Não há quem desconheça a roda-livre, sistema que desconecta o motor da transmissão ao levantar o pé do acelerador e o veículo seguir rolando solto com o motor em marcha-lenta aproveitando a inércia de movimento, contribuição importante para economia de combustível.
Em sua matéria publicada ontem, Hans Jartoft falou do Saab 95 que manteve a roda-livre quando o motor tricilindro dois-tempos de 841 cm³ foi substituído pelo V-4 Ford de 1.498 cm³. Não se tem notícia de que mesmo tenha acontecido quando em 1965, na Alemanha, o DKW F102 passou a F103 ao o tricilindro de 1.175 cm³ de dois tempos ter dado lugar ao 4-clinndros de 1,7 litro 4-tempos após a Volkswagen AG ter comprado a Auto Union um ano antes.
No caso desse dois modelos de motor 2-tempos, a roda-livre era necessária não só para reduzir o consumo, como também era item de segurança dada à propensão desse tipo de motor travar pistão do nada, de repente, o que leva as rodas motrizes a travarem, sempre perigoso..
No Brasil,os DKW-Vemag sedã e perua sempre tiveram roda-livre, exceto as peruas Caiçara e Pracinha em 1965, e o utilitário Candango.
Conceito é antigo
O conceito da roda-livre, no entanto, é bem antigo: data de 1895 e sua aplicação foi na bicicleta. O inventor alemão Ernst Sachs criou um sistema de catraca que permitia ao ciclista parar de pedalar enquanto a bicicleta seguia seu movimento para frente, tanto no plano quanto na descida.
A roda-livre seria uma vantagem óbvia para o automóvel e na segunda metade da década 1930 começou a ser usada nos carros americanos, porém sempre associada ao mecanismo de overdrive, palavra da língua inglesa que significa “mais que drive”.
Para entender, nos carros de motor-câmbio dianteiro e tração traseira, praticamente sempre a última marcha do câmbio manual era direta, não havia interposição de engrenagens. O que entrava no câmbio, vindo do motor, saía igual do câmbio, por isso se chamava direct drive, tomada direta.
Quando se pensou em ter roda-livre com o intuito de poupar combustível, como dito acima, veio a ideia lógica — por que não — de associá-la a um sistema que multiplicasse o que saía do câmbio em direção às rodas motrizes traseiras, consequentemente baixando a rotação do motor para uma mesma velocidade. Estava criado o overdrive, dando ao veículo uma marcha suplementar.
O overdrive consistia de uma caixa montada entre o câmbio e o cardã e seu acionamento era elétrico sob comando do motorista por um interruptor. Podia ser acionado somente na última marcha, mas com o tempo passou a ser possível com outras, como o Corvette C4, de 1984, câmbio manual de 4 marchas com overdrive utilizável em segunda, terceira e quarta.
Hoje o termo overdrive tem sentido diferente, refere-se a qualquer câmbio, independente de ser manual ou automático, com marcha ou marchas de relação menor que 1:1, como zero vírgula alguma coisa.(0,xxx:1)
A volta
Depois de cerca de duas décadas no ostracismo, roda-livre voltou na década 2010 com os câmbios robotizados de dupla embreagem dos Volkswagen/Audi, em que no modo de condução Eco a embreagem da marcha desacoplava-se automaticamente ao se levantar o pé do acelerador desde que a inclinação da via fosse de até 2%. O passo seguinte foi estendê-la aos câmbios automáticos epicíclicos mediante desengate automático de marcha ou desativação do conversor de torque. E chegou ao extremo da roda-livre que é desligar o motor enquanto o carro desliza totalmente solto, como nos recentes Mercedes-Benz C 200 EQ Boost e Audi Q8.
É indubitável que o desenvolvimento dos sistemas de freio contribuiu decisivamente para a volta da roda-livre
Chegou aos elétricos
Desde sempre os carros elétricos tinham a estratégia de regenerar energia elétrica ao tirar o pé do pedal do acelerador, em que ao mesmo tempo servia para dissipar velocidade à maneira do freio-motor dos motores a combustão de ciclo Otto, já que gerar energia elétrica requer potência, no caso a energia mecânica provida pela inércia de movimento. Inclusive, premendo-se o botão marcado como B (brake, freio) intensifica-se a regeneração e, claro, o feito frenante — isso tanto nos só elétricos quando nos híbridos.
Bem recentemente os carros elétricos, começando pelo Audi e-tron (foto de abertura), não têm mais a estratégia da regeneração permanente, requerendo comando do motorista. No caso, puxando a borboleta esquerda do volante para nível de regeneração 1 e uma segunda vez, para 2. Para desfazer puxa-se a borboleta direita duas vezes, passando pelo nível 1.
Certamente os engenheiros avaliaram o que vale mais a pena, regenerar sempre ou aproveitar ao máximo a inércia de movimento.
Mas as bicicletas usadas em acrobacias extremas ou nos circos continuarão sem as catracas de roda-livre…
BS