Tenho notado, analisando os comentários que me enviam contendo críticas, algumas até indelicadas, sobre o que pretendo esclarecer baseado em mais de meio século de estudos do trânsito. Considero exagero supor que eu vá propor a proibição do automóvel. Se foi de brincadeira, achei-a imprópria em se tratando de assunto tão sério que procuro esclarecer em atividade gratuita, em retribuição à gentileza do especialista Bob Sharp tentando aumentar o conhecimento do nossos fieis leitores — de quem eu esperava mais perguntas sobre dúvidas em vez da crítica pura, sem sugestões, que efetiva e infelizmente não levam a lugar nenhum.
Aproveitando o “gancho”, também chego a outra realidade — me desculpem aqueles que já conhecem — a mobilidade urbana é o resultado do rendimento da malha viária e não somente do automóvel. Ela é a média ponderada do resultado das médias nas suas vias estruturais na quais, evidentemente, o automóvel é o maior contribuinte, em cerca de 80%, para o seu tráfego.
Como o rendimento é controlável, ou melhor, imprescindível para se administrar o trânsito, aparece em minha explanação outra declaração, esta do autor inglês G.K.Cheterton, que escreveu: “Não me preocupam os que não vêm a solução, mas sim aqueles que não a veem por não identificarem o problema”. Infelizmente, esta é a situação na maioria dos nossos componentes do Sistema Nacional de Trânsito, que cuidam do nosso trânsito com recursos muito atrasados.
A esta altura deste artigo é bom destacar que eu, um discípulo de Sir Colin Buchanan, jamais poderia advogar a exclusão pura simples do automóvel, considerada “uma invenção notável e que jamais poderá sair de nossas vidas.” Os especialistas, os poucos que restam, têm o dever de zelar pela eficácia da mobilidade urbana. Faltam, principalmente, “a imaginação e a coragem”, segundo o urbanista grego Constantino Doxialis, na década de 1960, “na busca da adaptação da cidade ao automóvel.” E é a causa mais manifesta do congestionamento, disse este verdadeiro arquiteto das cidades modernas, replanejadas após a destruições da Segunda Guerra Mundial.
O urbanista americano Paul D. Spreiregen assim definiu as medidas que adaptam o automóvel ao mundo moderno, inserindo-o como fator insubstituível, face às dificuldades várias para se obter o produto ideal. Ei-las:
- Certamente o automóvel é a causa mais manifesta do congestionamento e a dispersão periférica das cidades, mas em igual grau de responsabilidade está a nossa em relação ao uso da terra, juntamente com a escabrosa história do transporte público;
- O automóvel impõe a sua passagem através a cidade reclamando linhas claras e desimpedidas de fluxo de tráfego:
- O automóvel cria problemas de estacionamento, requerendo novas formas de resolvê-los;
- O automóvel cria problemas de cruzamentos que requerem novos sistemas de movimentos;
- O automóvel pode destruir a velha arquitetura ou pode colocá-la a seu serviço:
- O automóvel requer muitas indicações que necessitam desenhos simplificados e inteligentes:
- O automóvel dá origem à confusão da forma urbana, porém pode criar uma nova ordem geral desta forma.
Esta é uma orientação resumida para poder adaptar o automóvel, sem demagogia e politicagem. Evidentemente que será mais fácil a solução técnica do que a decisão com a coragem política, privilégio dos governantes.
Tive a motivação para esta aula sobre o automóvel com as últimas críticas que recebi.
CF
Celso Franco escreve quinzenalmente aos sábados no AE sobre questões de trânsito.