Este causo percorreu um longo caminho até chegar a esta coluna. No fim das contas, quem trouxe este causo para mim foi Rubens Florentino Júnior que já participou desta coluna com o interessante causo “O ‘VW Fusca e como nós o pilotamos em competições“.
Ambos, o Rubens, do Brasil, e o Chris Demaras, do Canadá, pai do Daniel, têm blogs e trocam matérias entre si. O Rubens escreveu uma matéria para o blog do Chris falando da Fórmula V brasileira e o Chris enviou um causo escrito por seu filho Daniel contando sobre sua experiência no automobilismo de competição. E o Rubens me ofereceu este causo para ser publicado aqui na coluna “Falando de Fusca & Afins’, pois a Fórmula 1200 é uma relíquia canadense que vai completar sessenta anos correndo com componentes Volkswagen e seguindo praticamente o mesmo regulamento até os dias de hoje.
As regras rígidas desta fórmula são projetadas para promover o desenvolvimento dos pilotos. Um piloto de Fórmula 1200 econômico com habilidade mecânica média pode fazer manutenção de rotina e entrar na pista sem ter uma equipe e ser competitivo usando o mesmo carro ano após ano.
No segundo ano consecutivo, os pilotos de Fórmula 1200 competem no evento programado da Vintage Automobile Racing Association of Canada (VARAC), Associação de Automobilismo de Carros Clássicos do Canadá, competindo no grupo de fórmula clássica. Esses 6 finais de semana de corrida compõem o Campeonato Canadense de Fórmula 1200 e são somados para a classificação final do campeonato.
E a direção da Fórmula 1200 canadense comenta: “Os custos de corrida são baixos porque as mudanças nas regras são raras, os carros de corrida Fórmula 1200 são robustos, são usadas peças da Volkswagen baratas, o regulamento inclui pneus radiais Falken que duram uma temporada ou mais. Nossos carros melhoraram muito ao longo dos anos, mas nossa força é que o básico não mudou. Grandes modificações são demoradas, caras e geralmente reduzem a confiabilidade.”
Na foto de abertura está o carro nº 12 do Daniel, e o detalhe tanto no carro dele como no que vem atrás, são os pneus Falken, padronizados por regulamento para a Fórmula 1200 canadense. Outro detalhe é que ele corre com uma câmera GoPro fixada ao topo do arco de proteção (“santantônio”) de seu carro.
As idades dos competidores variam de adolescentes, que usam a Fórmula 1200 como trampolim, até veteranos na casa dos setenta anos. As corridas são tão acirradas que muitas vezes 3 ou 4 carros terminam dentro de um segundo um do outro, proporcionando uma experiência de aprendizado incomparável por dólar gasto para jovens pilotos e emoção para todos os competidores. A categoria F1200 é uma classe de desenvolvimento de pilotos e não uma classe de desenvolvimento de carros.
Isto posto, vamos ao causo do Daniel.
Do Canadá para o Brasil, Fórmula Vee, uma categoria monoposto para todos
Por Daniel Demaras
Meu nome é Daniel Demaras, enho 19 anos e sou um piloto de corridas que vive em Toronto, Canadá. Comecei a correr de kart quando tinha 11 anos de idade e posso dizer que a categoria me mostrou do que eu era capaz. Quando comecei no kart, eu era apenas um garoto que não conseguia completar uma única volta sem rodar e 7 anos depois, eu deixei a categoria como vencedor de inúmeros campeonatos.
Mesmo que eu tenha apreciado cada segundo que competi no kart, meu sonho sempre foi o de me tornar um piloto de monoposto, correndo nas pistas mais desafiadoras do mundo. Infelizmente a mudança do kart para carros de corrida pode ser extremamente cara e eu sou apenas um estudante universitário, de uma família de classe média.
Minha ideia sempre foi seguir adiante em minha carreira de piloto, mas é praticamente impossível encontrar uma categoria de base que não custe uma fortuna por temporada. Porém, minha perspectiva de carreira mudou quando descobri a Fórmula 1200 Canadense.
A categoria Fórmula 1200 (mais conhecida como Fórmula Vee no resto do mundo) me deu a oportunidade de realizar meu sonho de competir em um monoposto, porém gastando o mesmo que eu gastaria correndo de kart. Os custos de uma temporada na Fórmula 1200 são uma fração do orçamento de qualquer outra categoria de base no automobilismo e com a vantagem de proporcionar o mesmo nível de adrenalina.
Quando conquistei meu segundo campeonato no TRAK Karting, no outono de 2021, eu decidi que era tempo de dar o próximo passo em minha carreira.
A temporada de automobilismo de 2021, no autódromo de Toronto (Canadian Tire Motorsport Park) encerrou com o evento “Celebration of Motorsport” e fiquei impressionado assistindo de perto as acirradas disputas da Fórmula 1200. Naquele momento eu decidi que essa era a categoria em que eu queria competir em 2022.
A maior equipe no paddock da Fórmula 1200 Canadense é a Vallis Motor Sport, que tem em seu quadro quatro pilotos disputando a temporada. Em 2021 eu consegui uma entrevista com o dono da equipe, Bill Vallis, e foi marcado um dia de testes em um pequeno autódromo aqui nas redondezas, o Toronto Motorsport Park. Ao final daquele dia eu assinei um contrato para competir pela equipe por toda a temporada de 2022.
A Fórmula 1200 é extremamente competitiva e por essa razão é essencial ter um carro que possa extrair o máximo de performance dentro do regulamento. A Vallis Motor Sport é a fabricante exclusiva do chassi “Beunting Racing & Devolopment” BRD FV1200, que foi desenhado pelo engenheiro Brad Beunting, que trabalhou mais tarde para Multimatic and Dynamic Suspension, fornecendo componentes de suspensão para equipes de Fórmula 1 e WRC, sigla, em nglêss, de Campeonato Mundial de Rali. O chassi BRD foi projetado para ser simples e leve, porém resistente, favorecendo a aerodinâmica e a estabilidade. A Vallis Motor Sport já fabricou e vendeu dezenas de chassis BRD para o Canadá e Estados Unidos, além de fornecer apoio técnico para as equipes nas pistas.
No mais, os carros que competem na Fórmula 1200 canadense são similares por toda a América do Norte. As regras são bem rígidas, o motor VW arrefecido a ar, de 1.192cm³, é basicamente original, apenas um leve retrabalho nos cabeçotes é permitido, com taxa de compressão de 7:1. O coletor de admissão também pode ser polido, mas o comando de válvulas é original, com 9.017 mm de levantamento na admissão e 8,039 mm no escapamento. O volante do motor pode ser aliviado para 5.44 kg. O motor é alimentado por um único carburador Solex 28 que também pode receber um leve retrabalho interno. A potência medida em dinamômetro é de 58~60 cv e o limite de giro é entre 6.500 e 6.800 rpm.
A Vallis Motor Sport também já participou na Fórmula Vê Brasileira, competindo no lendário circuito de Interlagos, em 2018, quando fez parte de um intercâmbio de pilotos. Neste programa, alguns brasileiros tiveram a chance de participar do Challenge Cup Series, na América do Norte.
A oportunidade de competir por uma equipe desse porte significou que eu pude atuar no mais alto nível durante toda a temporada.
O campeonato de 2022 foi um aprendizado constante. Os carros da Fórmula 1200 não têm muita potência e isso significa que eles têm que ser tocados com sutileza e precisão para serem rápidos. No meu primeiro fim de semana na histórica pista do Canadian Tire Motorsport Park (antigo Mosport International Raceway) eu observei o que os pilotos mais experientes faziam e tentei ter uma ideia de quão rápido essa categoria pode ser. Alguns deles têm décadas de experiência e aquele era o meu primeiro fim de semana no meio deles.
Felizmente um dos veteranos, competindo na sua 37ª temporada, me deu algumas dicas e repassou comigo os vídeos da minha GoPro, para ver onde que eu podia melhorar.
Essa camaradagem no paddock da Fórmula 1200 é um dos aspectos que mais aprecio na categoria. No kart a competição é selvagem, todo mundo só pensa em vencer, a qualquer custo. Se um novato pedir ajuda a um piloto mais experiente sobre um novo circuito, é bem provável que ele vá receber informações falsas, só para prejudicá-lo durante a prova.
Na Fórmula 1200, o objetivo é que todos os pilotos tenham chance de competir em sua melhor performance. Os mais veteranos dão dicas importantes aos novatos para que estes possam também disputar as primeiras posições. Mas não se deixe enganar, apesar dessa atmosfera amigável, as batalhas por posições são intensas a cada volta.
Na minha primeira temporada na categoria eu consegui subir no pódio na última corrida, foi um segundo lugar na prova: 2022 Celebration of Motorsport de 2022. Esse resultado garantiu-me o terceiro lugar no campeonato e ainda levei prêmio “Rookie of the Year” de melhor novato de 2022. Posso dizer que foi uma grande conquista, afinal eu estava competindo com pilotos que têm anos de experiência.
Abaixo o vídeo (17:58) desta corrida, gravado pela câmara GoPro colocada no arco de proteção do carro de Daniel:
Automobilismo sempre será um esporte caro e normalmente jovens pilotos vindos de famílias ricas (não necessariamente talentosos) têm mais chances de avançar em suas carreiras. Definitivamente eu não pertenço ao grupo dos “2% mais ricos” da população e isso foi bastante desencorajador durante meus anos no kart. Durante esse tempo eu não imaginava que existia uma “categoria-escola” de monopostos que fosse acessível financeiramente, mas tenho esperança que essa situação mude para as próximas gerações de futuros pilotos.
A Fórmula 1200 é um segredo bem guardado no automobilismo canadense. A categoria me permitiu seguir em frente com meu sonho de me tornar um piloto de corrida e sou extremamente agradecido por isso.
Com o fim da temporada de 2022 espero ansioso pelo próximo ano que será o aniversário de 60 anos da Fórmula Vee no mundo. Se eu conseguir encontrar um patrocinador que cubra minhas despesas, eu viajarei para a Pensilvânia para competir no Pittsburgh International Race Complex, minha primeira prova internacional.
Pesquisando no site oficial da Fórmula 1200 do Canadá eu encontrei a foto abaixo, que registra Daniel recebendo como prêmio um quadro com a reprodução do traçado do autódromo Canadian Tire Motorsport Park:
Complementação dos dados técnicos
No causo do Daniel ele dá as características técnicas do motor de um Fórmula 1200, mas eu solicitei mais detalhes do restante do carro, que o Rubens obteve junto com o Chris. O Chris por sua vez entrou em contato com o Bill Vallis, proprietário da Vallis Motor Sport, equipe dona do carro nº 12 com que Daniel corre. Algumas características se referem às especificações dos torneios americanos (quanto a pneus slick, lisos, de competição), mas o resto é realmente interessante.
Vamos iniciar com uma foto de um Fórmula 1200 da equipe Vallis Motor Sport sem a carenagem, mostrando alguns de seus aspectos mecânicos:
* O corpo do eixo dianteiro (suspensão) é de peças normais de série do VW Fusca (1961-1965)
* Uma das duas barras de torção no corpo do eixo pode ser removida e uma barra antirrolagem pode ser instalada
* As buchas das articulações podem ser trocadas por outras usinadas fora de centro para dar câmber negativo às rodas
* Na dianteira usamos amortecedores VW de série quando com pneus radiais ou amortecedores pressurizados de mercado paralelo com pneus slick diagonais
* A suspensão traseira é projetada para não ter nenhuma resistência à rolagem de modo a acomodar o movimento de sobe e desce do semieixo. Um limitador de curso de distensão da suspensão para evitar que as rodas traseiras fiquem com câmber positivo ao passar sobre ondulações na pista, pode ser instalado. Um amortecedor traseiro pressurizado (Penske) com ajuste externo de compressão e distensão, com mola helicoidal concêntrica, é usado. O amortecedor e mola são montados sobre o transeixo e paralelos ao eixo traseiro.
* Os freios são a tambor originais e temos lonas especiais de maior atrito coladas nas sapatas originais. Na verdade, o regulamento já permite o uso de freio a disco, mas um acordo entre os participantes manteve os freios a tambor. Que são suficientes para o peso dos carros, sendo mais econômicos
* O câmbio deve usar engrenagens de série. São possíveis três relações de terceira e duas de quarta. Há também duas combinações de pinhão e coroa para o que se chama de caixa curta e caixa longa, mas essas peças são originais VW.
* O uso de roda de liga de alumínio de cinco parafusos (padrão VW) foi adicionado recentemente ao regulamento. A roda é 5,5 x 15 com pneus Falken Azenis 205/50R15.
Registro aqui o meu agradecimento ao Rubens Florentino Júnior, que trouxe o causo que acabou sendo uma matéria com detalhes técnicos interessantes sobre estes carros da Fórmula 1200 canadense. Também agradeço ao Cris Demaras e seu filho Daniel, por terem permitido o uso deste material em minha coluna e terem obtido os dados técnicos adicionais; e terem enviado as fotos que aparecem nesta matéria que foram feitas por 3 empresas (GoFast Photography, Release The Shutter, e G.H. Photography) e pelo Chris Demaras.
O ste dos Demaras é: https://demaras.com e o site do Rubens é: https://theclassicmachines.com
AG
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