Fiz a foto de abertura por volta de agosto de 1953. Significa que eu tinha 10 anos, 11 só em novembro (14). A câmera era um simplória Kapsa Box, reflex, rolo de filme 120 (veja-a no Google pelo nome que mencionei). Pelas sombras o sol estava a pino, perto de meio-dia. Esse Fusca 1953 de janela oval chegou à garagem da família pouco antes, acho que no mês anterior.
Meu pai o comprou de tanto ler sobre o Volkswagen e sua fábrica no centro da Alemanha, em Wolfsburg, mas que pela divisão entre os aliados vencedores da guerra, ficava a 40 quilômetros da fronteira da “outra” Alemanha, a Oriental, comunista. que tinha o irônico nome República Democrática Alemã…
Papai tinha especial admiração pelo então diretor-superintendente da Volkswagenwerk, Heinrich “Heinz” Nordhoff. “Sujeito formidável”, dizia. Graças à eficiência do gerente de imprensa da fábrica, Frank Novotny,, não faltavam notícias sobre o então estranho carro de motor traseiro arrefecido ar. Meu se encantou por toda a ideia do “carro do povo”, se interessou pelo Volkswagen e comprou um,
Sedento de aprender tudo sobre o novo membro da família, assim como meu irmão, devorávamos tudo que saía na imprensa sobre o VW, especialmente a revista Mecánica Popular, edição habitual em espanhol para países hispanófonos. Curiosamente, o jornalista editor de indústria automobilística da Mecánica Popular (e da Popular Mechanics, naturalmente) era o canadense Arthur Railton, autor do livro “The Beetle”, de que muito já falei aqui, obra valiosa para quem quer entender o fenômeno Volkswagen. Quando ele escreveu o livro já era chefe de relações públicas da Volkswagen of America, onde se aposentou.
Papai havia trazido para casa material promocional dado a ele na concessionária onde comprou o Fusca que era magnífico, impresso na Alemanha, só que em português luso. Eu e meu irmão devorávamos aquela literatura escrita num português esquisito para nós como “Gênica nas ultrapassagens, 70 km/h em terceira velocidade” ou “Um ás nas subidas, 33% em primeira”. Também “Para viagens nocturnas o VW dispõe de excelentes faróis”.
Foi nessa catálogo que aprendi o conceito de velocidade máxima e permanente. Era de 100 km/h (motor 1100 de 25 cv!) que podia ser mantida a viagem inteira, o dia inteiro. Os concorrentes da época, notadamente ingleses, não podiam realizar esta “proeza”.
Papai descobriu uma técnica para consumir menos combustível na estrada. Pé no fundo (no pedal do acelerador que não era a costumeira pequena prancha, mas uma roda) e quando atingia 100 km/h e estabilizava, ele ia aliviando o acelerador aos poucos enquanto observava o velocímetro. Ele notou que depois de aliviar bastante o acelerador a velocidade não caía. Certo ele, pois se com o acelerador todo aberto a velocidade não aumentava mais, o motor estava produzindo potência adicional desnecessariamente.
Aprendi o que era óleo do motor superaquecido lendo o manual (leitura obrigatória e constante). Dizia o manual na parte de luzes de aviso: “Se após percorrer um longo trecho em alta velocidade e com o motor em marcha-lenta a luz verde de pressão de óleo ficar piscando, isso é perfeitamente normal.” De fato, é em alta velocidade, e não num esforço como subir uma serra, que o óleo do motor mais aquece.
Outro “aprendizado” foi que “o motor do seu VW é arrefecido por ar movimentado por uma ventoinha acionada pelo motor. Por isso, não force o motor em baixa rotação, ele precisa de ar para se arrefecer.”
Outro pormenor no Fusca que me encantou foi não haver medidor de quantidade de combustível no tanque. Em vez disso havia uma torneira de três vias sob o tanque de combustível comandada por uma pequena alavanca localizada na divisória entre cabine e toda a seção frontal que era operada com pé. Solução simples: a posição Aberta da torneira correspondia ao tubo de saída que só descarregava 35 litros dos 40 litros. Já a posição Reserva descarregava o resto (5 litros), o que possibilitava rodar aproximadamente 50 quilômetros, o suficiente para achar um posto. A terceira posição era Fechado, útil para o caso de estacionar em subida, frente para cima, evitando eventual extravasão de combustível para a bomba e carburador.
O lado positivo da torneira? Nada de “ansiedade de alcance”, não havia medidor para olhar!
“Aprendendo Fusca” não para aqui. Há muito o que falar.
BS