O feriado prolongado de Finados é sempre frustrado pelas chuvas, e este ano parece não ser diferente, afinal estamos no meio da primavera, a estação das flores e do verde exuberante do nosso país, mas é também a estação que preocupa com relação à segurança viária. As pistas molhadas, depois do longo período de estiagem, acabam pegando os motoristas de surpresa. Já tratei deste tema há duas semanas, e este feriado me faz retomar algumas dicas de como lidar com a aquaplanagem.
Visão da engenharia de pneus
Recentemente estive no novo Campo de Provas da Pirelli em Elias Fausto, SP, o Circuito Panamericano, para conhecer os novos pneus Cinturato P7, Scorpion e Scorpion HT, onde tive a oportunidade de dirigir sobre pista molhada. Se em condições de filme de água controlado, como acontece em um campo de provas, pode haver surpresas, imagine na vida real onde a cada curva o filme de água está de uma maneira.
Nas conversas com os engenheiros especializados em pneus relembrei alguns conceitos básicos que com o tempo acabamos deixando de lado. O mais importante é que o pneu é o único componente do carro que está em contato com o solo, e isso já aumenta em muito a sua importância, e se analisarmos pelo lado do custo x responsabilidade, a relação é muito desproporcional, com um custo relativamente baixo para sua grande influência na segurança do veículo.
Os fabricantes não divulgam o desempenho dos seus pneus em função do desgaste. Solicitei um gráfico de distância de parada ou de aceleração lateral com um pneu novo, com 3 mm de profundidade de sulco e com 1,6 mm (no TWI, Tread Wear Indicator, Indicador de Desgaste da Banda de Rodagem), mas a resposta foi negativa. A única coisa que afirmaram é que com o desgaste, não só na profundidade do sulco, mas também no envelhecimento da borracha, há uma degradação do desempenho do pneu tanto no seco quanto no molhado. Outra afirmação é que o pneu é desenvolvido e validado para ser utilizado com segurança até o TWI, mas a deterioração de desempenho no molhado cresce exponencialmente com o desgaste.
Portanto, a recomendação do AE de proceder a troca aos 3 mm de profundidade de sulco é válida.
Aquaplanagem: um acúmulo de causas
Velocidade é a principal causa da aquaplanagem. Em velocidades até 60~80 km/h, os pneus têm boa capacidade de penetrar nas poças e fazer a drenagem da água, ou romper a marola que se forma à frente do pneu, que é o principal fator para a perda de contato do pneu com o solo. Acima dessa velocidade outros fatores começam a sobressair, desde as condições dos pneus até as características de cada carro.
Desenho do pneu
O desenho dos sulcos é importante, pois os sulcos longitudinais e diagonais facilitam a drenagem (expulsão) da água, mas é claro que a eficiência também depende da profundidade dos sulcos e quão regular está o desgaste. Estudos da própria Pirelli indicam que com desgaste atingindo o TWI (1,6 mm), a eficiência de drenagem é de apenas 50% em relação ao pneu novo.
Outra recomendação importante a ser observada é a pressão dos pneus recomendada pelo fabricante do veículo. É possível identificar pneus de mesma dimensão que a especificação de pressão é diferente de uma marca de veículo para outra, ou mesmo dentro da mesma marca há diferenças entre modelos e versões. Isso se deve às diferenças da cinemática das suspensões e distribuição de peso de cada modelo. Sem esquecer que o tamanho do pneu também importa e é essencial ao bom balanceamento do veículo. No caso do tamanho a influência é inversa ao que acontece no piso seco, quanto mais estreito o pneu, melhor seu desempenho para cortar o filme de água das poças.
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Um perigo que não avisa
Adicionalmente aos elementos ligados aos quatro pneus e à velocidade, outras variáveis aparecem em cena. A profundidade e extensão da área alagada em comparação com o peso do veículo. Carros mais pesados são menos suscetíveis ao fenômeno da aquaplanagem, ou o fenômeno aparece em velocidades superiores.
Assim que o fenômeno se inicia devido a ocorrência de um fator, ou na combinação de várias condições críticas, o efeito é imediato e sem aviso prévio. Normalmente causa o aumento da rotação do motor combinado com a perda de controle do carro. Em carros com tração dianteira é possível sentir um espasmo no volante. A resposta de direção, freio e acelerador ficam sem efeito, seja em linha reta ou em curvas. Até mesmo os mais sofisticados sistemas de controle de estabilidade têm dificuldade de controlar o carro, pois não há contato entre o pneu e solo.
O carro surfa fora de controle
O efeito é o carro literalmente surfando sobre a poça d’água, continuando na direção em que vinha e com a inércia acumulada até o instante anterior à perda de contato pneu com solo. Isso significa que se o carro estava em uma curva a trajetória será seguir pela tangente, porém se estava em linha reta não há garantia que assim seguirá.
Importante considerar que a recuperação subsequente da aderência do pneu após sofrer a aquaplanagem é tão perigosa quanto a própria aquaplanagem. O contato pneu com solo é restabelecido instantaneamente, com uma rápida resposta e não obrigatoriamente na direção em que estava, pois lembre-se que cada um dos quatro pneus pode reestabelecer esse contato com frações de segundos de diferença. Não ter movido o volante não dá nenhuma garantia de que o carro siga na mesma trajetória.
Por outro lado, é certo que se as rodas estiverem esterçadas no momento da recuperação da aderência, o carro dará uma guinada abrupta e violenta proporcional ao esterçamento das rodas nesse momento crítico, com muita possibilidade de perda de controle passível de culminar numa saída da estrada ou na batida contra a defensa metálica.
Porém, nas retas, entre a recuperação da aderência com as rodas esterçadas ou retas à frente, a probabilidade de o carro de manter na reta é maior na segunda condição. Assim, não tente sair da aquaplanagem esterçando
Não subestime os pneus
O único sistema que evita o risco de aquaplanagem é a prevenção. A saúde dos pneus é fundamental, e não somente a profundidade dos sulcos, e a pressão correta, mas também na idade dos pneus.
A validade do pneu é de cinco anos. Ao lado da sigla DOT há uma sequência de letras e números, onde os quatro últimos números indicam semana e ano de fabricação do pneu. Se o número for 3518, o pneu foi fabricado na 35ª semana de 2018, portanto irá vencer em 2023.
Sob chuva forte, é aconselhável não somente reduzir a velocidade, mas se possível trafegue pelo centro da via. A curvatura dos pavimentos e a má drenagem que é peculiar em nossas vias levam ao acumulo e formação de poças junto ao canteiro central em autoestrada, ou próximo dos acostamentos. Ainda se possível, siga a trilha do carro que vai à frente, a uma distância segura, isso irá reduzir consideravelmente os riscos.
Tenha sempre em mente que acima de 120 km/h a aquaplanagem é virtualmente garantida ao encontrar um filme de água de apenas 5 milímetros (meio centímetro) de profundidade, o que não é nada difícil nas nossas estradas.
GB