Até onde minha memória e conhecimento alcançam. o conceito de carro popular nasceu na Alemanha no raiar da década de 1930 como ideia de Ferdinand Porsche. Ele assinou projetos importantes como os Mercedes SS e SSK e concebeu e projetou uma configuração de carro de corrida monoposto, a de motor central-traseiro, o P-Wagen, que impera até hoje.
Sua ideia de carro popular, expressão que em alemã viraria a marca que todo mundo conhece muito bem, não era a de um carro pequeno e barato, um carro normal em escala reduzida. mas um projeto novo, de alto conteúdo tecnológico, destinado especificamente a ser um carro popular que a classe média alemã pudesse comprar.
Muito importante, com a economia mundial em frangalhos, reflexo da quebra da Bolsa de Nova York em outubro de 1929, sua ideia era a de que o seu carro popular seria também a solução de transporte individual para quem havia empobrecido naqueles anos de depressão econômica e não se sentiria mal no rebaixamento de classe de automóvel. Esse conceito provaria ser correto no longo reinado do Fusca.
Com a crise de vendas de automóveis no Brasil iniciada na segunda metade dos anos 2010 e alimentada primeiro pela pandemia da Covid-19 no começos de 2020, acrescida da “dose de reforço” representada pela guerra implacável e irresponsável ao carro de motor a combustão. culpando-o pela iminente destruição do planeta, o cenário automobilístico, do ponto de vista industrial, virou de cabeça para baixo e de uma vez só.
O conceito de operação lucrativa pela escala morreu para dar lugar a escala de produção menor e preços mais altos, ou “vender menos por mais”. É certo que o encarecimento dos automóveis foi um efeito mundial causado pelo aumento de prelos em toda a cadeia suprimentos à indústria automobilística, mas não tenho dúvida de que a estratégia de vender menos por mais foi (e está sendo) um tiro no próprio pé.
Repete-se o quadro da Alemanha do começo dos anos 1930, automóveis acessíveis só para quem disponha de recursos financeiros robustos que a nossa classe média nem em sonho tem mais
Dilema
É fácil entender o dilema da indústria, “se ficar o bicho come, se correr o bicho pega.” Os banimentos dos carros de motor a combustão daqui a pouco — 2035 está logo aí — as obriga a mudança nos processos de produção e investimentos até em fabricação de baterias para os carros elétricos, híbridos incluídos), bem como, em alguns casos a instala, por conta própria, rede de pontos de recarga, que não é seu negócio. Todo esse dispêndio tem um “financiador”, o consumidor.
Se a indústria não entrar de cabeça na eletrificação corre o sério risco de ficar para trás, além de ficar mal na fita por não apoiar a “defesa” do planeta
Por outro lado, no caso do Brasil, não se vislumbra a fabricação de carros elétricos ou híbridos aqui dentro do “Paradoxo de Tostines”: não pode ser fabricado aqui porque não tem volume ou não volume porque não é fabricado aqui?”
Com a estratégia de vender menos por mais, que inclui os carros elétricos importados mesmo isentos do imposto de importação. o carro novo distancia-se cada vez mais das classes B a D, as que efetivamente compram carros 0-km. Sem contar que a ociosidade 50% ou até um pouco menos, da indústria automobilística local, cuja capacidade é de 5 milhões de unidades por ano, é preocupante.
Solução
No entender de quem, como eu, viu a indústria automobilística brasileira nascer, a solução para saímos dessa situação tem três pilares. Um, reduzir, mas nunca eliminar — vêm-me à cabeça como exemplos o Fiat Uno ELX de 1994, o Renault Kwid Outsider e o recente VW Polo Track — itens de conforto e comodidade que se tornaram essenciais como ar-condicionado e central multimídia com espelhamento de telefones móveis.
Outro pilar é definitivamente, e não a título de “socorro” à indústria automobilística, determina carga fiscal decente nos veículos automotores. A farra do IPI, ICMS e PIS-Cofins não pode continuar sob pena de matar a galinha dos ovos de ouro de qualquer nação industrializada, bem como o Legislativo aprovar uma reforma fiscal igualmente decente em vez de uma “pra inglês ver.”
O terceiro pilar é difícil mas não impossível, o brasileiro aceitar “carros populares” que não ostentem e que não andem tanto, inclusive pelo preço, filme já visto com o Fusca entre 1950 e 1996.
BS
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