A data foi 31 de outubro de 1986, e vamos ver como esta data foi definida pela VW, como foi anunciada, e o que a aconteceu na linha de produção. Veremos também os carros feitos para marcar o encerramento da produção do Fusca no Brasil, que seria definitivo. Passados 35 anos é hora de rever esta história. Peço que os leitores e leitoras atentem para o fato de que esta foi a primeira despedida do Fusca, já que em 1993 ele voltou a ser fabricado aqui, para só parar em definitivo em 1996. Mas esta já é outra história.
Depois do recorde de vendas, a queda
Com o passar dos anos o Brasil foi seguindo em sua evolução, que implicava, também, no surgimento de automóveis novos e de crescente desenvolvimento técnico, que progressivamente foram chamando a atenção do público consumidor. Somente o Fusca permanecia fiel às suas origens, que por si só não davam espaço para inovações de grande monta.
O poder aquisitivo do povo acompanhava o crescimento da economia, que na década de 1970 passou pelo que se chamou de “Milagre Brasileiro”. Os consumidores de Fusca passaram a se interessar por carros mais modernos. Depois de ter atingido o pico de vendas em 1972, com 223.455 Fuscas licenciados, os números das vendas foram caindo, descendo ao patamar de 44.456 unidades em 1985.
A decisão de encerrar a fabricação do Fusca
A decisão de tirar o Fusca de linha foi tomada pela diretoria da Volkswagen do Brasil em 1985. A Volkswagen decidiu, pela primeira vez, comunicar o encerramento da fabricação de um produto seu com meses de antecedência, numa manobra que tinha a finalidade de amortecer o choque que a notícia causaria no público consumidor.
Como o Brasil naquela época se debatia com problemas econômicos complexos e com uma inflação astronômica e dificuldades sociais, Wolfgang Sauer, o então presidente da Volkswagen do Brasil, decidiu comunicar a retirada do Fusca das linhas de montagem ao então Ministro da Fazenda, Dilson Funaro. Para tanto, Sauer foi a Brasília com a meta de assegurar que a parada de fabricação do Fusca não era uma represália ao congelamento de preços vigente.
Sauer aproveitou a viagem para confirmar ao ministro do Trabalho, Almir Pazzianoto, que os 2.200 trabalhadores envolvidos na fabricação do Fusca estavam com o seu emprego garantido.
A comunicação que a Volkswagen do Brasil fez ao grande público foi por meio de uma propaganda veiculada, em agosto de 1986, em revistas de circulação nacional. Esta propaganda teve a finalidade de defender a sua posição de mercado, mas o resultado foi um demérito ao carro que foi a origem da própria empresa Volkswagen mundial — pois mostrou uma ilustração onde a imagem do Fusca tinha sido retirada mostrando somente a sua sombra. Este assunto é tratado em mais detalhes na matéria “Mach’s gut, Großer! (Valeu, grande)”, que fala de despedidas do Fusca em vários países.
Em letras garrafais o anúncio dizia: “Às vezes o avanço tecnológico de uma empresa não está no que ela faz. Mas no que deixa de fazer”.
Um texto em letras pequenas demonstrava as razões que levaram ao encerramento da produção do carro e não tinha muita ligação com o slogan acima. O texto era:
Se você pudesse ir agora na Volkswagen ver como se faz, por exemplo, o Santana, você teria uma ideia exata de como serão feitos os carros do ano 2000. Esse pioneirismo tecnológico, além de ser uma tradição da Volkswagen, é consequência direta dos fortes investimentos que ela vem fazendo na modernização total de seus processos de produção.
Hoje a linha de montagem da Volkswagen tem sua agilidade, precisão e qualidade controladas pelos mais sofisticados recursos da informática: são computadores, robôs e terminais de vídeo auxiliando a mão de obra humana na fabricação da mais versátil e completa linha de automóveis.
Esse avanço, porém, ao mesmo tempo que trouxe um grande benefício aos milhões de consumidores Volkswagen, garantindo veículos de qualidade superior, trouxe também outra consequência. Consequência inevitável não só da dinâmica tecnológica, mas também da própria vida: o passado teve que dar lugar ao futuro.
Assim, até o final deste ano o Fusca deixará de ser produzido e, não só como obrigação profissional, mas também em respeito à confiança dos dois milhões e meio de proprietários atuais, a Volkswagen continuará fornecendo os serviços e peças originais, através de sua rede autorizada.
Objetivamente, o Fusca está saindo de linha por dois fatores. Um técnico, outro de mercado.
Tecnicamente, o Fusca é um produto que, por suas próprias características, não possibilita procedimentos ágeis e modernos de fabricação. Sua grande quantidade de peças móveis e a montagem manual da carroceria ao chassi, por exemplo, fizeram dele um carro de elevado custo final.
Em termos de mercado, o consumidor atual, já acostumado às inovações lançadas principalmente pela própria Volkswagen em modelos como o Gol e Voyage, assumiu um nível de exigência que um projeto nascido em 1938 não conseguia mais satisfazer. Por mais aperfeiçoamentos que a Volkswagen tenha acrescentado nele em seus 27 anos de Brasil.
Esse descompasso tecnológico refletiu-se no quadro de vendas: se em 1972 foram vendidas 223.453 unidades, a previsão para 1986 é que se vendam apenas 29.300. Ou seja: em 1972 o Fusca participou com 48,8% no total de carros de passeio vendidos; em 1986 sua fatia estará reduzida para 3,9%, apesar do crescimento global do mercado.
Com isso, a Volkswagen vira uma das páginas de maior significação, não só para sua história, mas também para a própria história da indústria automobilística brasileira.
Com o Fusca o país viu crescer um importante setor industrial, o brasileiro aprendeu a fabricar seu próprio automóvel e a Volkswagen conquistou sua liderança de mercado.
Liderança que permanecerá, mesmo sem o Fusca, porque a Volkswagen não só manterá em linha os conceitos de sucesso que ele criou — durabilidade, economia, facilidade de manutenção, como também continuará acrescentando a eles todo conforto, criatividade a luxo que sua avançada tecnologia permitir. E o consumidor exigir.
E quem pratica essa teoria da evolução merece continuar em primeiro lugar no gosto do público.
A imprensa fez eco da comunicação da Volkswagen do Brasil resultando inúmeras reportagens como a reproduzida abaixo:
Já a General Motors do Brasil, num ato de simpatia e respeito, veiculou uma propaganda que dizia: “Homenagem da General Motors do Brasil ao seu pequeno grande concorrente”. Esta propaganda mostrava um Fusca com asas alçando voo em círculos ascendentes.
O Grupo Auto Modelo do Rio de Janeiro publicou um anúncio no qual declarou seu respeitoso adeus ao Fusca num texto inteligente e até carinhoso:
Foi lançada a “Última Série”, com carros especiais e numerados, que marcaria o encerramento da fabricação do Fusca. Estes carros foram passados exclusivamente às concessionárias Volkswagen. Adiante volto a falar sobre estes carros, incluindo os pouco conhecidos Fuscas Última Série de Diretoria.
A despedida na Fábrica Anchieta
A fabricação foi encerrada no dia 31 de outubro de 1986 e o povo brasileiro ficou sem poder contar com modelos novos do seu fiel companheiro (como sabemos esta história ganhou um novo capítulo em 1993, mas estamos contando o sentimento que vigia em 1986). Por outro lado, estimativas feitas em 1986 indicavam que mais de dois milhões e meio de Fuscas continuavam em uso.
Na fábrica de São Bernardo do Campo os trabalhadores, no dia do encerramento da fabricação do Fusca, prestaram homenagens ao Fusca a seu modo. Pela iniciativa deles, o carro mais querido do Brasil teve um final carinhoso: flores, palavras amigas e a emoção de uma pequena plateia formada por pessoas que, direta ou indiretamente, ajudaram a erguer a escalada de sucessos do Fusca no Brasil.
O objetivo da solenidade era comemorar em família, e assim foi feito. Algumas rodinhas de funcionários começaram a se formar de maneira espontânea para participar da festa. Desenhos, frases e cartazes iam surgindo dessas rodinhas. Cada um contribuiu como pôde e assim uma pequena homenagem foi ganhando uma decoração improvisada pelos próprios companheiros de trabalho. Uma faixa erguida sobre o último carro dizia o seguinte: “ADEUS AO ÚLTIMO DO NOSSO PRIMEIRO AMOR”, mote que aproveitei para ser o título desta matéria.
O presidente da Volkswagen do Brasil, Wolfgang Sauer, ladeado pelos diretores da empresa subiu ao tablado e se despediu do Fusca. Em seu discurso, Sauer destacou que o “carrinho” impulsionou o desenvolvimento da indústria automobilística no Brasil. “Acredito que pouquíssimos motoristas nunca tiveram ou nunca dirigiram um Fusca”. Emocionado, ele agradeceu aos funcionários responsáveis por essa história. Aproveitando a ocasião, o presidente deu uma boa notícia aos veteranos da fábrica: “Os cem colaboradores mais antigos terão direito à compra de um Fusca”. Isto era uma boa notícia mesmo, pois Sauer estava se referindo aos Fuscas da “Última Série” que não foram acessíveis ao grande público. Para finalizar, os diretores Dieter Bokelmann e Otto Paul Hohne, Controle de Qualidade e Produção, respectivamente, depositaram sobre o último carro um grande arranjo de flores em formato de coração, simbolizando o adeus…
Pequenos grupos de funcionários aproveitavam para tirar uma foto de despedida. Três Fuscas tiveram destaque naquela oportunidade. Dois dos últimos que foram doados para a LBA – Legião Brasileira de Assistência e foram leiloados. O terceiro foi sorteado entre os trabalhadores da fábrica e o contemplado foi o encanador Reginaldo Vitorino Gomes, do setor de manutenção hidráulica e que já trabalhava há dez anos na empresa. Mas, na minha opinião o último Fusca deveria ter sido preservado no acervo da fábrica.
A imprensa também deu destaque para o encerramento da produção do Fusca em 31.10.1986 como na reportagem abaixo:
Um dos detalhes abordados nesta matéria é que todas as máquinas desta linha foram desligadas imediatamente após o encerramento da cerimônia de despedida, seguindo-se a desmontagem da linha de fabricação do Fusca. Os funcionários que tratavam do Fusca foram realocados para outras funções.
E assim terminou o que depois passou a ser a primeira fase de produção do Fusca no Brasil, pois depois veio uma inesperada fase de produção dos assim chamados Fuscas “Itamar”.
O assunto carros Última Série para os 100 funcionários mais antigos daquela época foi tratado em uma matéria com a detalhada pesquisa de André Chun publicada em duas partes nesta coluna: “VW Fusca Última Série 1986 para Funcionários: Revelando o Segredo”, com link para a Parte 2 na matéria.
Fuscas “Última Série” e “Carros de Diretoria”
Foram feitos dois tipos de carros, os brancos (cor branco Paina) que não eram numerados — formando o grupo dos “Carros de Diretoria”, vinham somente com a data, 31.10.1986 gravada nos vidros; e os numerados que vinham em duas cores: azul (azul Stratos) , cinza (cinza Plus) e bege (bege Polar) e com uma numeração sequencial personalizada.
O Fusca de Diretoria e o Última Série cinza pertencem a André Chun, e o azul pertence a Heinz Hoffmeister.
Os Fuscas Última Série, que eram numerados, foram fabricados num total de 850 unidades e foram em sua maioria direcionados para concessionárias, a exceção daqueles que foram vendidos para os cem funcionários mais antigos em 1986. Além da numeração sequencial nos vidros acompanhava um kit com vários itens comemorativos como mostra a foto abaixo:
Já os Fusca de Diretoria, que eram uma versão diferenciada, eram acompanhados por outro kit, como na foto abaixo:
As diferenças fundamentais estavam nas placas que nos Última Série numerados apresentavam o número do carro, no exemplo acima “770”, quando para os de Diretoria vinha uma placa com a data “31-10-86”. Nos chaveiros a diferença era a mesma, sendo que o chaveiro que aparece na foto de entrada é do Fusca de Diretoria do André Chun.
O André Chun terminou uma extensa e complexa pesquisa levantando todos os números de Fuscas Última Série, tanto os numerados como os de diretoria; sendo que agora é possível conferir se um dado carro pertence ou não a este grupo.
Com isto terminamos o registro que comemora os 35 anos da primeira saída de linha do Fusca no Brasil. Fiz uma resenha recontando um pouco da história, assim os fatos podem ser relembrados por todos.
Para o levantamento histórico eu me baseei no relato que consta de meu primeiro livro “EU AMO FUSCA – A história brasileira do carro mais popular do mundo” que complementei com algumas fotos e detalhes.
Na parte que fala dos Fuscas Última Série, seja de diretoria ou numerados, eu contei com a ajuda do André Chun, que aliás relembrou a importância de registrar esta data, e do Heinz Hoffmeister, que conseguiu tirar, em tempo recorde, fotos que ilustraram esta parte da matéria, como indicado. Agradeço aos dois pela participação neste trabalho.
AG
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