Conheci o saudoso Expedito Marazzi nos meus tempos de Fusca Clube do Brasil nos anos 1980. E conheço seu filho, Gabriel Marazzi, com quem mantenho contato e me encontro de vez em quando — como no caso da foto ao lado, num dos excelentes encontros de carros e motos antigos que ele organizava chamados “Pátio do Marazzi”.
Quando eu enviei a divulgação da matéria “Do VW Beetle ao Fórmula V” ele me enviou uma foto, que será reproduzida adiante, com a mensagem: “Em 1970 eu já pilotava um Fórmula V. Um Marazzi-Vê”. Pois, isto foi o suficiente para deflagrar a troca de informações que levou a esta matéria que registra um dos interessantes momentos da trajetória dos Fórmula V no Brasil. Este modelo foi dedicado mais ao ensino da pilotagem do que às competições em si.
É interessante que vários fabricantes usavam a denominação “Vê” em vez de “V” para seus fórmulas, lembrando que nos EUA era usado “Vee”.
O relato de Gabriel Marazzi
Alexander, vou resumir a história do nosso Fórmula Vê. Conforme relato do próprio Expedito, que inclui ao final deste texto, ele começou a montar o carro para usar nas aulas práticas, em Interlagos, do Curso Marazzi de Pilotagem (como o exemplar da foto de abertura desta matéria).
Ele vendeu alguns pouco carros para alunos que se formavam no curso, mas nenhum desses pilotos novatos foi relevante no automobilismo. O próprio Expedito passou a participar de algumas corridas de Fórmula Vê, com seu carro, para ir resolvendo problemas técnicos que surgiam. E, também, para se divertir, é claro!
Na foto abaixo, eu estou no quintal da minha casa, sentado no primeiro Marazzi-Vê, que quase não ia para Interlagos, pois foi o modelo para a montagem de todos os outros. Como o carro ficava em casa, eu às vezes o “roubava” para dar umas voltas pelo bairro, que, nesse comecinho dos anos 70, era bem tranquilo. Como se pode ver na foto, eu não alcançava os pedais se estivesse encostado no banco, por isso minha irmã, que também está na foto, sentava-se atrás de mim e dobrava as pernas, para me servir de encosto. E lá íamos nós pelas ruas. O rapaz sentado no pneu, que era meu vizinho e amigo, me seguia para onde eu fosse.
Como o Fórmula Marazzi-Vê não precisava seguir regulamentos, ele era montado com componentes VW tirados de carros desmanchados. Mesmo originalmente montado com a mecânica VW 1300, ele passou a ter mecânica VW 1600, retiradas dos muitos Karmann-Ghia TC completamente enferrujados que Expedito comprava e desmontava. Além de serem extremamente baratos, tinham mecânica mais atual, a exemplo do motor de maior cilindrada, com alternador e não dínamo, dos freios a disco dianteiros e das rodas de quatro parafusos dos VW modernos. Isso explica as rodas dos carros nas fotos: as rodas do primeiro Marazzi-Vê ainda eram de cinco parafusos e fazem parte da primeira fornada de rodas que o Marco Grilli, criador da Rodas Scorro, produziu e deu para o Expedito. Tenho esse jogo até hoje, guardado como memorabilia, já que são de magnésio puro e não podem mais ser utilizadas.
Minha memória dessa época é muito rica, eu estava sempre brincando com os carros em Interlagos e passeava muito com os Karmann-Ghia TC que ficavam em casa, à espera do abate. Cheguei a usar alguns deles como meu transporte pessoal, apesar de não ter idade para dirigir legalmente. Mas os carros também nem tinham documentação apropriada, os vidros não fechavam, as portas abriam sozinhas e os carros eram um bagaço, mas mecanicamente nunca deram problema.
Depois de um tempo, meu pai parou de montar novos carros, porque já havia muitos funcionando na sede da escola. E, também, porque os alunos do curso preferiam fazer as aulas práticas com seus próprios carros de rua, o que era permitido, na época. Os Marazzi-Vê acabaram ficando feiosos e desatualizados, mas foram bastante usados em Interlagos até meados dos anos 1980.
Quando meu pai morreu, em 1988, ele me deixou 11 fórmulas, guardados em um galpão da casa dele.
Levei todos para Interlagos e reformei a maioria, usando os carros em eventos de exposição, como salões e similares, e alguns eventos práticos, como da vez que a revista Quatro Rodas me contratou para fornecer os carros a fim de entreter executivos da Editora Abril em um evento em Interlagos. Aproveitei para colocar quase todos os carros em ordem.
Quando vendi o Curso Marazzi de Pilotagem para o Roberto Manzini, logicamente ele não se interessou pelos carros, já bastante desatualizados. Mas não eram, ainda, de interesse dos antigomobilistas, como acontece atualmente (tem até um Marazzi-Vê no Museu do Automobilismo Brasileiro, de Paulo Trevisan, em Passo Fundo, RS).
Com a venda da escola, transformei a sede em um posto de gasolina, ficando com muito pouco espaço para minhas “tranqueiras” na nova sede da oficina, em Interlagos, que aluguei em frente à velha sede. Por isso, presenteei os meus amigos com um Fórmula cada um. Fiz o mesmo com todos os carros da escola, inclusive os de turismo (Opala Stock Car, Passat Grupo A e Grupo N). Mas guardei três Fórmulas para mim, como recordação. Só que não duraram muito tempo, pois entreguei o prédio alugado, vendi os três carros para o Aldo Piedade e voltei para a Lapa, onde tenho a oficina até hoje.
Infelizmente, não consegui guardar nenhum Marazzi-Vê na minha coleção, mas o pior eu fiz quando estava demolindo a oficina para a construção do posto de gasolina: vendi o gabarito do chassi do Marazzi-Vê por quilo (era bem pesado) e joguei os moldes da carroceria no lixo. Sacrilégio…
Segue um depoimento tirado do livro de memórias do Expedito Marazzi – ainda não publicado, que foi escrito antes de 1977:
Depoimento de Expedito Marazzi
“Uma das coisas que eu havia feito para melhorar o Curso Marazzi de Pilotagem foi adquirir de Alexandre Guimarães, o construtor do Fórmula Aranae-Vê, o projeto completo de um carro de corrida bem sofisticado, que deveria ser a Fórmula Brasil, mas que não teve sucesso devido à inconsistência do automobilismo brasileiro na época.
Para mim, isso não era importante, já que minha ideia era usar esse automóvel, do qual eu agora possuía os gabaritos do chassi, os moldes da carroceria e os direitos legais do projeto, nas aulas da escola de pilotagem. Na mesma época, Mario Pati, que havia comprado a velha e abandonada escola de pilotagem do Pedro Victor Delamare, seguiu a mesma ideia, comprando dos irmãos Fittipaldi os direitos do Fórmula Fitti-Vê.
Após algumas modificações no projeto, a fim de torná-lo mais coerente com as necessidades atuais na época, eis que eu era, agora, um construtor de automóveis de corrida. Como em minha escola eu não possuía uma oficina capaz de construir totalmente esses automóveis, pelo menos em quantidades semi-industriais, entrei em contato com o Dr. Célio Bruder, proprietário da Retimotor, um engenheiro mecânico que apreciava muito as novidades.
Ele se entusiasmou pela construção do carro de corrida e fizemos uma parceria. O Dr. Célio era um daqueles sujeitos que se interessam por tudo quanto é coisa mecânica, com um jeitinho todo especial para resolver os problemas. Entre outras coisas, já tinha construído autogiros, pranchas de surfe, motores a álcool, transformações de motores VW para aviões, motores para barcos, zepelins, balões, dirigíveis, etc. E agora começava e construir carros de corrida. O Fórmula Marazzi-Vê, nome dado ao automóvel por sugestão do próprio Dr. Célio, foi vendido para alguns pilotos novatos e participou de algumas provas, mas a maior parte deles era mesmo feita para utilização na escola de pilotagem.”
Fico muito contente com esta contribuição do Gabriel Marazzi. Com isto esta coluna faz o resgate de uma interessante parte da história do automobilismo em São Paulo, a época do Curso Marazzi de Pilotagem. Além dos Fórmula Marazzi-Vê terem mecânica Volkswagen, VW Fuscas também foram usados para ensinar a pilotar, como mostra a foto abaixo:
Agradeço ao Gabriel Marazzi por sua importante participação nesta coluna.
Curiosidade: perguntei ao Gabriel onde ficava a oficina que servia ao Curso Marazzi de Pilotagem já na década de 1970, (foto acima). Ele me disse que ficava no bairro da Lapa em São Paulo. Aí eu perguntei como os carros eram transportados entre a oficina e o autódromo, aí veio uma revelação interessante:
“A oficina na Lapa fica 25 km distante do autódromo, e todas as quartas-feiras tínhamos que levar uns quatro fórmulas para a pista. Tínhamos três carretas, duas para um carro e uma para dois carros. Tem muita história interessante a respeito disso.
Como das vezes que o Expedito não tinha paciência para colocar os carros nas carretas e voltava para a Lapa pilotando um dos fórmulas na marginal do Rio Pinheiros. Ou das muitas vezes que os carros caíram das carretas, ou as carretas se soltaram dos carros, ou perderam uma roda….
Era bem engraçado. Pouco antes de nos mudarmos para Interlagos, alugamos um galpão em frente ao portão 7 (antes esse era o portão 3) só para guardar os carros.”
Algumas fotos adicionais:
AG
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