Tenho lido todo tipo de estudo sobre a covid-19 — formas de contágio, de prevenção, lockdown vertical, horizontal, transversal, gente contra e a favor de vacinas ou de alguns medicamentos… Quando digo todo tipo é todo tipo mesmo. Assim como postagens e opiniões — li recentemente uma de uma pessoa que dizia que não aceitaria nenhuma vacina, pois elas vem com diversos microchips. Não que a pessoa soubesse o que é um microchip ou para que serve, apenas afirmava que estavam dentro das vacinas.
E aí vai um parênteses. Lembrei quando trabalhava no jornal O Estado de S. Paulo, na minha segunda passagem por lá. Uma noite, quase de madrugada, desço no elevador com um dos editorialistas e pessoa queridíssima por mim. Pessoa difícil, diga-se, do tipo que diz exatamente o que pensa, sem rodeios — justamente essa é uma das coisas que gosto nele, além de uma incrível erudição e um texto belíssimo. Bem, ao passarmos pela guarita para ir ao estacionamento, o guarda intercepta meu amigo e diz que ele deve mostrar a pasta que carregava. Ele estranha e pergunta o motivo: “É que estão sendo roubados chips na empresa e preciso revistar todo mundo”. Eu segurei a gargalhada pelo surreal da situação, mas prontamente meu amigo questionou: “Você sabe o que é um microchip? Como ele é?”. O sujeito ficou estupefato. Não, não sabia. Nunca tinha visto um. Nunca saberemos se ele tinha alguma noção do tamanho de um chip e se ele seria capaz de encontrar um nos pertences de algum funcionário. Coitada daquela criatura, colocada nessa tarefa sem o menor treinamento… Meu amigo perguntou como ele saberia se ele estava levando embora um chip se nunca tinha visto um nem sabia como era… E simplesmente foi embora, sem abrir a pasta para que fosse revistada. Obviamente, no dia seguinte alguém havia derrubado essa ordem tola.
Pois é, não sei se a pessoa que postou numa rede social que as vacinas têm microchips dentro delas faz alguma ideia do que está publicando, mas receio que não. Tenho visto diversos tipos de justificativa para não aceitar uma vacina, mas essa foi, de longe, a mais estranha.
Por diversas razões, precisei sair várias vezes nas últimas duas semanas — questões burocráticas que com ou sem pandemia não permitem que sejam resolvidas remotamente e exigiram minha presença física. E, pior ainda, todas com prazos mais do que exíguos. Coisas do Brasil, diga-se. Com ou sem vírus, exceto alguma consulta médica encaixada nos vaivéns, todo o resto poderia ter sido equacionado remotamente. Só que não.
Saí então de carro por diversos bairros de São Paulo e até mesmo pelo interior do Estado. Fiquei pasma em ver como as pessoas desaprenderam a dirigir. Não que São Paulo fosse antes uma Alemanha em termos de obediência às leis de trânsito, mas agora está terrível.
Além de dirigir em velocidades inadequadas para cada pista, piorou muito o nível de distração dos motoristas. Se antes olhavam de vez em quando o celular com a desculpa de que estavam na rua ou trabalhando o dia inteiro (o que não justifica nada disso, obviamente) agora parece que o pessoal que tem ficado a maior parte do tempo em casa quer checar tudo dentro do carro. Os congestionamentos diminuíram, sim, na cidade, embora não lá grande coisa. E como ainda tem muita gente confinada por opção própria ou porque muitas empresas ainda estão em home office, questiono-me (uma ênclise fraquinha, mas ênclise assim mesmo) se precisam olhar no celular enquanto dirigem.
Em São Paulo aumentou exponencialmente o número de entregadores de todo tipo de coisa — a maioria em motos. Sinal fechado é o mesmo que aberto para maioria deles. Calçada é rua. Contramão é um mero detalhe que não os faz alterarem uma rota. E por aí vai. Nestas minhas saídas tomei umas buzinadas na orelha de uma motinha. Eu estava na segunda pista na marginal do Pinheiros, olhei para a direita e como não vinha ninguém dei seta e comecei a ir para o lado. Pois bem, o indigitado saiu de trás de mim, foi para a direita e me ultrapassou buzinando e xingando. Affe! Meu lado montessoriano sempre quer parar a criatura, explicar como é o Código de Trânsito Brasileiro e, se não entender os itens que mostram que a manobra dele estava errada e era perigosa, talvez dar uns cascudos na cabeça com um exemplar do CTB. Quem sabe o sujeito aprende por osmose já que por explicação não funciona?
Desde o início da pandemia o volume de acidentes com estas pessoas aumentou muitíssimo mas nem por isso aumentou a fiscalização sobre eles ou os cuidados que eles mesmos deveriam ter. Segundo o Infosiga-SP, que acompanha os números de mobilidade em todo o Estado de São Paulo, motociclistas lideraram as estatísticas de mortes em julho com 139 óbitos, mesmo número do ano passado. Ou seja, mesmo com mais gente dentro de casa, os acidentes fatais com moto se mantiveram iguais. Isso em julho, pois se olharmos para o primeiro semestre inteiro deste ano houve 891 mortes ante as 916 do mesmo período do ano passado – queda de somente 2,7% e friso, novamente, quando muito menos gente estava nas ruas, seja como pedestre, seja como motorista ou carona. No caso das bicicletas, houve até um aumento do primeiro semestre, com 204 mortes quando comparadas ao mesmo período de 2019. Mesmo na vigência do isolamento social quando, de fato, menos pessoas estavam nas ruas
Na cidade de São Paulo, houve até uma facilitação que aumentou o volume de motos em circulação. A empresa Mottu começou a alugar motos. A alternativa acabou sendo opção para enfrentar a falta de motos no mercado, pois subitamente aumentou muito a demanda por esse tipo de transporte (foto 3). O trabalho não é pouco, mas trabalhando cerca de 10 horas por dia dá para fazer entre R$ 150 e R$ 250 por dia. Desse valor deve-se descontar o valor do aluguel da moto mas, segundo vários usuários, fora o combustível e a refeição do dia, sobram R$ 2.000 no final do mês. A vantagem deste tipo de aluguel é que não há despesas com seguro nem manutenção, uma vez que ambos correm por conta da empresa que faz a locação. Como eu disse, acabou sendo uma alternativa para muitos desempregados ou mesmo pessoas atrás de um “bico” para aumentar sua renda.
Nesta pandemia, os motoristas em geral ficaram visivelmente mais lentos, estranhos e distraídos. Também havia notado mais excessos no início do isolamento social, apenas olhando pela janela de casa. As mesmíssimas ruas apresentavam mais motoristas atravessando no sinal fechado (talvez contando com que com menos gente a manobra seria menos vista e, portanto, não punida), mais gente atravessando a rua em qualquer lugar (provavelmente o mesmo motivo) e mais motoqueiros barbarizando (volto na teoria do aumento no volume de entregas e na entrada nesse serviço de gente que perdeu o emprego ou apenas viu a oportunidade de fazer um bico enquanto estava em home office).
Ou seja, parece que não se aprendeu nada com o isolamento social em termos de segurança de trânsito. Ao contrário, perdemos seis meses de nossa existência e não tiramos nenhuma lição nem nos preparamos para o que poderia acontecer. Os casos de acidentes com motos ainda são elevadíssimos e nada foi feito para reduzir esses números.
Meu receio depois da minha experiência de diversas saídas de carro é que teremos sequelas da covid-10 não apenas nos pulmões, cérebro ou sei lá em quais outros órgãos, mas também no trânsito. Neste caso, não há vacina, antibiótico ou outra coisa que dê jeito.
Mudando de assunto: Uau! Que corrida a de Monza de Fórmula 1 do último final de semana. Tudo mudou o tempo todo, embora ache discutível a entrada do safety car assim como acredito que se os boxes estavam fechados deveria haver uma luz indicando isso. Entendo que a equipe deveria estar atenta ao regulamento, mas é óbvio que o piloto não tem nem como lembrar de todas as regras naquele momento e é ele quem é punido de fato. Nessas horas adoraria ver as previsões de videntes, cartomantes e outros sobre qual seria o resultado da prova. Aposto um vidro de doce de leite argentino que ninguém disse que Gasly seria o primeiro colocado, ou mesmo Sainz segundo e Stroll em terceiro. Aliás, nos treinos cronometrados o pessoal encarregado da placa luminosa chegou a colocar um aviso que dizia que Hamilton havia conquistado sua 90ª vitória na F-1, rapidamente substituída pela correta, que dizia que era a 94 pole position do inglês.
NG