João Augusto Conrado do Amaral Gurgel foi um visionário. E também um gênio, de certa forma, ao pensar em um modelo de automóvel compacto e que pudesse ser adquirido por muitas pessoas. Além disso ter eficiência energética gastando pouco combustível e rodando mais quilômetros dessa forma.
A trajetória da Gurgel Motores começou na década de 1960 com alguns modelos para recreação. Logo surgiram versões como o Ipanema, um divertido veículo que tinha um quê de bugue e muita versatilidade para o uso naquela época. Cores diferentes e um estilo próprio fizeram deste e outros modelos um grande sucesso no mercado.
Uma das razões desse êxito da empresa foi a parceria com o Volkswagen, da qual utilizava chassis, motores e transmissão. Esse casamento deu origem a vários modelos que se viam em grande quantidade pelas ruas nas décadas de 70 e 80. O X12 é um exemplo de sucesso, além do Carajás, que trazia a mecânica de 1,8 litro da marca alemã.
Mas Gurgel tinha ambições maiores, como foi dito no primeiro parágrafo deste texto. Seu sonho era criar um automóvel próprio, 100% nacional e que fosse mais barato que os concorrentes das marcas tradicionais. O BR-800 nasceu justamente para atender a essa proposta. Com 2,70 metros de comprimento e quatro lugares, no estilo 2 + 2, chegava para ser um modelo urbano e eficiente.
O motor de dois cilindros boxer e 792 cm³ de cilindrada, batizado de Enertron, entregava 32 cv a 4.500 rpm e 5,8 m·kgf a 2.750 rpm. Isso era mais do que suficiente para o deslocamento pelas ruas e avenidas, com ruído peculiar e sempre despertando a curiosidade das pessoas, mesmo naquela época. Uma diminuição governamental da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos com motor bicilindro de até 800 cm³ — 5% ante 20% para os de até 1.000 cm³ — impulsionou o projeto.
Mas hoje vamos falar de uma outra versão que deu origem ao carro da matéria. O Motomachine trazia portas removíveis e transparentes, algo inédito até os dias de hoje. A versão Patrol que mostramos aqui foi derivada dela e desenvolvida por encomenda da Polícia Militar de Minas Gerais para avaliação.
Guiar o modelo é uma experiência interessante, já que a relação entre peso e potência do veículo é bastante agradável. O motor de dois cilindros boxer tem força e emite um ruído bastante característico. Vale ressaltar que não é apenas um motor Volkswagen cortado ao meio, mas tem algumas soluções próprias, como o arrefecimento a líquido e a ignição digital, estática, sem distribuidor. Sua densidade de potência era 40,4 cv/L, 3,4% superior à de 34,06 cv/L do motor VW arrefecido a ar de 1.585 cm³ e dois carburadores.
O pequeno Gurgel se desloca com agilidade. Por conta da relação já citada ele tem disposição para enfrentar ladeiras e contornar curvas como um kart. Mesmo com uma proposta mais conservadora a ideia do carrinho, no bom sentido da palavra, era interessante. Podemos dizer até mesmo que ele surpreende se comparado aos próprios concorrentes da época, apesar da construção mais simples.
Além das características citadas trazia equipamento para uso policial como cassetete, cones de sinalização, lanterna e a prancheta, além da caracterização com sirene e giroflex. Provavelmente seu uso não seria como patrulhamento das ruas, mas a utilização em espaços públicos e parques, por exemplo.
Essa única unidade está em uma coleção e permanece em ótimo estado de conservação. Por ali ele recebe os cuidados necessários e está sempre ativo para um pequeno passeio. A Gurgel faliu na metade da década de 90 por conta de problemas trabalhistas e dívidas, mas seu legado permanece vivo.
GDB