A resposta ao título-pergunta é: depende.
O mercado de reposição de peças tem a forte concorrência das peças recondicionadas, e no caso dos amortecedores estima-se que 30% das substituições são feitos por esse método. Os fabricantes de amortecedores já tentaram coibir essa “pirataria”, mas foram incapazes. Quando o poder aquisitivo da população é achatado ocorre o aumento da procura por peças recondicionadas, pois essas têm um preço mais acessível, apesar da durabilidade e desempenho não ser igual a uma peça original.
Em uma rápida busca no Google é possível encontrar centenas de especialistas em dar uma balançadinha no carro é dizer que está na hora de trocar os amortecedores, e esses sempre têm amortecedores recondicionados na prateleira, prontos para fazer a substituição. Inúmeros vídeos explicando como recondicionar amortecedores e até cursos de recondicionamento de amortecedores estão disponíveis. Mas será que isso funciona?
Para quem visita uma fábrica de amortecedores pela primeira vez nota-se o contraste de ambientes. Primeiramente a fabricação dos tubos é um processo pesado e muito contaminado, mas que exige precisão pois os tubos internos dos amortecedores são as camisas onde o pistão irá correr. Qualquer irregularidade dimensional prejudica o funcionamento do amortecedor.
O segundo ambiente são as maquinas operatrizes responsáveis por cortar, tornear e retificar as hastes. A finalização do acabamento superficial da haste é crucial para o bom funcionamento e durabilidade do amortecedor. Se a rugosidade superficial da haste estiver acima do especificado a durabilidade do retentor de vedação estará comprometida.
As hastes e tubos, após finalizado o processo fabril, são acomodados em caixas e paletes especialmente desenvolvidos para proteção das peças, evitando o contato entre elas, para que não ocorra nenhum dano superficial que possa inutilizá-las.
E o terceiro ambiente é a sala climatizada utilizada para a montagem do amortecedor, onde há sistema de insuflação de ar filtrado e pressão positiva para eliminação de partículas suspensas. Adicionalmente os operadores utilizam vestimenta estéril e os componentes envolvidos na montagem são lavadas antes de serem admitidos à sala. É um processo extremamente limpo, pois qualquer impureza pode prejudicar o funcionamento do amortecedor.
Finalmente, após a montagem os amortecedores saem da sala climatizada e passam pela cabine de pintura onde recebem o acabamento final anticorrosivo e pintura, seguindo para embalagem e despacho.
E por que tanta preocupação com a limpeza? É simples, basta entender que as forças de amortecimento são geradas pela passagem do fluído através de furos com diâmetros calibrados e válvulas de lâmina. Uma pequena impureza que se aloje nessas válvulas e furos calibrados muda completamente as cargas do amortecedor.
O amortecedor tem o corpo de válvula do pistão que é responsável pelas cargas de amortecimento na tração, ou distensão da haste, além da bandagem ao redor do pistão, que funciona como os anéis de pistão de um motor, com a função de vedação entre pistão e tubo de pressão. Essa bandagem é sujeita a desgaste.
Na parte inferior e interna do amortecedor está localizada a válvula de base que é o conjunto responsável pelas cargas de compressão. Este conjunto calibra a passagem de óleo entre o tubo de pressão e o tubo reservatório (tudo externo), proporcionando assim a carga de compressão.
Tanto o pistão quanto a válvula de base são desenhados com furos calibrados em décimos de milímetro e em quantidades, ou seja, quanto maior o número de furos ou maiores os diâmetros, menor será a restrição à passagem do óleo, regulando-se assim as cargas. Em adição, existem as válvulas de lâmina que fecham esses furos e vão se abrindo sequencialmente com o aumento da pressão e fluxo do óleo.
Durante o desenvolvimento da suspensão, os engenheiros de calibração fazem inúmeras montagens com variações de furos e válvulas, alterando assim as cargas de tração e compressão, até chegar ao desejado comportamento dinâmico do veículo, buscando o melhor equilíbrio entre conforto e dirigibilidade.
Os fabricantes de amortecedores não vendem kit de peças (retentor, guia, pistão, válvulas, etc.) para recondicionamento por terceiros, assim como não fazem remanufatura. Portanto, tudo que existe no mercado não tem a certificação, validação e qualidade da peça original. Ocorre que os próprios fornecedores de componentes vendem ao mercado de recondicionadores. Porém, como não podem vender a mesma peça homologada do fabricante de amortecedor, esses fornecedores “desenvolvem” peças genéricas para serem colocadas nesse mercado, permitindo assim a criação dos “Frankensteins” que vemos por aí.
Se você leu até aqui, já deu para entender que amortecedor recondicionado pode ser uma economia que não tenha muito sentido, principalmente se fizer o comparativo de preço de uma peça nova versus a recondicionada. Mas existe situações onde o amortecedor recondicionado é a alternativa? Sim, existe!
A primeira situação é quando não existe a peça no mercado de reposição. Muito comum quando o veículo é muito antigo ou exclusivo. Neste caso, recorrer aos recondicionadores pode ser a única saída. Este pode desmontar a peça original, fazer uma limpeza interna, trocar retentor, guia e outros componentes danificados, fazer uma nova cromatização na haste e remontar, preferencialmente sem alteração nos corpos de válvulas. Dessa maneira o amortecedor estará parecido ao que era originalmente, mas nunca estará igual, nem em desempenho, e muito menos em durabilidade.
Uma outra situação é para carros importados onde a importação de uma peça de reposição pode custar um carro novo. Nesse caso a alternativa pode ser o mesmo processo utilizado para carros antigos.
Em ambas situações é muito importante conhecer as instalações e capacidade técnica do recondicionador. Verificar como é o processo de limpeza para montagem do amortecedor. Solicitar a curva de carga do amortecedor e se possível comparar com a peça nova ou em bom estado. Se o recondicionador não tiver limpeza e dinamômetro para medir as cargas do amortecedor, fuja dele.
Finalmente, não aconselho um processo à base de troca, apesar da grande maioria ser feita dessa maneira, sendo mais rápido e prático, pois a “nova” peça já está pronta. Porém é impossível saber os níveis de carga e consequente fadiga que a outra carcaça já foi submetida. Ao fazer o recondicionamento da peça do próprio carro temos uma variável a menos para se preocupar, afinal, em teoria conhecemos a utilização que o carro teve em nossas mãos.
GB