Volta e meia a imprensa noticia em quais estados é mais vantajoso abastecer com álcool. Ou gasolina.
Nas últimas semanas, o derivado da cana toma uma surra do fóssil quase no país inteiro pois ainda estamos em final de entressafra e seu preço subiu exageradamente. A informação estampada em jornais, revistas e sites é, geralmente: “De acordo com levantamento feito pela ANP, só é vantajoso abastecer com álcool em dois estados brasileiros”
Notícia duplamente falsa.
Primeiro, porque a ANP não divulga onde é melhor ou pior abastecer com álcool (ou gasolina). O levantamento periódico realizado pela agência simplesmente determina os preços dos dois combustíveis nos postos em todo o país. Mas não faz recomendação nenhuma.
A imprensa, a partir dos valores levantados pela ANP, faz as contas do custo por km rodado com álcool e gasolina. E determina o mais vantajoso a partir da falsa premissa de que o consumo com álcool é 30% maior que o da gasolina.
A regra (errada) para os cálculos seria então: se o álcool custar até 70% do valor da gasolina, vale a pena abastecer com ele.
Este percentual, apesar de falso, é utilizado oficialmente até em cartazes informativos afixados em bombas dos postos. Neles estão registrados os preços do litro de cada combustível e se alerta para o limite de 70% que indica vantagem financeira abastecer com o álcool.
Por que “falsa premissa”?
Porque este percentual foi estimado em 2003, no lançamento do carro flex. A partir de testes de consumo não muito rigorosos nem padronizados, como são realizados hoje. Além disso, nestes últimos 18 anos foram muitas as modificações em motores, álcool e gasolina.
Então, 70% não significa mais nada. Quando muito, um valor aproximado entre as diferenças de consumo das dezenas de modelos comercializados no nosso mercado.
Prova disso é que basta conferir os valores registrados pelo sistema de etiquetagem do Inmetro (Conpet) para se perceber que a diferença de consumo entre os modelos avaliados chega a variar em até 11 pontos percentuais (65% a 76%) entre diversos automóveis.
Há um “pequeno” problema nisso tudo. Os números oficiais de consumo de gasolina são obtidos com esta contendo 22% de álcool, enquanto a que você compra no posto tem 27,5% de álcool (gasolina comum e gasolina comum aditivada) ou 25% de álcool, gasolina premium. Isso significa que o consumo de gasolina no mundo real é maior do que o oficial. Surreal, não?
O Hyundai HB20, por exemplo, registra consumo de álcool apenas 24% maior que a gasolina. Então, se o combustível vegetal estiver custando até 75% do fóssil, ainda seria vantajoso, financeiramente, abastecer com ele. O 70% não vale, neste caso
Mas, alguns modelos “importados”, como Mercedes (que teve motor adaptado para flex enquanto produzido aqui), navegam em sentido contrário e registram consumo de álcool bem superior aos 30%: pela etiqueta do Inmetro é cerca de 35% maior que o da gasolina. Ou seja, abastecer com o combustível de cana só compensaria com preços até 65% do derivado do petróleo. Quem seguir os 70% vai perder dinheiro.
Outros critérios
Vale lembrar que a vantagem financeira não é critério exclusivo para se decidir pelo combustível ideal do carro flex.
Não são poucos os motoristas que preferem a gasolina pois, por ter consumo menor, o carro ganha autonomia e pede paradas menos frequentes no posto.
Outros abastecem exclusivamente com o álcool por dois motivos, também independentes do custo:
1 – O motor ganha potência e o carro, em desempenho;
2- Em termos ambientais, o combustível derivado da cana é bem mais limpo. Considerando o ciclo completo, do crescimento da planta até o escapamento do carro, pode-se dizer que não há saldo positivo em emissões de CO2.
E outros critérios
Há quem prefira dividir (50/50) o abastecimento entre os dois combustíveis, ganhando um pouco de desempenho sem prejudicar muito a autonomia. E também os motoristas que só abastecem com a gasolina antes de viajar, pois consideram importante parar um mínimo na estrada, evitando postos desconhecidos. Neste caso, a autonomia fala mais alto.
E ainda uma outra opção, esta para os dias mais frios: alguns que só rodam com álcool, misturam cerca de 20 a 25% de gasolina para evitar dificuldades ao ligar o motor nas manhãs com temperaturas abaixo de 15 °C. Pois nos carros flex ainda equipados com o tanquinho de gasolina para a partida a frio, aborrecimento quando o tempo esfria é quase certo…
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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