Foram duas reviravoltas no mercado brasileiro de automóveis. Enquanto importador, fiel ao padrão americano. Quando passou a fabricar, aderiu aos europeus. E agora, sucumbe novamente ao padrão dos EUA.
Antes de se implantar nossa indústria automobilística, na década de 50, praticamente só se importavam marcas americanas. Só dava Chevrolet, Ford e Dodge. Contavam-se nos dedos os europeus (Foto de abertura). Aliás, nessa foto há um Tucker. Alguém descobre onde ele está?
Quando surgiram as primeiras fábricas de verdade (Ford e GM eram simples montadoras de peças), os modelos bem-sucedidos eram derivados dos europeus. Nosso mercado sempre foi muito mais atrelado ao Fusca, Corcel, Monza e Palio do que ao Maverick, Dart ou Galaxie.
Há uma diferença fundamental entre modelos da Europa e dos EUA, que surgiu depois da Segunda Guerra Mundial. Os europeus desenvolveram modelos mais compactos, com mecânica mais sofisticada e eficiente que os americanos. Reflexo da própria economia de cada um: os automóveis produzidos nos EUA, enormes, gastadores, com exagero de dimensões e cromados, refletiam o poder da economia americana. Dólares em profusão, gasolina mais barata que água mineral.
Enquanto isso, os europeus se restabeleciam das ruinas da guerra, com fábricas e economias destruídas. Tudo era escasso, principalmente na Alemanha. A BMW chegou a produzir um carro semelhante ao nosso Romi-Isetta, o BMW-Isetta, menor que o Fusca. Mas, com seu incrível poder de recuperação (e uma mãozinha do Plano Marshall…), a Europa foi se restabelecendo, aperfeiçoando e modernizando seus automóveis. Sem fugir da filosofia básica de capricho na mecânica, tecnologia e eficiência, contenção de peso e otimização da relação custo-beneficio.
Nada de gigantescos motores V-8 de 5 e 7 litros equipando “barcas” de cinco a seis metros de comprimento pesando mais de duas toneladas
Os carros europeus eram equipados com eficientes máquinas de baixa cilindrada, como os da Opel, VW, BMW, Alfa Romeo, Rover, Fiat. E desenvolviam quase a mesma potência de Fords e Chevrolets, apesar de consumirem a metade. Os cavalos que faltavam aos europeus eram compensados por centenas de quilogramas a menos, caixas manuais com duas marchas mais que as automáticas de três dos americanos.
A economia brasileira era muito mais um retrato da europeia, o que se evidenciava pelo panorama de nossas ruas nas décadas de 60 a 80: quase só modelos da VW, Fiat, Alfa Romeo, Simca e Opel (braço europeu da GM). Da Ford que fabricava europeus (Corcel, Del Rey, Escort) e americanos (Willys, Maverick e Galaxie). A Dodge com uma linha dos EUA (Dart) e outra inglesa (1800/Polara). E, com a crise do petróleo da década de 70, sumiram os grandes americanos como Dart e Galaxie.
O único modelo americano que fazia sucesso por aqui e quase desconhecido na Europa era a picape média. E durante anos só se produziu Chevrolet (3100/C14) e Ford (F-100), até que a Fiat teve a brilhante ideia de lançar em 1978 uma picape derivada de um compacto, a 147 Pick-up (embora tenha havido uma precursora, mas no Japão, a Datsun 220, em 1955). A ousadia da Fiat foi logo copiada pela GM, Ford e VW.
Nos EUA, a conversa é outra e o motorista é apaixonado pelas picapes médias e grandes. Ford Ranger lá é “pequena”. Aliás, no típico exagero americano, Honda Civic é classificado como “compacto”. Renault e Fiat quebraram a cara ao tentar vender seus modelitos por lá. Citroën e Peugeot nem tentaram.
A paixão pela picape levou a uma variação sobre o tema, o utilitário de lazer, esporte. O europeu ainda resiste a ambos, mas o brasileiro se encantou a aderiu a este inexplicável modismo. Não existe carro mais prático para a família que a perua, ou station wagon, em inglês. Que caiu em total desuso por aqui, eliminada do mapa — assim como os hatches médios – pelos suves.
No Brasil, o avô tinha um Chevrolet 1951, o filho, um Opala Caravan. O neto adora o Blazer…
Não pergunte a um brasileiro o que o levou a trocar a perua Toyota Fielder ou Fiat Weekend pagando muito mais por um Corolla Cross ou Pulse: decisões emocionais são inexplicáveis.
BF
P.S.: Eu me recuso a ceder e abrir mão do racional: meu carro de uso é um sedã alemão. E, entre os de coleção, pode conferir nos vídeos do YouTube: só dá europeu…
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor
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