a Brasmotor que comemorou o fato com o cartaz abaixo:
Por mais dois anos as coisas, tanto para a Brasmotor quanto para a Sabrico, andaram muito bem, mas em 20 de março de 1953 a Volkswagen se instalou no Brasil e descontinuou o contrato que tinha com a Brasmotor, cuja validade ia até junho daquele ano.
Em junho de 1953 chegou o último lote com 160 CKD’s destinado à Brasmotor. A Brasmotor montou, no total, 1.274 Fuscas, sendo que no dia 13 de maio de 1953 foi montado o milésimo Fusca.
Um total de 2.895 Fuscas foi comercializado pela Brasmotor, sendo que 1.621 vieram montados da Alemanha. Os “comerciais”, a saber, as Kombis, somaram 900 e também vieram todas prontas da Alemanha.
Para a Brasmotor o assunto Volkswagen e Chrysler (que desfez o contrato em 1957) e produção de peças de reposição automobilísticas tornaram-se passado e a fabricação de eletrodomésticos assumiu uma importância maior. Em 1958, a gigante empresa americana Whirlpool, com quem a Brasmotor já era associada, aumentou a sua participação na Brasmotor surgindo a Multibrás — a marca de eletrodomésticos de destaque era Brastemp.
Já para a Sabrico, como concessionária Volkswagen, a vida continuava, tendo mudado só o fornecedor dos seus produtos.
Na década de 1960 a loja da avenida Duque de Caxias se tornou pequena e foi construída uma grande concessionária, na época ainda, rua Antártica, 408, esquina com a avenida Francisco Matarazzo, com uma área construída de 8.922 m² e um pátio e área externa de 6.090 m², que teve muito sucesso até que a área dela, junto com a área de sua vizinha, uma grande loja da Sears, Roebuck, foram compradas para a construção do Shopping West Plaza.
A Brasmotor passa a ser dona da Sabrico
Mas em 1977, trinta e seis anos depois de sua criação, as coisas se tornaram difíceis para a Sabrico, imersa em problemas financeiros. Nesta ocasião a Brasmotor teve que assumir a combalida Sabrico, invertendo as coisas. E, cada vez mais, a Brasmotor ia se dedicando aos eletrodomésticos.
A Sabrico já estava em uma nova localidade, na esquina da mesma via, agora avenida, Antártica com a avenida Marquês de São Vicente, do outro lado da linha do trem, agora no bairo Barra Funda.
Nesta localidade eu, como presidente do Fusca Clube, realizei uma grade festa pela volta do Fusca em 1993 com uma exposição de carros no showroom e no pátio externo da concessionária, depois foi realizado um belo evento comemorativo. Abaixo algumas fotos da exposição de carros:
A Brasmotor vende a Sabrico
A Sabrico se manteve no grupo original por mais 24 anos, até 2001, quando foi vendida para o grupo português SLN – Sociedade Lusa de Negócios, saindo do controle da Brasmotor. Nos primeiros tempos com os novos donos tudo parecia correr bem. A Sabrico ampliou de três para oito o número de lojas em São Paulo e Porto Alegre, que juntas chegaram a vender mil automóveis, caminhões e ônibus por mês, entre 2007 e 2008.
Em 2003, com a Sabrico já sob nova direção e eu não mais presidente do Fusca Clube, consegui permissão para realizar a coletiva de imprensa do lançamento de meu primeiro livro. Ela ocorreu no showroom com a presença de muitos jornalistas convidados pelo assessor de imprensa Koichiro Matsuo. Destaco dois autoentusiastas que estiveram lá, Bob Sharp e Fernando Calmon. Foi um lindo acontecimento; nesta oportunidade recebi a cópia emoldurada da nota fiscal de venda do primeiro VW Fusca.
No meio tempo a Sabrico mudou novamente de endereço, passando para instalações bem mais modestas na marginal do Tietê; naquele trecho ela é chamada de Av. Tomás Edson, o número era 1.324. Estive nesta loja quando procurava um carro e notei a redução no nível do negócio e, consequentemente, no atendimento.
O inesperado final da Sabrico se aproxima
Foi então estourou um escândalo em Portugal envolvendo o então presidente da SLN, José Oliveira e Costa, que culminou com a sua prisão. Ele foi acusado de sete crimes pelo Ministério Público português, entre eles a apropriação de fundos da própria SLN.
Diante disso, em agosto de 2009 a Volkswagen descredenciou a Sabrico, acabando com uma parceria de quase 60 anos.
Com o escândalo, vieram à tona as irregularidades de dezenas de offshores pertencentes à SLN. Uma delas é a Excellence Real Estate Investment (Erei), sediada na Holanda, criada para comprar a Sabrico no Brasil, com financiamento do Banco Português de Negócios, pertencente à holding SLN. Com isso, a fonte secou e a Sabrico passou a acumular dívidas estimadas na época em R$ 74 milhões, entre impostos, empréstimos e pendências trabalhistas, culminando com a paralisação de suas atividades.
Para explicar visualmente todos estes acontecimento entre Sabrico e Brasmotor, para a minha palestra “O VW Fusca no Brasil” elaborei o esquema abaixo:
Em 2009, representantes da Rede Zacharias de Pneus fizeram, sem sucesso, uma proposta de compra da Sabrico. Em janeiro de 2010, os portugueses nomearam uma procuradora, que demitiu todos os 500 funcionários da revendedora. “Disseram para buscarmos nossos direitos na Justiça”, afirma um ex-funcionário da Sabrico. Segundo o Sindicato dos Comerciários de São Paulo, a Sabrico quitou apenas o FGTS e liberou a guia de seguro-desemprego para os demitidos.
Um final realmente melancólico de uma empresa que a partir de 1950 e até 2009 esteve ligada à marca Volkswagen, estando presente no imaginário de todos que estudam a trajetória da Volkswagen no Brasil. Ela, junto com outras concessionárias icônicas como Marcas Famosas, Bruno Tress, Guanauto e outras, deixaram uma lacuna na história.
Com esta matéria esclareço uma parte da história Volkswagen no Brasil que já foi motivo de muitas discussões, em especial no que se refere à pergunta quem foi dono de quem entre a Sabrico e a Brasmotor e como vimos, cada um foi dono do outro em seu devido tempo.
AG
Este trabalho foi feito com base em meu livro “EU AMO FUSCA – A História brasileira do carro mais popular do mudo” ampliado com pesquisas do que ocorreu depois de 2003 – data de publicação deste livro. As fotos são em sua maioria meu acervo e foram obtidas em longos anos de pesquisa.
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