Não deixa de ser engraçado ouvir alguém falar que tem “antipatia” por determinada marca de automóveis e que, por isso, acabou de comprar um carro da concorrência. Sem sequer imaginar que tem exatamente a mecânica da marca que “detesta” …
Bom exemplo é da Mercedes, que acaba de lançar no Brasil uma nova geração do GLA. A anterior tinha motor 1,6, flex, turbo, de 156 cv. A atual tem motor 1,3 (foto de abertura), turbo, com 7 cv a mais (163 cv), mesmo torque (25,5 m·kgf), só a gasolina, desenvolvido pela Renault. O mesmo que estará em breve no Brasil equipando Duster, Captur…
Nem todos os apaixonados pela Audi são conscientes de que podem estar ao volante de um Volkswagen, claro que muito mais sofisticado, com outro design e custando muuuito mais. E os que não querem nem ouvir falar de Fiat, mas felizes a bordo de seu Jeep Renegade. Nem imaginam estarem dirigindo exatamente um Fiat 500X com outra roupagem.
Há cerca de 20 anos, GM e Fiat estabeleceram parceria numa nova empresa, a Fiat-GM Powertrain, para desenvolver e compartilhar motores. Quase ninguém imaginava que seu Fiat Stilo 1,8 tinha sob o capô um motor GM. A parceria foi desfeita cinco anos depois, mas ainda é o motor atual do Spin.
A PSA (Peugeot Citroën Automobiles SA) desenvolveu em conjunto com a BMW uma linha de motores (Prince) 1,4 e 1,6 utilizados em carros de ambas as fabricantes. Hoje, o THP 1,6 é um bom motor turbo que ainda equipa vários modelos da PSA.
BMW e Chrysler se uniram em 1997 para construir uma fábrica de motores no Brasil, chamada Tritec, em Campo Largo, no Paraná. Só para exportação. A parceria se desfez e a fábrica, depois de alguns anos desativada, foi vendida para a Fiat em 2008. Que manteve os motores, rebatizados de E.TorQ, e equipam até hoje modelos da Fiat. E, curiosamente, acabaram voltando para um veículo cuja marca era da Chrysler: o Jeep Renegade.
A BMW adquiriu a marca Rolls-Royce e equipou os famosos carros ingleses com seus motores. A Ford era dona da Jaguar, Land Rover e Volvo e vários destes europeus compartilhavam componentes além de usar motores americanos. O Jaguar já teve o mesmo motor do Ford Mondeo…
O grupo Fiat e a Saab estabeleceram um acordo para um projeto conjunto de novos automóveis. Resultaram o Alfa Romeo 164, Lancia Thema, Fiat Croma e Saab 9000 dividindo mesma plataforma.
No Brasil, compras e parcerias entre fábricas já resultaram em vários motores “intercambiados”. Desde a década de 60, quando a Ford comprou a Willys, que fabricava aqui, sob licença, modelos da Renault. Então, o Ford Corcel tinha a mesma mecânica do Renault R-12. E seu motor foi parar também no Escort. O de seis cilindros do Jeep Willys foi um dos problemas do Ford Maverick…
Sem falar da Autolatina, uma completa salada de carrocerias e motores divididos entre Volkswagen e Ford entre 1987 e 1994.
Em 2001, ao iniciar a produção do 206 no Brasil, a Peugeot não dispunha de um motor 1,0. Recorreu à Renault e comprou os motores 1,0, 16V até ter sua própria fábrica em 2004.
Uma das maiores fusões de marcas do mundo — concretizada em 2020 e tornada pública em 19 de janeiro último — terá fortes reflexos no nosso mercado. É a Stellantis, uma união da PSA (Peugeot Citroën Automobiles) e FCA (Fiat Chrysler Automobiles) que terá 20 marcas sob seu guarda-chuvas, entre elas: Alfa Romeo, Chrysler, Citroën, Dodge, Fiat, Jeep, Lancia, Maserati, Opel, Peugeot, Ram e Vauxhall.
Curiosamente, os grupos Fiat e PSA já tiveram uma parceria no passado com veículos comerciais, na Europa e Brasil, com a produção conjunta das vans Fiat Ducato, Peugeot Boxer e Citroën Jumper.
A Stellantis vai induzir um gigantesco “toma-lá, dá cá” de compartilhamento e desenvolvimento de motores, plataformas, processos industriais e administrativos. No Brasil, os primeiros frutos serão os novos motores GSE turbo, de três e quatro cilindros com injeção direta que chegaram para equipar modelos da Fiat e Jeep, mas que estarão também em modelos da Peugeot e Citroën. Em contrapartida, a novíssima plataforma do Peugeot 208 migra para novos produtos em Betim. Isso para começo de conversa…
O resumo da ópera é que vai-se configurando um prognóstico feito há cerca de 25 anos de que a indústria automobilística mundial se resumiria — no frigir dos ovos — a seis grandes grupos: dois nos EUA, dois na Europa e outros dois nos países asiáticos. E muitas pequenas empresas dedicadas a nichos de mercado. Soava, na época, um absurdo imaginativo de alguém calibrado com poderoso alucinógeno…
Mas, pensando melhor, sou candidato a uma dose!
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
Mais Boris? autopapo.com.br!