“…estarrecedor que interesses retrógrados e ambientalmente indefensáveis visem a prejudicar a imagem do Brasil no exterior”
Um amigo voltava de viagem com seu Jeep Compass quando, de repente, parou na estrada. Chama reboque para o carro, táxi para a família e foi chamado na concessionária dois dias depois.
Diagnóstico: problemas na linha de combustível, bomba e injetores. E a análise do diesel indicando falta de qualidade.
Ele me ligou blasfemando contra o posto, mas eu expliquei que – desta vez – a culpa não era do posto, mas do próprio diesel. E que a adição do biodiesel estava provocando o problema em todo o país.
A história se iniciou em 2005, com uma lei que tornou obrigatória a adição de 2% de biodiesel ao diesel a partir de 2008. O chamado B2. Mas o percentual iria crescendo gradualmente. O biodiesel é um óleo vegetal, que não polui e obtido de grãos. O principal hoje é a soja.
Entretanto, estudos feitos por diversas entidades e fábricas só aconselhavam esta adição até 7%. Mas a “bancada da agropecuária” falou mais alto e convenceu o governo a elevar o percentual para 10%, mesmo sem nenhum estudo que indicasse esta possibilidade na prática. E aí começaram a pipocar problemas. O governo, insensível, ainda autorizou mais 1% ao ano a partir de 2019, até 15% em 2023.
Problema é a água…
A dificuldade do biodiesel está principalmente na presença de água, inicialmente, na proporção de 500 ppm (partes por milhão), que os produtores não conseguiram eliminar. Só reduzi-la a 200 ppm. A formação de borra é inevitável tanto nos tanques dos postos como no dos automóveis pois — ainda por cima — o biodiesel é higroscópico, ou seja, absorve umidade do ar.
Os problemas foram se alastrando, centenas de bombas nos postos danificadas, veículos a diesel deixando de funcionar, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, pela umidade mais elevada.
Geradores de energia elétrica em grandes empresas e hospitais pifando em momentos às vezes cruciais. E usuários cobrando soluções e indenizações de concessionárias, postos, distribuidoras e fábricas.
Mesmo diante desta situação, a proporção de biodiesel, para alegria de seus produtores, voltou a subir em março deste ano, de 12% para 13%. Neste momento, foi necessário um alerta para sensibilizar o governo: o preço do biodiesel chegou a quase o triplo do próprio diesel (R$ 7,50 x R$ 2,80), o que elevaria em R$ 0,35 o custo do litro na bomba e complicaria ainda mais o tumultuado relacionamento entre governo e caminhoneiros. Decidiu-se então retornar o percentual do biodiesel a 10%, não considerado ideal, mas que não provoca tantos problemas,
Em outros países que adotam o biodiesel, o percentual está limitado a 7%, com exceção da Argentina onde também é de 10%.
Tiro pela culatra
Outro alerta: a partir de 2022, entra em vigor uma nova fase (P8) do Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores) com novos limites de emissões. E o B13 sequer foi testado nos motores com a nova tecnologia necessária para se cumprir as novas exigências.
Pior ainda: ao invés de reduzir a poluição ambiental, o excesso de biodiesel eleva o consumo e as emissões de óxidos de nitrogênio, hidrocarbonetos e monóxido de carbono.
O retorno do biodiesel ao percentual de 10% foi consequência de um documento elaborado pela Anfavea, Fecombustíveis e várias outras entidades afirmando que teores mais elevados do biocombustível no diesel só deveriam ser adotados após “análise ampla e criteriosa, que garanta a viabilidade técnica e a segurança para seus produtores e usuários”. E se é benéfico ou não para a atmosfera…
Menos álcool na gasolina?
Outra polêmica na semana passada, desta vez entre a Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis) e a Única (que representa o setor do açúcar e do álcool).
A Fecombustíveis solicitou ao governo federal a redução da adição de álcool anidro à gasolina, hoje de 27%, para 18%, pela dificuldade na obtenção do álcool devido à quebra (entressafra) da colheita da cana. Como a legislação prevê a mistura entre os percentuais de 18% e 27%, a redução do álcool anidro (adicionado à gasolina) do máximo ao mínimo, aumentaria a oferta do álcool hidratado (vendido pelos postos), além de reduzir seus preços no mercado.
Os produtores de álcool imediatamente se manifestaram e informaram que não há falta de álcool e que nas próximas semanas haverá um aumento na colheita e oferta. E apelam para o ecológico ao afirmar que o uso do álcool “é referência mundial e estarrecedor que interesses retrógrados e ambientalmente indefensáveis visem a prejudicar a imagem do Brasil no exterior”
Não explicaram, ainda, como resolver o problema da escassez, hoje, do álcool.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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