Um capô que abre em velocidade é uma das ocorrências mais desconcertantes e perigosas. A foto de abertura mostra o que aconteceu comigo na 24 Horas de Interlagos em maio de 1970. Atendi ao convite de um amigo e piloto, Aurelino Machado, um dos donos da Escola de Pilotagem Santa Fúria, no Rio de Janeiro, na qual eu era instrutor técnico. A concessionária Chevrolet Mesbla lhe ofereceu-lhe um Opala para participar dessa 24 Horas e ele fez a gentileza de me convidar para dividir a pilotagem.
O carro veio para São Paulo e foi confiado à especialista em preparação de VW e Chevrolet Opala, e outras atividades, a Envemo, do engenheiro Ângelo Gonçalves, para receber preparação básica segundo a categoria Divisão 3, Turismo Especial Brasileiro. Era ano-modelo 1969 e o motor 3800 deu lugar a um 4100 um pouco modificado. Com a receita de preparação comercial que a Envemo vendia como Opala E.
Uma hora depois da largada éramos P9 ou P10 e comecei a sentir uma forte vibração do trem dianteiro que chegava ao capô, eu o via trepidar. Achei que poderia ir até o fim do meu turno de 1h50min, quando ao apontar para a curva 1, para a qual só se dava uma levantada de pé do acelerador, o capô abriu, um tremendo susto. Pus a cabeça para fora da janela (foto de abertura) e consegui fazer a curva em velocidade. Infelizmente, para chegar ao boxe foi preciso dar a volta inteira (7,96 km, circuito antigo) com o capô do jeito que estava, com a inevitável perda de tempo.
No box, o capô foi retirado, pois entortou na região das dobradiças, que ficaram imprestáveis. O mecânico-chefe Gilberto “Giba” Julião, que eu não conhecia e ficaríamos amigos até hoje, passados 52 anos, olhou a suspensão e nada aparentava estar errado — aparentava, depois de 5 voltas a trepidação aumentou muito e comecei a ter dificuldade de controlar o Opala. Boxe de novo.
O Giba levantou a dianteira, tirou as rodas para poder examinar melhor e descobriu a causa do problema: a travessa, ou subchassi, onde a suspensão é atrelada, havia rachado. Fim de corrida? Não para o Giba, um negro jovem, alto e sobretudo muito forte. Com autorização do Aurelino, ele foi até o seu Opala estacionado no paddock desmontou a travessa e a instalou no Opala de corrida. Foi um momento memorável.
O Opala voltou à pista com o Aurelino e terminamos a corrida, mas com o tempo parado para a troca da travessa ficamos obviamente para trás, recebendo a bandeira quadriculada em 22º lugar. Para mim o empenho do Giba foi um exemplo de determinação. Até hoje nos vemos, ele com 76 anos em plena atividade com uma oficina especializada em Volvo no bairro de Moema, em São Paulo.
Não, o Opala não tinha os dois pinos de segurança que teriam evitado o incidente que, fora o susto e o perigo, não teria prejudicado tanto a nossa corrida, pois havia o problema da travessa rachada, mas quatro anos depois vi a possibilidade remota de abertura de capô daquela forma ao conhecer o Passat com seus dois fechos de capô além da tradicional lingueta de segurança. Desde então passei a prestar atenção nesse ponto nos carros que têm essa solução, como os VW alemães, Audis e BMW. Mais dois anos (1976) vi, com satisfação, o sentido de abertura do capô do Fiat 147, para frente.
Blecaute
Outro imprevisto que vivenciei foi os faróis desligarem subitamente na estrada. Voltávamos de São Paulo eu, o grande amigo José Carlos Ramos, com as respectivas esposas, no Dodge Dart 4-portas 1970 dele, quando no trecho da Via Dutra após o retão de Resende e antes de Barra Mansa, numa curva de alta para a direita, os faróis desligaram. Estávamos rápido, a uns 130 km/h, o José Carlos dirigia, eu ao lado no banco inteiriço do Dart. A noite era bem escura, sem a ajuda da Lua e não havia outros carros próximos que pudessem iluminar a estrada, ao menos parcialmente,
Ele, num ato instintivo e com grande reflexo, foi com a mão esquerda direto ao interruptor de luzes e antes que ele perdesse o rumo e acontecesse o pior, os faróis ligaram! Foram segundos de terror. Seguimos viagem em ritmo mais calmo, por precaução, e o problema não se repetiu. Mas ficou uma lição para nós dois até hoje, ele com 82 anos e eu prestes a me tornar octogenário: ao dirigir à noite na estrada, ficar permanentemente “fotografando” a pista para nos localizarmos em caso de perda súbita de faróis. Questão pura e simples de “instalar o programa” no nosso “HD”.
Outra lição que ficou é nos familiarizarmos tão logo possível com carro que vamos dirigir e memorizar a localização dos comandos, especialmente o de luzes.
No dia seguinte o amigo mandou trocar o interruptor geral de luzes do Dart, único responsável possível pelo blecaute.
BS
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