Quando veio à tona, em setembro de 2015, a emissão de NOx (óxidos de nitrogênio) dos motores Diesel da VW nos EUA ser superior ao limite legal, outras marcas europeias foram na esteira e foram igualmente flagradas, entre elas Audi, BMW, Mercedes-Benz, Opel e Renault.
Sempre existiu esperteza na questão de emissões. Até no Brasil: a Fiat, em 1995, foi multada pela Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) pelas emissões do Uno Mille Electronic que superavam os limites legais, apesar de aprovado nos testes homologatórios.
A manobra da Fiat
Como a fábrica de Betim alterou os resultados? Da forma mais simples: conectou um interruptor no sistema de abertura do capô, pois os testes eram realizados com ele aberto. Então, ao ser levantado, uma chave imediatamente modificava a regulagem do motor para reduzir o nível de emissões.
Os engenheiros da VW na Alemanha seguiram por outro caminho, bem mais sofisticado. Como o procedimento de medição das emissões de gases do motor era com motor funcionando e o carro estático num rolo dinamométrico de laboratório (como o da foto) “dirigido” segundo um ciclo predeterminado — uma arrancada e mais tantos segundos de primeira marcha, depois mais tantos de segunda; uma parada de alguns segundos simulando um sinal vermelho, e assim por diante — um programa (software) instalado na central eletrônica analisava esta sequência de funcionamento. Quando percebia que o carro estava sendo submetido a esses testes, indicado pelas rodas não serem esterçadas, o software alterava os parâmetros de ajuste do motor.
Toda essa artimanha para escapar da inevitável redução de desempenho do automóvel caso estivesse corretamente enquadrado no limite de emissão de NOx.
Franceses
Dois anos depois, em 2017, estoura a mesma questão na França envolvendo os motores Diesel da Renault.
Iniciou-se então um processo do Ministério Público e, no mês passado, Carlos Ghosn, ex-presidente-executivo da Renault, foi convocado a depor para a Justiça Francesa em dois processos. O primeiro referente à questão dessas emissões e o segundo relativo a procedimentos fiscais. duvidosos
Como Ghosn está confinado no Líbano (depois de sua cinematográfica fuga da prisão no Japão), emissários franceses foram ouvi-lo em Beirute. O depoimento de Ghosn (pelas emissões) é uma incógnita, pois não foi aberto ao público.
Mas eu sei o que aconteceu. Por um inteiro acaso, conversei há três anos (2018) com um engenheiro que trabalhou na Renault e integrava o time de desenvolvimento de motores Diesel na França.
Ele me contou que a equipe foi chamada para uma reunião de diretoria entre 2013 e 2014 e um executivo comparou os resultados dos testes de emissões dos motores Diesel da VW com os da Renault.
Os números não davam margem a dúvida: os germânicos obtiveram níveis de emissões de NOx bem inferiores aos dos franceses. E pediu explicações. Questionou a competência da equipe, se faltava talento ou trabalho. E manifestou sua preocupação. Afinal, a concorrência entre marcas europeias era (sempre foi…) acirradíssima.
Os engenheiros retrucaram alegando que um nível de emissões de NOx tão reduzido só seria possível com uma drástica redução do consumo e que, para tanto, só prejudicando sensivelmente o desempenho do automóvel. O diretor perguntou se eles estavam de brincadeira e deu um prazo para que encontrassem uma solução.
O desafio
Alguns dias depois, a equipe da engenharia se reuniu novamente com os diretores. E relataram que pesquisaram os resultados, discutiram com colegas de outras fábricas e da própria Volkswagen.
Concluíram não haver a menor dúvida — e provaram por a + b — ser impossível, em termos tecnológicos, um motor Diesel oferecer desempenho tão elevado com nível tão reduzido de emissões de NOx.
E afirmaram só haver uma explicação: fraude nos testes.
O ex-engenheiro da Renault me disse ter estranhado a reação dos diretores, pois não se assustaram com a revelação, passando a impressão de que já sabiam da solução da Volkswagen.
E simplesmente os diretores falaram qualquer coisa como: “Não nos interessa como a VW obteve este resultado. Queremos nossos motores Diesel com emissões de NOx idênticas ou muito próximas, sem perder desempenho”.
Nas entrelinhas, os engenheiros perceberam que, ou perdiam o emprego, ou praticavam a mesma “mágica” que a Volkswagen….
Assim o fizeram. E o resultado final não demorou muito: chegou em 2017.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
Mais Boris? autopapo.com.br