Meu ex-sócio na concessionária VW no Rio de Janeiro, Eduardo Ribeiro, faleceu anteontem (8) aos 82 anos, consequência de uma cirurgia problemática para reconstituir a fratura de um fêmur. A causa da grave lesão foi um sempre temível tombo em casa.
Ao receber a notícia, a tristeza de perder um amigo que conheci em 1959 nos encontros toda noite da “turma da gasolina” num posto Esso — o “postinho” — na av. Vieira Souto, na orla da Praia de Ipanema, na “fronteira” com o Leblon. Ele aparecia lá com seu Volvo PV444 1957 e eu, mais meu irmão (eu ainda não tinha CNH) no DKW-Vemag sedã 1959 lá de casa. A amizade foi praticamente imediata dado os nossos interesses comuns: automóvel e corridas.
Como é normal acontecer quando se perde alguém querido, passou na minha cabeça um longa-metragem do nosso convívio de quase vinte anos. A última vez que o vi foi em 1978, embora mantivéssemos algum contato a partir de 2015 pela internet. Ele morava no Rio.
Foi dessa amizade — e que amizade! — que veio o convite para me associar a ele e o irmão Maurício numa oficina autorizada Vemag que haviam acabado de comprar do piloto Norman Casari e seu sócio Mauro de S[a Mota Filho. O convite veio acompanhado da oferta de 12,5% das cotas de capital da firma. Em maio de 1967, com 25 anos, eu tinha parte de um negócio. O acordo — tácito — era eu cuidar da assistência técnica., reforçado pelo fato de eu conhecer bem o produto e também estar trabalhando na Vemag, a fabricante do DKW.
O citado convívio era amplo. Profissional, social e esportivo de automobilismo. Tivemos anos de grandes experiências, uma delas ir com frequência nos fins de semana ao Aeroclube do Brasil, em Jacarepaguá, e passar algumas boas horas voando (éramos brevetados). Depois veio a fase do Cessna 172 Skyhawk do nosso instrutor de voo, em sociedade com um amigo, que ele nos emprestava. Só precisávamos reabastecê-lo após pousar. Tínhamos até a chave do Cessna.
No lado social, saírem os dois casais para passar horas no boate Privé, de um amigo comum, ou para jantar. Até passar o fim de semana em Búzios na casa que ele havia comprado. O lado profissional é fácil imaginar, o dia a dia numa concessionária que em abril de 1968 passou a ser Volkswagen. E, claro, dividir a pilotagem do DKW-Vemag nas provas longas.
O bovino
Eram frequentes as viagens à Volkswagen na Via Anchieta tratar de assuntos na fábrica. Como os dois sócios eram automobilistas na sua essência, raramente íamos de avião. Á época estimulava viajar de carro. Pouco tráfego (comparado com hoje) e radar ou câmera de velocidade, nem em sonho. No máximo, um policial rodoviário federal com um par de binóculos, mas contávamos com um tipo de “Waze” bem prático: ao avistar um ônibus da Viação Cometa em sentido contrário, uma breve piscada de faróis gerava uma informação manual do motorista do tipo ‘livre’ ou ‘atenção’. O código só podia ser usado com luz diurna, obviamente, mas à noite os binóculos eram inservíveis…
Saímos o Eduardo e eu da Cota (nome da concessionária) por volta de seis da tarde, rumo a São Paulo no Karmann Ghia 1970 do Eduardo (foto de abertura, ilustrativa), motor 1.755-cm³ (cilindros de Ø 90 mm), comando de válvulas P2, dois carburadores Brosol-Solex 40, taxa de compressão 8:1, distribuidor só centrífugo Bosch VJ4 BR25. Andava bem. E tinha barra antirrolagem Puma de Ø 16 mm (a original era de Ø 12 mm) e, claro quatro Pirellis CF67 155SR15. Devia ter uns 90~95 cv. Naquele tempo cinco horas de porta a porta era passeio. Previsão de chegada ao hotel em São Paulo, 22h30.
Noite clara, estrada bem iluminada pelos Bi-Iodo Cibié, reta de Lorena cruzando a 140 km/h indicados, o Eduardo dirigindo. De repente vimos o asfalto mudar de cor, de preto para vermelho. O Eduardo freou mas já estávamos muito perto dos restos de um bovino. O vermelho era sangue espalhado pelo tráfego contrário (ainda era pista única, de mão dupla). O Karmann Ghia bateu no animal sem vida, decolou inclinado com jeito de que ia capotar, mas acabou aterrissando bem, sem mudança de rumo, e continuou a rolar no embalo. A baixa altura do Karmann Ghia esteve a nosso favor.
Paramos no acostamento para ver os danos. Frente bem amassada (faróis intactos!), mas ao olhar a roda dianteira esquerda ela estava recuada, quase encostando na caixa de roda, e a convergência havia virado grande divergência.. A barra compensadora em forma de “Z” da suspensão traseira havia sido arrancada.
O que fazer, ali no escuro? O motor traseiro não foi afetado, os faróis funcionavam, o capô abria, significando que poderíamos reabastecer. Eu disse para o Eduardo para seguirmos em frente devagar e contar com uma oficina de beira de estrada aberta. Achamos uma não muito longe dali. Pedi ao mecânico para ajustar a convergência “no olho” e deu certo. Só que o KG ficou com o entre-eixos esquerdo bem menor que o direito —, que eu sabia não constituir problema, os Renault 4 e 5 eram assim. E continuamos a viagem sem precisarmos nos arrastar na estrada, apenas ficando nos 100 km/h.
Mais adiante, no posto da PRF em Aparecida, paramos para avisar o ocorrido no sentido de sinalizar o local e remover os restos do bovino. Um policial veio olhar o carro, não objetou .continuarmos e me lembro como se fosse hoje o Eduardo contar ao agente que “arrancou a barra Z”. a barra compensador da suspensão traseira Tive certeza, pelo olhar, de que ele ouviu mas não entendeu o que era a tal barra Z.
Chegamos ao hotel, fomos à VW no dia seguinte e, terminada a missão, a volta ao Rio com o KG “Renault 5”. A viagem transcorreu sem nenhum problema
No dia seguinte, na Cota, pedi ao chefe de peças Antônio dos Santos para mandar vir da fábrica um chassi e um corpo de eixo dianteiro. A seção frontal da carroceria achamos em outra concessionária na mesma rua Assunção da Cota, a Star.
Requiascat in pace, Eduardo.
BS
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