Nesta coluna o assunto “Fórmula V” (V de letra inicial de Volkswagen e não o número 5 em algarismos romanos), que nos Estados Unidos se chama “Fórmula Vee”, ainda não foi citado e ele está na ordem do dia.
Recebo há muito tempo mensagens do portal suíço Zwischengas (dupla debreagem), de Bruno von Rotz, e numa das últimas edições se falou de Fórmula V. Dai veio a ideia de tocar neste assunto nesta edição do “Falando de Fusca & Afins”, inclusive usando algumas fotos que ele publicou. Mas a pesquisa foi além daquilo que saiu no portal do Bruno.
Apesar de ter um comportamento bom em competições desde o início, o VW Fusca não se comparava a um carro de competição tipo fórmula, mas na década de 1960 estava para ocorrer uma metamorfose que abalou o mundo das competições.
A ideia nasceu nos EUA
Foram os americanos que construíram o primeiro monoposto Fórmula V com componentes VW. Já em 1963, esta categoria de corridas estava claramente definida pelos regulamentos e a diversão podia começar. O início foi feito com o FormCar um tanto rechonchudo, logo o Beach Formula Vee mais elegante foi adicionado, o regulamento permitia construções independentes e outros fornecedores, desde que as peças Volkswagen especificadas fossem usadas.
Na primavera de 1964, o diretor de competição Huschke von Hanstein, Ferry Porsche e o piloto de corrida Edgar Barth viram estes pequenos fórmulas VW correndo nos EUA e acharam que eles poderiam ser usados para construir uma fórmula júnior também na Europa.
Já em 1965, as primeiras corridas realizaram-se na Alemanha, inicialmente exclusivamente com carros FormCar e Beach Formula Vee. No começo usavam motores boxer 1200. Os carros, que pesavam apenas 375 kg, começaram com o motor normal de 34 cv, já o novo 1200 de carcaça tripartida. O sucesso logo se tornou evidente.
A própria Volkswagen adotou a ideia e veiculou o anúncio abaixo cujo texto é:
Com a maior parte deste carro, oito milhões de pessoas dirigem para o trabalho todos os dias
Porque acredite ou não: a maior parte deste carro é um VW.
A coisa toda se chama Fórmula V (“Vau” não cinco). E como muitas ideias malucas, é originária da América.
Lá, alguns estudantes ficaram irritados que apenas pilotos ricos ou estabelecidos podem pagar por um carro de corrida.
Assim, eles tiveram a ideia de construir carros de corrida a partir de carrocerias caseiras e das peças mais importantes da VW, como a embreagem, a caixa de câmbio, os freios e o motor.
As peças da VW, eles sabiam, são robustas, fáceis de reparar e não são caras. Além disso, o motor VW tem características que são adoradas nos carros de corrida: é leve, arrefecido a ar e localizado diretamente sobre as rodas motrizes.
Logo foram incluídos — como uma classe própria — no regulamento do automobilismo americano existente.
Desde 1965, eles também estão acelerando em pistas alemãs.
Por exemplo, por Nürburgring. Onde, em 7.8.66, o austríaco Günther Huber ficou apenas dois minutos atrás do melhor tempo de volta alcançado no mesmo dia pelo campeão mundial Jack Brabham em seu REPCO-Brabham de 290 cv.
Vários fabricantes oferecem carros de Fórmula V. E eles os fazem completos ou como um kit para se construir. Qualquer revendedor VW pode obtê-los para você.
Mas você só deve se dar ao luxo de se divertir se você realmente quiser correr.
Para chegar ao trabalho ou ao campo, um VW normal é suficientemente rápido.
Na Suíça, a AMAG, maior importador suíço da Volkswagen e da Porsche (hoje com 82 filiais distribuídas pelo território suíço) aderiu ao movimento no final de 1965, após a ideia já se ter estabelecido na Alemanha, Bélgica, Áustria, Suécia, Holanda e Itália. A AMAG publicou anúncios de página inteira em revistas e intermediou kits de Fórmula V por cerca de CHF 5.000 (CHF = francos suíços). Para as peças de VW, foram estimados, na época, de CHF 2.000 a 2.500, e material usado também poderia ser empregado. Um mecânico treinado levava cerca de 50 a 60 horas para completar os kits. A AMAG forneceu até as salas de montagem em Schinznach e forneceu apoio especializado. Kits dos EUA ainda eram usados, mas os carros importados pela Porsche e Volkswagen não seriam os únicos por muito tempo.
Abaixo segue um dos anúncios de Fórmula V publicados pela AMAG. Eu traduzi o primeiro título deste anúncio com seu texto e indiquei os demais títulos para dar a abrangência do que foi uma introdução sobre Fórmula V na Suíça:
FÓRMULA V – UMA CLASSE PRÓPRIA
Fórmula V = Fórmula VW
O que significa a Fórmula V? Muito simples: uma nova categoria de automobilismo, criada especialmente para um carro de corrida montado exclusivamente com componentes da VW.
Cada proprietário de um carro de corrida Fórmula V pode competir nesta nova categoria de Fórmula V em casa e no exterior. Ele compete exclusivamente em carros de corrida de Fórmula V que foram todos construídos de acordo com os mesmos padrões prescritos. Somente a habilidade de dirigir determina o sucesso ou a derrota.
Isto satisfaz o desejo de muitos jovens entusiastas do automobilismo: comprar um carro de corrida a um preço acessível. A ideia da Fórmula V veio dos EUA, onde centenas destes monopostos de raça já estão no grid de largada. Ela já decolou na Alemanha, Bélgica, Áustria, Suécia, Holanda, Itália e Suíça. O cenário automobilístico suíço será enriquecido por uma grande atração em 1966.
Demais títulos:
Quanto custa um carro de Fórmula V?
Como são construídos ou montados os carros de corrida de Fórmula V?
Por onde você pode começar – qual é a fórmula?
FÓRMULA V – uma ideia típica da VW
Escreva-nos se você gostaria de saber mais sobre a Fórmula V!
Marcas locais logo apareceram
O alemão Heinz Fuchs já estava lá quando a nova Fórmula V foi apresentada pela primeira vez e avidamente fez medições nos carros de corrida americanos. Tinha que haver uma maneira melhor de fazer estes Fórmula V, ele pensou enquanto olhava para as estruturas relativamente pesadas feitas de tubos quadrados e as grandes carrocerias de compósito de fibra de vidro.
Os fabricantes de carros de corrida na Bélgica e na Suíça provavelmente pensaram a mesma coisa. Vários novos carros de Fórmula V foram construídos para a temporada de 1966, incluindo Apal, Austro-V, ZARP e outros.
O Fuchs da Alemanha
Antes de mais nada, Heinz Fuchs teve que montar seu próprio negócio porque seu primeiro protótipo, que ele construiu enquanto ainda trabalhava para a Porsche, acabou não sendo homologado para correr nesta categoria. Ele abriu uma pequena oficina em Leonberg com dois outros entusiastas de corridas e aperfeiçoou continuamente seu carro com uma estrutura executada com tubos circulares, carroceria delgada e distribuição de peso equilibrada.
Por um carro pronto, Heinz Fuchs pedia DM 11.800 (DM = marco alemão, moeda que antecedeu ao euro). Como um kit, sem as peças individuais VW, você tinha que pagar DM 5.000.
O ZARP da Suíça
Um carro de corrida de Fórmula V também foi construído na Suíça no final de 1965, criado pelo piloto de Fórmula 3, Jürg Dubler. Este Fórmula V foi chamado ZARP (sigla de Zurich Automobile Racing Partnership – Parceria de Corrida de Automóveis de Zurique) e foi construído em Oberhasli perto de Zurique, onde Dubler tinha uma oficina para financiar suas corridas de Fórmula 3.
Ao construir o carro, ele naturalmente estava de olho em seus experimentados e testados Fórmula 3, de modo que sua estrutura também utilizava tubos circulares e os elementos técnicos individuais foram dispostos na medida do possível para que uma boa distribuição de peso fosse alcançada.
A posição do banco era claramente mais reclinada do que nos carros pioneiros americanos, a carroceria era obviamente feita de compósito de fibra de vidro e tinha que atender às dimensões mínimas do regulamento. As peças VW — eixo dianteiro, eixo traseiro, direção, freios, motor e caixa de câmbio, assim como as rodas — deixavam pouca margem de manobra. Um dos feixes de lâminas de torção da suspensão dianteira foi removido como nos outros carros e substituído por uma barra antirrolagem. Molas helicoidais foram usadas na parte de trás em vez da barra de torção e seus dois facões. Para localização longitudinal das rodas traseiras foram usados tensores.
Em 1966, já se podia se usar o motor VW 1300, mas os testes do protótipo ainda foram feitos com o VW 1200. Os primeiros testes de pista realizaram-se em Lignières em novembro, embora sem carroceria. Muita coisa precisava ser melhorada, como um comando de câmbio confiável, o equilíbrio do freio tinha que ser ajustado para a distribuição de peso, e assim por diante.
Os testes com o carro acabado tiveram que ser cancelados devido à queda de neve, mas a produção em série já havia começado, e em março de 1966 o monoposto acabado foi apresentado no Salão de Genebra.
Dubler pedia CHF 10.950 para o seu Fórmula V ZARP montado, e CHF 5950 para o kit sem peças VW. Estavam planejadas vendas pela AMAG.
Mais e mais rápido
Enquanto os primeiros carros de Fórmula V ainda eram relativamente lentos, a potência do motor subiu rapidamente para 50 cv ou mais, embora, mesmo assim, o regulamento colocasse muitas restrições para os excessos de preparação dos motores.
Mesmo com a potência de 50 cv era alcançada uma interessante relação peso-potência, 7,5 kg/cv (lembro que o peso aproximado dos carros era de 375 kg), que era atingida por poucos carros convencionais. Assim, os pequenos carros de Fórmula V logo alcançaram tempos de volta que antes só tinham sido registrados por monopostos tipo “puro-sangue”. E mesmo os primeiros carros americanos de Fórmula V alcançaram os mesmos e bons tempos de volta de um Porsche 904 GTS.
Os Fórmula V ZARP ou Fuchs eram máquinas de corrida realmente sérias, como uma olhada nas tabelas de tempo da época revela. Isto porque os pilotos de Fórmula V mais rápidos andavam nos calcanhares dos Lotus Elan e dos Jaguares E-Type nas subidas de montanha. E no slalom você tinha que engajar um piloto de Fiat Abarth 1000 Bialbero (duplo comando de válvulas) para manter à distância os rápidos Fórmula V que serpenteavam em alta velocidade em torno dos cones.
Cada vez mais profissional
De 1965 a 1970, a Fórmula V amadureceu cada vez mais. Logo não era mais suficiente comprar um kit pronto para uso e simplesmente instalar os componentes da VW, mesmo que eles fossem aprimorados em termos de desempenho. A potência das unidades de 1,3 litro se estabeleceu em torno de 60 a 65 cv até 1970, e a diferença na corrida foi muitas vezes motivada pelo ajuste fino do chassi e dos pneus.
Os regulamentos foram sendo afrouxados várias vezes para permitir que veículos mais aerodinâmicos se aproximassem da Fórmula 3, o preparo do motor também foi permitido de forma mais ampla, mas levou a problemas de durabilidade dos motores de quatro cilindros. Finalmente, a Fórmula Super V veio com motores ainda mais potentes, mas também com custos mais elevados. A Fórmula V havia perdido seu charme juvenil, as barreiras de entrada estavam aumentando, o que na verdade não era a intenção de seus criadores.
Hoje, porém, do ponto de vista do piloto histórico, os Fórmula V das primeiras safras são suficientes, sem restrições, para experimentar muita diversão ao volante e desfrutar de um verdadeiro espírito de competição seja num circuito, na montanha ou em uma pista de slalom.
O assunto Fórmula V é bem amplo e tem vários registros muito interessantes com pilotos que iniciaram nela atingindo categorias de ponta com excelentes resultados, como Emerson Fittipaldi, Nélson Piquet, Niki Lauda, Keke Rosberg e assim por diante.
Circuitos de prestígio receberam corridas de Fórmula V, como o de Mônaco, onde foi feita a foto abaixo de um acidente espetacular ocorrido na corrida preliminar do Grande Prêmio de 1967, quando o piloto Nick Brittan tomou um atalho meio inesperado na chicane de entrada no porto, logo na saída do túnel:
Outra foto curiosa é do tempo que Fuscas e Fórmulas V dividiam a mesma pista, nela dá para ver a proporção dimensional dos dois tipos de carros de corrida:
Aqui cabe um agradecimento a Bruno von Rotz, com quem me comuniquei por e-mail, e a Balz Schreier, com quem troquei e-mails e falei por telefone, ambos do portal www.zwischengas.com.
A presente matéria se restringiu a aspectos da Fórmula V na Europa e nos EUA. A Fórmula V no Brasil é um outro capítulo.
AG
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