Meu trabalho na Volkswagen do Brasil de março de 1984 a dezembro de 1988 consistiu em administrar a participação da fábrica em duas modalidades de automobilismo, a de velocidade em circuito e em estradas, os ralis de velocidade. Em ambas a VW era concorrente, uma vez que na o primeira, o Campeonato Brasileiro de Marcas e Pilotos, o título de marca campeã estava em jogo, o mesmo ocorrendo nos Campeonatos Brasileiro e Sul-Americano de Rali.
Como concorrente, era essencial estar em todas as provas, tanto para certeza de que tudo corria bem, quanto para impetrar protesto esportivo, se necessário, em defesa dos interesses da VW como concorrente.
Nas provas em circuito bastava eu estar nos autódromos, mas nos ralis eu precisava me deslocar durante todo o evento, acompanhado do nosso engenheiro Luiz Antônio da Silva (foto de abertura, de pé junto ao Santana). Esse deslocamento era para estar em todos os pontos de apoio antes que os carros chegassem neles e, claro, usando outras estradas que não as da prova. Era praticamente um corrida contra o relógio, e corrida significava andar o mais rápido que eu pudesse nas estradas normais, o que significa exceder os limites de velocidade.
Num rali no Uruguai (foto de abertura, momento da vistoria técnica e administrativa), deslocando-nos de um ponto de apoio a outro, seguíamos num trecho de autoestrada, num leve descida, o Santana de meu uso esgoelando a quarta — o câmbio era 4+E, colocado antes do carro começar a rodar, minha decisão — com o ponteiro do velocímetro no meio do caminho entre 180 km/h e 190 km/h, farol baixo ligado, quando avisto adiante, bem mais lenta do que nós, uma Caravan de polícia rodoviária (foto abaixo). Naquele momento gelei, pensei no problema que teríamos, sem contar que o nosso esquema de controle dos carros estaria prejudicado.
Quando tirei o pé do acelerador para começar a frear, vi a Caravan ir para o acostamento e em seguida o braço esquerdo do policial, para fora da sua janela, gesticular como que me dizendo “vai, vai”! Ao passar pela Caravan do jeito que vinha, agradeci com dois toques breves de buzina.
Passado o susto veio-me a admiração por aquele policial, pela corporação e pelo pequeno mas formoso país. Uma simples questão de mentalidade e conhecimento, a noção de que estava em curso um rali.
Dessas coisas não se esquece.
E no Brasil?
Era um rali do Campeonato Sul-Americano, etapa brasileira, no Rio Grande do Sul. Como em todo rali, há um tempo de deslocamento predeterminado entre o final da última prova especial do dia e a entrada no parque fechado, local onde todos os concorrentes deixam seus carros para o pernoite, sendo proibido qualquer serviço nos veículos.
Esse tempo leva em conta a distância a percorrer, não é apertado mas também não é tão folgado. O piloto uruguaio Gustavo Trellis, um dos expoentes de lá, encontrou trânsito pesado com seu Escort RS, de tração traseira e tratou de andar o mais rápido que podia. Nesse afã de não perder a sua hora-limite de entrar no parque fechado, fez uma ultrapassagem que tinha duas faixas contínuas, portanto proibida. A polícia de trânsito de Porto Alegre o deteve, foi conduzido a uma delegacia policial, mas acabou sendo liberado, Os detalhes, não sei.
O fato é que pelo regulamento o Trellis estava desclassificado, mas os comissários desportivos, em face do problema que ele teve, aceitaram a entrada no parque fechado fora do horário. Tudo evitável, tivesse o policial brasileiro um mínimo de compreensão do porquê da ultrapassagem proibida.
Como se vê, dois países, dois policiais, duas mentalidades.
BS