Há muito tempo, anos, considero invencionice falar em “ponto cego” nos espelhos retrovisores dos automóveis. Isso por que não há ponto cego se os espelhos externos (obrigatórios hoje) proporcionarem campo de visão que abranja as duas faixas adjacentes — até um pouco além — à em que o veículo se encontre trafegando (foto acima).
A importância da retrovisão é indiscutível. Certa vez aluguei um Fiat 600 em Buenos Aires que não tinha espelhos externos. Dirigi-lo foi cansativo em razão do cuidado de verificar permanentemente o tráfego adjacente pelo espelho interno ou virando a cabeça quando necessário. Quando os carros passaram a ter espelho no lado do motorista ajudou bastante, mas para ver o que se passava no outro lado só usando o truque de orientar o espelho interno um pouco para o “lado oculto” de forma a artificialmente se ter o campo de visão necessário. Resolvia mas não era o ideal. A solução óbvia foi o espelho externo no outro lado, mas havia a questão do campo visual, em que era necessário “caçar” o que deveria ou se precisava ver movendo a cabeça em relação ao espelho, especialmente o mais distante.
Essa “caça” acabou quando os espelhos passaram de planos a convexos, aumentando o campo de visão. Bastava uma rápida consulta aos espelhos para saber o que se passava nas faixas de rolamento adjacentes ou, como eu disse, até um pouco além delas. Todavia, como o ganha-ganha é utopia, o que se ganha em campo de visão perde-se em noção de profundidade. Por isso o “efeito-lente” do espelho convexo deve ser judiciosamente escolhido, e a indústria encontrou o ponto de convexidade que atende aos dois objetivos, encontrados nos carros europeus (e nos aqui produzidos), mas mesmo assim as normas de segurança americanas (FMVSS) se atêm ao passado ao exigirem que o espelho do lado do motorista seja plano.
Recentemente vimos isso na picape Ford Maverick, produzida no México para atender aos mercados do continente americano, em que para atenuar a falta de campo de visão do espelho plano foi-lhe aplicado um inserto de espelho convexo, sistema já visto em outros Fords.
O Dutch Reach
Curiosamente, eu soube esta semana de um procedimento adotado há 50 anos nos Países Baixos buscando evitar que ciclistas levem um “portada” (atingirem uma porta que se abra inadvertidamente). Esse procedimento, chamado Dutch Reach (alcance holandês) consiste em acionar a maçaneta para abrir a porta com a mão direita (caso de tráfego à direita, como lá e aqui), levando o motorista a olhar automaticamente para trás. Trata-se claramente um atavismo em vista do campo visual proporcionado pelo espelho convexo, inexistente então, ser mais que suficiente para notar uma bicicleta se aproximando. Mas mesma notícia em que eu li a respeito há a informação de que o Reino Unido adotou em 29 de janeiro último a mesma sistemática. dos Países Baixos E caso o ciclista se machuque com a “portada” (Dooring) a multa pode chegar a 1.000 libras esterlinas, R$ 6.700 na conversão direta. Essa seria mesmo perfeita para o arfante Jack Palance soltar no seu “Acredite….se quiser”.
O monitor de ponto cego
Hoje muitos carros trazem monitor de ponto cego, um ponto de luz que acende nos espelhos externos quando câmeras detectam um veículo se aproximando, mas que está no campo visual dos espelhos. Na verdade, em razão do que pode ser observado nos atuais espelhos externos, ou seja, tudo, o nome do equipamento é impróprio, uma vez que não há ponto cego na acepção do termo, devendo por isso ter o nome mudado para ‘aviso de aproximação de tráfego pela lateral’. Em vez blind spot monitor seria mais apropriado chamá-lo de approachng side traffic warning.
A Honda tem um equipamento chamado Lane Watch, no material de imprensa do novo City erroneamente traduzido como ‘assistente para redução de ponto cego’, pois trata-se apenas de visão da faixa adjacente à direita da onde o veículo está mediante câmera instalada na carcaça do espelho direito, com imagem exibida na tela do multimídia. É útil para estacionar ao longo do meio-fio, mas não mostra veículos se aproximando.
Cabe lembrar, entretanto, que existe ponto cego nos caminhões devido à altura da cabine em relação ao solo e por isso nem sempre veículos bem próximos são avistados, não são cobertos pelo campo de visão dos espelhos. Por isso é necessário extremos cuidado ao ultrapassá-los numa manobra repentina tipo sair de trás e ultrapassar em seguida.
De fundamental importância também o ajuste correto dos espelhos, tanto vertical quanto lateral. Este deve ser de tal forma que se veja uma “lasca” do próprio veículo para permitir referência de posicionamento em relação às faixas adjacentes e, principalmente, aos demais veículos no trânsito. Mesmo com ajuste sem a “lasca”, não há ponto cego (foto de abertura)
Lembrar também que a eficácia da retrovisão dos espelhos externos cai drasticamente, especialmente à noite, se o carro foi transformado num esconderijo volante com aplicação de películas escurecedoras nos vidros por onde os espelhos são consultados.
BS