Uma das mais atípicas temporadas da história da F-1, o ano de 2020 preserva muitos valores da categoria, em particular o que diz respeito ao mercado de pilotos para o próximo ano (foto de abertura). A começar pelo líder da temporada, Lewis Hamilton, passando por nomes do meio do pelotão em momento de ascensão e chegando às vagas das equipes menores, a movimentação do setor pode até ser considerada mais alta que o esperado. Em tal cenário não faltam pinceladas de suspense, verdades incompletas e até mentiras plantadas. O resumo de tal ópera é relativamente curto e simples, diferente do tom das negociações. Os lugares das pontas dianteira e traseira serão definidos pelo movimento inverso de capital: equipes pagando muito por nomes consagrados e equipes cobrando o máximo possível de jovens (ou nem tanto) em busca de realizar o sonho de suas vidas.
A principal vaga do grid da F1 ainda está em aberto. Para quem acha que Lewis Hamilton está apenas fazendo charme em busca de um salário maior, vale lembrar que em 2016 o alemão Nico Rosberg surpreendeu o mundo ao anunciar seu abandono das pistas horas antes de receber o troféu de campeão mundial daquele ano. Até mesmo Toto Wolff, o todo-poderoso chefe da Mercedes e patrão de Rosberg foi surpreendido com a decisão. Há algumas semanas o austríaco solta declarações indicando que é apenas uma questão de tempo para Hamilton assinar um novo contrato e não lhe causar outro quase-infarto.
Sem ter uma opção minimamente equivalente a aquela que desfruta na Mercedes, as chances de o inglês renovar com o time alemão são efetivamente maiores do que ele adotar um novo endereço profissional no ano que vem. O pêndulo da indecisão balança entra o desejo de conquistar um oitavo título — o que o faria o maior campeão da F-1 — e a vontade de curtir seus brinquedos cada vez caros e luxuosos, entre eles automóveis superesportivos.
No meio de campo do mercado de pilotos ninguém é mais versátil que Sérgio Pérez. Defenestrado da Racing Point para dar lugar a Sebastian Vettel, Checo tem a seu favor um estilo de pilotagem que mescla doses por vezes saturadas de arrojo e de carinho especial em tratar o equipamento, em especial os pneus. Contra ele pesam a fama de seu empresário, Julian Jakobi, conhecido pelo seu modo rude de fazer negócios. Dito isso é compreensível porque algumas equipes abram mão dos dólares e do impacto que Pérez tem no Mëxico, um dos quatro maiores mercados das Américas.
Quem parece fazer vistas grossas aos pontos críticos que Pérez leva onde for é a Williams, time que passa por um processo de reestruturação após ter sido adquirida pelo empresa de investimentos Dorilton. Os dólares do grupo de telecomunicação Claro e dos diversos patrocinadores do mexicano desestabilizaram o plano de carreira do inglês George Russell a ponto de assombrar a longa relação da equipe de Grove com a Mercedes-Benz, sua parceira técnica desde 2014. O fato de Toto Wolff já ter declarado que seu pupilo poderia ter um “intenso programa de testes” caso perca a vaga foi mais que uma gota d’água caindo num copo quase cheio. A outra vaga da equipe será mantida para Nicolas Latifi, filho do maior patrocinador da Williams, a empresa de alimentos Sofina.
Se a água efetivamente transbordar não se surpreenda se a Renault renovar sua histórica e vitoriosa parceria com a Williams. Atualmente o motor francês é usado pela equipe oficial da marca e pela McLaren, que no ano que vem vai correr com o correspondente alemão. Posto que não é interessante à Mercedes suprir motores para quatro times (os demais são a sua própria equipe, a Racing Point e a Williams) essa mudança faz muito sentido; além disso, diminuiria as chances de ser pressionada pela Liberty Media e pela FIA a reatar os laços com a Red Bull e a AlphaTauri (ex-Toro Rosso), possibilidade anos-luz de distância de algo que desejado pelo diretor da Renault Sports, Cyril Abiteboul.
A segunda vaga na Red Bull poderia ser entregue a Pérez, mas o renascido alemão Nico Hülkenberg parece ter boas chances de ocupar o lugar cada vez menos seguro de Alex Albon, candidato a ficar a pé; sua origem tailandesa similar à própria Red Bull pesa a seu favor, mas isso não parece amolecer o duro coração de Helmut Marko, nem mesmo aquecer seu olhar frio e calculista, especificações da personalidade de alguém que já trucidou a carreira de inúmeros pilotos. A conferir como ele vai tratar Yuki Tsunoda, apadrinhado da Honda e favorito para substituir Daniil Kvyat como companheiro de equipe de Pierre Gasly em 2021.
A partir de então entramos no universo de empregos onde o salário é pago, indiretamente, pelo próprio trabalhador: Haas e Alfa Romeo/Sauber reservam os cockpits de seus carros para quem trouxer patrocinadores generosos. Após várias temporadas com a dupla Romain Grosjean e Kevin Magnussen (responsável pela presença da confecção Jack & Jones na carenagem do modelo VF-20), a americana Haas decidiu, finalmente, substituir a ambos.
Até o momento persiste a associação do time americano com a Ferrari, o que implica em aceitar pilotos “indicados” pela Scuderia, situação semelhante no time ítalo-suíço; o mau rendimento do motor italiano, porém, pode determinar uma nova mudança importante na Haas, onde muitos acreditam que a presença do chefe de equipe Gunter Steiner deva ser incluída em um PDV não muito distante no tempo. Na Alfa Romeo-Sauber, que tem Robert Kubica como piloto de testes graças ao apoio da petroleira polonesa Orlen, Kimii Räikkönen é candidato forte a seguir bem remunerado. Assim sendo, o outro carro será leiloado a nomes que incluem o russo Nikita Mazepin, nome próximo a se tornar o terceiro filhinho de papai da F-1, ao lado de Lance Stroll e Nicolas Latifi. Dmitry Mazepin já deixou claro quer um time para chamar de seu e colocar seu filho em um time já existente seria meio caminho andado para tanto.
WG
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