Na negociação realizada em 1963, a Ford ofereceu algo em torno de 17 milhões de dólares (em valores atuais o equivalente a 170 milhões de dólares) pela fábrica de Maranello. Segundo especulações, Ford deve ter gasto bem mais do que isso nos quatro anos em que se dedicou à sua tentativa de “esmagar” a Ferrari. Somente nas duas edições vitoriosas, 1966 e 1967, dizem que foi gasto muito dinheiro, com a Ford recorrendo até aos serviços da Nasa para aprimorar a aerodinâmica do GT40.
Na edição de 1966, doze modelos Ford GT40 foram inscritos, sendo oito da versão MkII, com o motor V-8 de 7 litros. Já a Ferrari tinha apernas três protótipos da nova versão 330 P3, com motor V-12 de 4 litros. Dois da equipe oficial e um spyder inscrito pelo NART (Notrh American Racing Team).
Mas o clima dentro da Scuderia era tenso. Tanto que, algumas horas antes da largada, o inglês John Surtees, o principal piloto, abandonou a equipe, atitude que nunca foi devidamente explicada, nem por ele e nem por Ferrari.
Segundo consta, a confusão começou quando o chefe da equipe, Eugenio Dragoni, inscreveu o piloto italiano Ludovico Scarfiotti no lugar de Surtees, que iria fazer dupla com o também inglês Mike Parkes. Entretanto, conforme outras fontes, Dragoni sugeriu que os três pilotos dividissem o comando do carro, algo não usual na época. Seja qual foi o motivo, Surtees, que no domingo anterior havia vencido o GP da Bélgica de Fórmula 1 debaixo de forte chuva, não gostou e resolveu voltar para casa. Parece que Ferrari já estava sentindo “cheiro” de derrota antes mesmo da largada.
A corrida começou com o próprio Henry Ford II dando a bandeirada de largada, como costume na época, com os pilotos atravessando a pista correndo para entrar nos carros. Enquanto os Ferrari foram abandonando durante a noite e a madrugada, com problemas mecânicos, os carros da Ford lideraram desde o começo e com tamanha facilidade que o “chefão”, Ford II, ordenou uma chegada apoteótica para os três GT40, que lideravam a corrida, cruzando a linha de chegada alinhados lado a lado.
Mas não aconteceu como o “chefão” desejou. Isto porque o carro pilotado pelo inglês Ken Miles e o neozelandês Denny Hulme, que liderou praticamente toda a prova, seria penalizado com o arranjo. Como o carro que ocupava o segundo lugar, pilotado pelos também neozelandeses Bruce McLaren e Chris Amon, havia largado mais atrás, pelo regulamento da prova ele rodou uma distância maior nas 24 horas. Por isso, dizem que Miles tirou o pé do acelerador deixando o carro de McLaren avançar para a bandeirada.
No filme Ford x Ferrari o fato é abordado como injustiça com Ken Miles. Mas, assim como ele, Bruce McLaren também trabalhou desde o começo nos testes de desenvolvimento do GT40. Ken Miles veio a falecer alguns meses depois em acidente testando o novo Ford modelo J, que estava em desenvolvimento. E a Ford voltou a vencer a 24 Horas de Le Mans em 1967 com a nova versão GT40 Mk IV, com o potente motor V-8 de 7-litros, pilotado pelos americanos Dan Gurney e A.J .Foyt.
Mas desta vez dois Ferrari 330 P4, com motor V-12 de 4 litros, chegaram em segundo e terceiro lugar em uma corrida bem mais disputada, apesar dr o Ford GT colocar uma vantagem de quatro voltas. A imprensa especializada americana, que antes destacava os feitos da Ferrari, para irritação de Ford II, criticou decisões tomadas por Enzo Ferrari, sem levar em consideração que a ação da Ford foi um verdadeiro “rolo compressor”, como bem definiu o jornalista David Phipps, com os milhões de dólares gastos apenas para humilhar o dono da “fabriqueta” de Maranello.
Enquanto Ford II, satisfeito, foi gastar seus milhões com outros interesses, Enzo Ferrari teve que fazer muitos cálculos para fechar suas contas. Algo que só foi possível em 1969, quando a Fiat aceitou acordo semelhante ao que ele havia apresentado para Ford. Com a mudança do regulamento, em 1968, nem Ford, nem a Ferrari, participaram oficialmente em Le Mans naquele ano. Mas a Ford venceu novamente com a equipe inglesa de John Wyer, que também havia participado do projeto do GT40 desde o começo.
Devido a limitação de cilindrada no novo regulamento Wyer, com o apoio da petroleira Gulf, inscreveu dois GT40 Mark I, com motor V-8 de 4,9 litros, e venceu a edição de 1968, com a dupla formada pelo mexicano Pedro Rodriguez e o belga Lucien Bianchi e, de 1969 com o belga Jacky Ickx e o britânico Jackie Oliver.
Em 1969 a Scuderia Ferrari retornou e inscreveu dois novos protótipos 312 PB, com motor V-12 de 3 litros, mas um deles foi envolvido no acidente fatal que vitimou o piloto inglês John Woolfe, com Porsche 917, logo após a largada, enquanto o outro abandonou de madrugada.
O Ford GT40 Mark I de Rodriguez e Bianchi (Foto: Divulgação Ford)Esta edição, entretanto, marcou aquele que é considerado o final mais emocionante na história da 24 Horas de Le Mans, com uma disputa sensacional na última hora entre o Ford GT40 de Ickx e o Porsche 908 do alemão Hans Herrmann. Com ultrapassagens constantes, eles cruzaram a linha de chegada faltando apenas 1 minuto para completar as 24 horas, com Herrmann na frente. Mas Ickx pode aproveitar a potência do motor de seu carro e também o vácuo para superar o Porsche no fim da reta, antes da curva Mulsanne, recebendo a bandeirada apenas 120 metros à frente de Herrmann.
Mas esta prova também marcou o fim da largada tipo Le Mans, na qual os pilotos atravessavam a pista correndo para os carros, tradição que começou na terceira edição, em 1925. E um dos personagens responsáveis pelo fim dela foi o próprio Jacky Ickx, em protesto pelo grave acidente ocorrido na prova do ano anterior com seu compatriota Willy Mairesse, que por estar sem o cinto de segurança afivelado acabou se ferindo gravemente, após bater com seu carro.
Assim, enquanto os outros pilotos corriam para os carros, Ickx atravessou a pista caminhando e calmamente apertou o cinto de segurança antes de largar em último e, por isso, também passou em último na primeira volta, para chegar em primeiro na última. De acordo com a máxima do automobilismo: “Não se ganha uma corrida na primeira volta”.
RM