Carros icônicos como o VW Fusca cabriolé e o Karmann-Ghia de primeira geração surgiram da cooperação entre a Karmann e a Volkswagen e serão descritos nesta matéria¹.
Surge o VW Fusca cabriolé da Karmann
A empresa Karmann (Karnann Karosserie) foi uma das mais renomadas empresas de carrocerias da Alemanha. Os primórdios da empresa remontam ao ano de 1874, quando o foco principal era a fabricação de carruagens puxadas por cavalos. Um exemplar particularmente bem elaborado daquela época completa a coleção de veículos Karmann, que hoje pertence ao acervo Volkswagen Classics.
Em 1902, a Karmann produziu a sua primeira carroceria para um automóvel, foi para a Dürkopp, de Bielefeld, Alemanha. No entanto, ainda era uma carruagem motorizada.
No Salão do Automóvel de Berlim, em 1905, Karmann apresentou quatro carrocerias diferentes para veículos automotores, o que causou alvoroço na capital alemã. Praticamente todos os fabricantes de chassis de alto padrão da época encomendavam carrocerias à Karmann, elas eram fabricadas sob medida. Apenas alguns nomes de muitos: AGA, Adler, Daimler, FN, Hanomag e Pluto.
O famoso professor da Universidade de Arte Bauhaus, Walter Gropius, desenhou carrocerias para a Karmann no início dos anos 1930. O professor entrou na história do carro com o design da carroceria para o Adler Standard de quatro litros.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a fábrica da Karmann foi seriamente danificada pelos bombardeios. E antes que se pudesse pensar na produção de carros após a reconstrução, objetos práticos do cotidiano foram produzidos nos seus galpões: banheiras de lata, cadeiras dobráveis, carrinhos de mão e calçadeiras.
Em 1946, antes da reforma monetária, quando os carros na Alemanha só eram disponíveis em troca de cupons de racionamento e isto para certos grupos profissionais, Wilhelm Karmann, o então presidente, conseguiu obter um desses cobiçados cupons de racionamento especiais. Wilhelm Karmann acabou recebendo logo o 10.000º Besouro do pós-guerra em troca; pelo menos assim conta a lenda da empresa.
O primeiro VW Karmann cabriolé foi criado a partir daquele Fusca trocado por um cupom. Foi desenvolvido um Fusca com o teto cortado e uma capota com seus arcos de sustentação montados para fora do que seria o perfil do teto (para fora da lona), como no Mercedes-Benz 540 K, por exemplo. A cobertura de lona foi puxada para fora e para baixo nos lados, de modo que as janelas laterais foram omitidas. A versão com os arcos do lado de fora do que seria o teto não progrediu, e outro protótipo foi desenvolvido, no qual os arcos foram instalados para dentro da lona, portanto, não eram mais visíveis.
A propósito, os primeiros veículos desta versão tinham um vidro traseiro bipartido. Assim, a janela traseira tipo “split window” também seria usada no cabriolé.
A perda do teto fechado de chapa exigiu reforços adicionais no chassi e nas laterais, o que tornou o cabriolé cerca de 40 quilogramas mais pesado que o sedã. Em 1949, Nordhoff encomendou uma pré-série de 25 veículos (denominação interna Tipo 15), que foram submetidos a duros testes em Wolfsburg e passaram com louvor. Wolfsburg então encomendou 1.000 unidades de uma só vez.
Em 1952, os funcionários da Karmann comemoraram o 10.000º cabriolé produzido. Em seus melhores dias, 100 unidades do Fusca cabriolé foram produzidas todos os dias; no período de 1949 a 1980, um total de 332.000 unidades foram produzidas. Isto torna o Fusca cabriolé o conversível mais produzido do mundo. O último Fusca cabriolé saiu da linha de produção em 10 de janeiro de 1980. Tem o chassi número 192 044140 e foi integrado à coleção de veículos Karmann em Osnabrück, que como eu disse hoje pertence à VW Classics.
Ao contrário do que ocorria com o cabriolé da Hebmüller (que tinha só dois lugares), o porta-malas traseiro do cabriolé da Karmann não se perdia quando a capota estava aberta, pois ela repousava sobre a carroceria na parte de trás do carro. E como nos primeiros tempos o cabriolé da Karmann competia com o cabriolé da Hebmüller (até que esta acabou saindo do mercado por um incêndio que arrasou as suas instalações), a publicidade da Karmann gostava de falar que o seu cabriolé era de quatro janelas, especialmente porque seu cabriolé era de quatro lugares e tinha janelas nas laterais traseiras.
Como era de se esperar, o cabriolé era mais caro que o sedã correspondente, isto se devia ao seu pequeno número de unidades fabricadas e à uma produção mais complexa.
Nos primeiros anos, o cabriolé era fornecido em duas cores (saia e blusa), ou seja, preto e branco, verde/verde reseda e marrom/bege.
A estreita interação com a fábrica da Volkswagen sempre garantiu que o cabriolé Karmann não só tivesse os mesmos critérios de qualidade do sedã, mas também fosse recebendo todas as suas melhorias técnicas.
Surpresa: o Karmann Ghia é apresentado
Quando o presidente da Volkswagen, Heinrich Nordhoff, visitou Paris em outubro de 1953 para o Salão do Automóvel, ele foi confrontado com um projeto até então secreto. A surpresa veio de Wilhelm Karmann e Luigi Segre, chefe e designer da empresa Ghia.
Seguindo uma ideia destes dois chefes, as duas empresas desenvolveram em conjunto um cupê esportivo baseado no Fusca. O protótipo Ghia foi então levado a Paris para testar as primeiras reações do público no salão do automóvel. Mas por insistência da fábrica Volkswagen, a primeira aparição pública deste veículo não aconteceu naquela oportunidade.
Seguem algumas fotos mostrando estágios de estudo de protótipo do Karmann Ghia:
Já em 16 de novembro do mesmo ano, uma delegação da fábrica da VW liderada por Nordhoff visitou o protótipo Ghia em Osnabrück. Gustav Hausmann, editor do registro histórico da empresa Karmann, escreveu mais tarde sobre este encontro no “Karmann Post” (boletim interno da empresa): “Os senhores também ficaram impressionados com a elegância e a beleza do protótipo, e, com a conhecida determinação do Sr. Nordhoff, a fabricação do carro foi um negócio fechado naquele mesmo dia”. O protótipo foi batizado de “Karrnann-Ghia”, e o acordo financeiro para o uso do nome Ghia foi assumido pela fábrica da Volkswagen.
Além do cupê de 2+2 lugares (com um banco traseiro acanhado), Luigi Segre também desenvolveu um genuíno cupê de quatro lugares, mas este estudo não foi utilizado. Isto também se aplica às aberturas de ar inicialmente localizadas no alto da tampa do motor que ficaram só no protótipo.
Por falar no protótipo de 1953 com entradas de ar na tampa do motor, ele ainda existe e é plenamente funcional chegando a participar de eventos, como mostram as fotos abaixo tiradas durante a Festa de 10 anos do Clube dos Amigos do Karmann Ghia da Bavária realizada em julho de 2018 na cidade de Würzburg.
Em 14 de julho de 1955, a empresa de carrocerias de Osnabrück , a Karmann Karosserie, apresentou o cupê ao público pela primeira vez. A produção começou em agosto do mesmo ano.
O modelo, batizado de Tipo 14 pela fábrica, foi anunciado da seguinte forma: “Este cupê é amigável para todas as estradas. Por que é o famoso chassi Volkswagen com seu motor comprovado mundialmente que foi colocado nas mãos de mestres em design de carrocerias.
Por que esse carro tem três nomes diferentes?
Ghia porque foi desenhado pelos famosos construtores de carroçarias Ghia de Turim. Este carro deve sua beleza a eles.
Karmann, porque o conhecido construtor de carrocerias Karmann de Osnabrück o constrói. Lá ainda se tem a habilidade e o tempo para o trabalho manual completo que uma carroceria Ghia requer. Karmann é responsável pelo processamento qualitativo deste carro.
Volkswagen, porque este carro não só tem o motor Volkswagen testado e comprovado instalado, mas todo o chassi da fábrica da Volkswagen de Wolfsburg. Este carro deve a sua perfeição técnica a eles.
O resultado dessa combinação de sorte?
O Volkswagen Karmann Ghia. Parece um carro de luxo. Mas custa muito menos. Ele anda como um carro esportivo. Mas é muito mais confortável. É confiável como qualquer Volkswagen. No entanto, é muito mais bonito”.
Para fabricar o cupê na forma projetada por Ghia, o chassi do Fusca teve que ser um pouco alargado, especialmente na frente. As peças do chassi foram prensadas pela Karmann, assim como as peças da carroceria. No entanto, a Volkswagen soldava a plataforma, enquanto a Karmann fabricava o veículo. Tecnicamente, tudo permaneceu igual como no Besouro. Somente o eixo dianteiro do Ghia foi acrescentado de uma barra estabilizadora.
Inicialmente, a unidade de acionamento era o motor 1,2 litro/30 cv, que era equipado com um filtro de ar suspenso lateralmente devido à tampa do motor plana e baixa, o tubo curvo de admissão de ar vinha do motor da Kombi.
Embora o Karmann Ghia tenha sido projetado apenas como um 2+2 lugares e tivesse a mesma distância entre eixos do Fusca (240 cm), era 7 centímetros mais longo (4,14 metros) e era cerca de 80 kg mais pesado (peso em ordem de marcha 810 kg) que o sedã. Devido à baixa altura total e à área frontal favorável do veículo, o elegante cupê com 30 cv atingiu uma velocidade máxima de 115 km/h; o consumo médio foi dado como 7,5 litros por 100 quilômetros (13,3 km/l).
Durante o período de produção de 19 anos, o Karmann Ghia também recebeu os motores mais potentes usados no Fusca e, claro, as melhorias técnicas. O ano de 1957 é uma data crucial na história do Karmann Ghia, pois foi quando o tão esperado Karmann Ghia cabriolé foi apresentado no Salão de Frankfurt.
A mudança mais importante da carroceria foi feita em 1959, quando o Ghia mudou os contornos dos para-lamas dianteiros.
Ao mesmo tempo, a altura dos faróis foi ajustada para cima e as aberturas de entrada de ar fresco, bem como os arcos das rodas, foram ampliados. Em 1971, os para-choques largos do Fusca foram introduzidos no Karmann Ghia, assim como as lanternas traseiras ficaram maiores.
Em 1974, a produção do “Porsche de dona de casa” (apelido que o Karmann Ghia tinha na Alemanha) foi finalmente interrompida para dar lugar à produção do novo VW Sirocco liberando as linhas de montagem usadas pelo Karmann Ghia.
O Karmann Ghia foi produzido por quase 20 anos. Durante este tempo, foram produzidas 362.585 unidades do cupêe 80.881 unidades do cabriolé.
A Karmann Ghia do Brasil
A subsidiária brasileira da Karmann também Participou do registro de produção deste veículo único. Devido às atividades da fábrica da Volkswagen (no caso a VW do Brasil), cada vez mais empresas alemãs se estabeleceram no Brasil nos anos sessenta, incluindo a Karmann.
Em 24 de abril de 1962, os três primeiros Karmann Ghia cupê, fabricados no Brasil, saíram da linha de produção da filial da Karmann em São Bernardo do Campo, muito próxima da fábrica da Volkswagen.
Cinco anos depois, em 1967, os funcionários comemoraram o 10.000º Karmann-Ghia, fabricado no Brasil. Em um curto período, os funcionários haviam transformado uma fábrica de móveis primitiva em uma moderna fábrica de carrocerias de automóveis com uma grande oficina de ferramentaria e uma oficina de prensas para peças de carroceria.
No período de 1962 a 1975, 23.402 Karmann Ghia cupê e 176 Karmann Ghia cabriolé foram fabricados no Brasil. Depois disto a empresa produziu principalmente acessórios e ferramentas para carros, assim como carrocerias especiais para veículos sobre chassis VW Kombi, isto até 2002 quando esta filial encerrou suas atividades.
Pondo a criatividade para fora
A Karmann tentou repetidamente fazer melhores negócios com a Volkswagen através de vários desenvolvimentos internos com base no chassi do Fusca. Nisto se inclui, por exemplo, o “Fusca de Praia” chamado Jolly, de 1960. Era um Fusca sem teto, com uma cobertura de pano e sem portas para países com muito sol.
Um novo estudo de estilo seguiu em 1965. O Cheetah era um verdadeiro biposto sem compromissos, com o para-brisa e as molduras das portas fixas formando uma barra de proteção (“santantônio”) em caso de capotagem. Uma cobertura de tecido enrolado protegia contra as inclemências do tempo.
Em 1965, Karmann também tentou uma espécie de carro de caça (jipe aberto). As características mais importantes do protótipo Gipsy (cigano) eram o para-brisa rebatível e a carroceria de compósito de fibra de vidro.
Finalmente, o Karrnann GF foi realizado. Um bugue desenvolvido em 1969 pela revista de automóveis alemã Gute Fahrt e produzido e vendido pela Karmann. Era um kit que, além da carroceria de compósito de fibra de vidro, continha todas as peças importantes para a montagem — exceto o chassi com eixos e motor. Este bugue foi construído para um chassi de Fusca encurtado. Cerca de 1.500 unidades do kit foram vendidas. A Karmann até obteve permissão da Volkswagen para usar chassis, motores e eixos novos para construir o bugue Karmann GF.
Naquela época, Baudouin, rei da Bélgica, comprou um dos poucos bugues Karmann GF novinhos em folha, montado pela própria Karmann.
Esta história, infelizmente, não teve um final feliz para a Karmann. Foi um sério ponto de inflexão para a cidade de Osnabrück quando a tradicional empresa Karmann teve que declarar falência em 8 de abril de 2009 após um longo período de seca e várias ondas de demissões. Sua filial no Brasil, como eu disse, declarou falência em 2002, envolvida em uma infinidade de processos trabalhistas.
Anos após a falência da Karmann, a “fábrica de conversíveis de Osnabrück” há muito deixou a crise para trás. Após a aquisição pela Volkswagen, mais de 2.300 funcionários trabalham agora no desenvolvimento e produção de veículos abertos, como conversíveis e roadsters, bem como em veículos de pequenas séries, conforme divulgou a Volkswagen.
Com a aquisição da massa falida da Karmann a Volkswagen recebeu um inestimável tesouro que é a coleção de carros que a Karmann cuidadosamente mantinha, um incrível acervo que agora faz parte da megacoleção Volkswagen Classics.
Na foto de abertura aparece o topo da torre que fica na entrada da fábrica da Karmann em Osnabrück como pode ser visto na foto abaixo:
Atualmente este cenário mudou:
As fotos desta matéria, a não ser se indicado de outra forma, são do livro Der Käfer II – Eine Dokumentation, de Hans-Rüdiger Etzold; que também foi a principal fonte de pesquisa deste trabalho.
(1) Os modelos mais recentes produzidos pela Karmann como o Karmann Ghia Tipo 34 e o VW-Porsche não fazem parte da história contada hoje, serão tratados em uma outra oportunidade.
AG
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