O título não é exagero. O câmbio manual ruma para o cadafalso. O mais estranho, contudo, é esse fenômeno estar ocorrendo com mais força no Brasil do que em qualquer outro país produtor de automóveis. Somos líderes absolutos nisso. Muito estranho.
O primeiro sinal de mudança que percebi foi em 2018, quando a Citroën deixou de importar da Argentina o excelente C4 Lounge com câmbio manual, ficou só o automático Aisin de seis marchas. O suve VW T-Cross. lançado em fevereiro de 2019, tinha uma versão de 1-litro manual. Tinha. acabou.,
As pessoas das fábricas com quem converso dizem, uníssonas, que “carro de câmbio manual não vende”. Gaguejam quando argumento que fora do Brasil vende. Por isso, cabe a velha e repetida pergunta “que país é este?”
O leitor, hoje amigo. Dr. Douglas Loiola, faz pouco tempo foi a uma concessionária VW para comprar um Jetta GLI. Perguntou a um vendedor, ao não haver versão manual em estoque, quanto tempo demoraria se encomendasse um. “Não existe Jetta manual”, respondeu o vendedor, emendando uma pergunta, “Dr. o sr. vai se sujeitar a passar marchas num Jetta?”. Realmente muito, muito estranho o que está acontecendo nosso país.
De novo: não tem mais câmbio manual por que não vende ou não vende câmbio manual por que não tem? Aposto na segunda possibilidade. Por que digo isso?
Entre 1970 e 2000 havia opção de câmbio automático para praticamente toda a linha Chevrolet, até Chevette, Dodge Polara, Ford Del Rey, Chevrolet Opala, Ford Maverick e Galaxie, Dodge Dart/Charger e VW Santana. Não tenho os números de vendas, mas eram bem baixos. Posso dizer que eram nichos, porém o mais importante é que quem apreciava, ou tinha necessidade de câmbio automático, havia a opção. Não haver mais câmbio manual é uma forma velada de patrulhamento.
Hoje o quadro caminha para a inversão, há nítida preferência do consumidor pelo câmbio automático, o manual caminha para ser nicho. Só que diferentemente do citado período, do jeito a coisa vai nem nicho será, uma vez que o câmbio manual está sendo deliberada, definitiva é inexplicavelmente assassinado pelas fabricantes multinacionais aqui estabelecidas.
Igualmente incompreensível é as poucas fabricantes que oferecem câmbio manual exclui-lo das versões de nível de acabamentg superior, forma também velada de discriminação.
Aplausos para a Renault, que tem o Sandero R.S. no portfólio do modelo, dotado de câmbio manual exclusivamente, vaia para a Volkswagen que lançou versões GTS (Polo e Virtus) com câmbio automático somente. Logo a marca que teve no ágil a prazeroso câmbio manual do Fusca (foto de abertura),uma das razões do seu sucesso mundial, dar as costas para esse tipo de câmbio é inadmissível e incompreensível.
Com importados é igual, há opção de manual nos mercados de origem, mas no Brasil parece ser proibido, se não obsceno. BMW M3 Competition, Chevrolet Camaro SS e Ford Mustang Mach 1, Porsche 911 GT3, exemplos recentes, só automáticos.
Que fique bem claro: não sou contra câmbio automático e respeito quem o aprecia. Conheci o câmbio automático no começo da adolescência dirigindo o Oldsmobile 88 1950 do meu pai, câmbio Hydramatic de quatro marchas, alavanca seletora na coluna de direção. Mas, como muitos, prefiro câmbio manual.
Já disse e repito, trocar marchas é um ato tão automático quanto caminhar Pensa-se até na vida enquanto se muda de marcha, O trabalho de braço, antebraço e mão é insignificante. O mesmo com a perna esquerda, em especial hoje em dia com cargas de pedal bem baixas. Me dá satisfação o carro fazer o que eu quero quanto à escolha da marcha a usar, dispenso a ajuda dos “homenzinhos verdes”.
Gosto de explorar o motor do jeito que eu quero. Para mim o acelerador destina-se exclusivamente a controlar a borboleta de aceleração no motor de ciclo Otto e a vazão de combustível de injeção nos motores Diesel. Só. Nada de determinar redução de marcha ao acelerar a fundo.
Estou com um Sandero GT-Line de teste. Motor 1-L e câmbio manual. Uma delícia dirigi-lo. Torço para que os fabricantes acordem e acompanhem suas matrizes.
Dizem que “o Brasil é diferente”. Falso, diferentes são as pessoas, não o nosso belo país.
BS