Tomei conhecimento pela mídia, indignado, do acidente com um ônibus desgovernado e em excessiva velocidade, que invadiu um ponto de parada, matando uma e ferindo vinte e uma pessoas. É mais um acidente com ônibus, com um número de vítimas de acidente aéreo.
Vamos recuar no tempo, quando o carioca sabia quem era o responsável pelo tráfego, até porque lhe via nas ruas dirigindo e o fiscalizando.
O imenso poder econômico dos que exploram este tipo de transporte que na contramão do mundo civilizado é um negócio altamente lucrativo, sempre fizeram o que lhes aprouvesse no trânsito carioca. Era preciso muita coragem para domesticá-los, até porque eram uma enorme fonte de renda para os fiscalizadores corruptos.
Quando assumi o Detran-GB em 1967, recém passado à reserva do serviço ativo da Marinha, com apenas 41 anos, estava saindo de um ambiente onde se apontavam os poucos desonestos, que eram banidos, e entrando num ambiente onde se apontavam os honestos e que infelizmente os desonestos, em número considerável, eram de difícil identificação. A “galinha dos ovos de ouro” era a fiscalização dos ônibus.
Com o propósito de honrar a confiança em mim depositada e com a coragem moral herdada de meu pai, resolvi enfrentá-los, contando com a colaboração do então presidente do sindicato dos empresários, Paulo Silva, tomando as seguintes providências:
1) Mandei pintar no teto dos ônibus o seu número de série, e os fiscalizava de helicóptero ou com colaboradores voluntários que os fotografavam, do alto de seus apartamentos, nos eixos mais movimentados.
2) Coloquei a saída de escapamento na sua posição normal, baixa, uma vez que, burramente, eram para cima, empestando o ar e impedindo a fiscalização do teor de fuligem (fumaça preta), pois os equipamentos Bosch funcionam com a amostragem do gás expelido, colhido na saída das descargas.
3) Mandei lacrar as bombas injetoras Bosch, com a colaboração do fabricante, limitando a velocidade máxima, em 60 km/h. Não satisfeito com esta medida, obriguei a terem, na sua janela traseira um adesivo, com o símbolo regulamentar da velocidade limite, como forma de lembrete e de finalidade educacional, uma vez que andavam em fila indiana.
4) Criei, nas avenidas Rio Branco, N.S. de Copacabana e rua Barata Ribeiro,faixas exclusivas por onde deveriam trafegar só saindo delas para a ultrapassagem nos pontos de paradas com sua distribuição devidamente escalonada e seletiva.
5) Mandei desligar suas buzinas que, usavam como caixa de ressonância, poluindo sonoramente a cidade.
6) Coloquei um serviço permanente de ronda de dois motociclistas policiando o seu comportamento nas pistas de alta velocidade do Aterro do Flamengo.
7) Criei o serviço de inspeção com um grupo técnico especializado, que comparecia às garagens para verificar como estavam os veículos responsáveis pelo transporte público.
8) Acabei com a punição burra de recolher o coletivo irregular ao depósito. Em vez disto tinham as suas portas seladas e era recolhido à sua garagem, onde aguardaria, por solicitação de seu proprietário, a inspeção que o liberasse ou não.
9) Informatizei o sistema de multas, começando pelas dos ônibus, acabando com a vergonha do leilão anual do “nada consta”. Mereci, por isto, como intimidação, o metralhamento de meu carro oficial estacionado na porta de minha casa enquanto me esperava para um compromisso noturno.
Com estas medidas angariei o respeito da opinião pública e a inimizade dos proprietários, demonstrada quando sugeri a um dos membros da diretoria da Febratran, meu amigo, a compra de meu livro sobre o Código de Trânsito, aliado a palestras minhas, a fim de melhorar a conduta de seus motoristas, ter sido rechaçada “ad nutum”, quando, o presidente daquele colegiado soube de quem era a proposta.
Com a autoridade de tudo isto que criei, e que pouca coisa restou, tenho o direito de considerar o acidente ocorrido, sem maiores considerações, como inaceitável, vergonhoso e imperdoável.
CF
Celso Franco escreve quinzenalmente no AE sobre questões de trânsito.