O contato com o Veloso começou em 30 de novembro de 2020, quando ele reagiu à matéria sobre a fábrica de brinquedos Schuco com uma mensagem e fotos de brinquedos desta marca. De lá para cá temos trocado mensagens pelo WhatsApp. Sempre coisas interessantes e ecléticas pois ele, como comandante em uma companhia aérea, está sempre em novas localidades e tem uma vivência para lá de rica e interessante.
Recentemente ele me enviou uma foto de um antigo encontro de Karmann Ghias que ocorria no Rio de Janeiro na década de 1980, no posto de Gasolina Mengão que pertencia ao André Gustavo Richer (que foi presidente do Clube de Regatas do Flamengo, especificamente do time de futebol, daí o nome do posto) e ficava na Lagoa Rodrigo de Freitas.
O que foi importante veio com a foto, foi o relato de como ele era aceito nestes encontros com seu VW SP2, sendo que ele foi considerado o primeiro a tratar de um carro destes como carro de coleção. Aí ele me contou resumidamente sua história com o VW SP2. Pois foi o que bastou para que eu o convidasse para escrever um causo relatando tudo isso para os leitores e leitoras desta coluna. Isto posto, vamos ao causo:
O VW SP2 do Comandante Veloso
Por: José Magri Veloso
Tudo começou no final de 71 para 72 quando meu velho pai recebeu um catálogo cor magenta da concessionária carioca Auto Modelo, esse catálogo esse que tinha imagens de um SP prata com painel envolvente e bancos tipo concha e eu tinha apenas 12 anos; aquilo povoou meu imaginário de pronto.
Pedi para meu pai comprar um VW SP2, mas ele comprou um TL 4-portas, azul Diamante, claro (risos). Fui lá pegar o TL com ele. O vendedor ofereceu barra estabilizadora traseira e uma bola da alavanca de câmbio preta com uma lente e a inscrição “Stuttgart” que o meu pai mandou instalar.
Enfim, passaram-se oito anos e eu tomava rumo na vida, fazendo curso no subsolo do Aeroporto Santos Dumont no Rio e em frente a esse aeroporto existe, até hoje, a bolsa de automóveis (como existe a “boca de automóveis usados” em São Paulo). Lá foi a primeira vez que vi meu futuro carro, esse mesmo que tenho até hoje.
Atravessei o pátio da bolsa de automóveis a pé e ele, o VW SP2, flertava comigo do outro lado. Ele estava pintado de amarelo Grand Prix da GM e tinha quatro faróis bi-iodo amarelos, atualização comum de época. Sempre fui muito lento em minhas decisões e quando dei por falta do carro lá, foi por que ele já tinha sido vendido.
Mas, finalmente, eu o encontrei com outro vendedor de automóveis usados, que usava o carro em seu dia a dia. E ele me enrolou por seis meses, mas manteve o preço em meio à alta inflação daqueles tempos e, finalmente, ele me entregou o tão desejado veículo.
Uma curiosidade: hoje o manual do VW SP2 está sendo guardado dentro da capa que foi brinde da Auto Modelo para proteger o manual do TL que meu pai tinha comprado lá.
O carro é um 1972, modelo 1973, eu o comprei amarelo e o usei muito no início da minha carreira com algumas passagens inusitadas.
Pois bem, lá vai história: eu estava trabalhando no Rio e uma Cia Aérea de São Paulo abriu contratação para copiloto. Eu me interessei pela vaga, mas tinha que chegar em Congonhas até às seis horas da tarde. Não hesitei, peguei a Dutra e fui rumo a São Paulo. Mas lá chegando, logo na Via Marginal do Rio Tietê, o trânsito ficou mais pesado e o cabo de embreagem de meu carro, diante de tantos acionamentos, quebrou. Eu ligava o carro engrenado e passava marcha no tempo. Mas aí o trânsito parava de novo… Enfim vi a rodoviária de São Paulo, que fica na própria Marginal do Rio Tietê. Entrei nela, deixei o carro lá e fui de táxi para Congonhas e consegui o emprego. Mas acabei chegando lá com menos de cinco minutos de folga! E como dizia minha amada mãe: “Meu filho, não existe Senhor do Bom Começo, só existe Senhor do Bonfim”.
Jantei e fui para uma pensão largando minha nobre e já ferida viatura na Rodoviária, na Marginal do Tietê. Levantei-me cedo e pensei: São Paulo ao Rio uma reta, e eu optei por ir sem embreagem mesmo. Todavia na Dutra fazia um nevoeiro terrível, parei num posto abasteci e fiquei na saída à espreita do primeiro ônibus Flecha Azul da Cometa, cujos motoristas eram conhecidos por manterem um ritmo veloz e constante na rodovia. Colei em um deles, tendo como horizonte apenas aquela nebulosa e massiva traseira truncada, por muitos quilômetros. Assim consegui voltar para o Rio de Janeiro, onde eu morava.
Finalmente meu VW SP2 começou a apresentar o desgaste dos anos de uso e pensei: não vale a pena vender, já que era algo muito pessoal. E com a preciosa e diligente ajuda do meu amigo Synval de Sant Anna Reis Neto, restauramos a “Jaca” como ele chamava o carro, devido à sua cor amarela.
Mas eu acabei optando por pintar o carro de vermelho Royal 1984, cor original Volkswagen do Gol GT. O meu SP2 foi produzido originalmente na cor azul Astral metálico e ainda há restos da pintura de fábrica azul atrás do painel e teto até hoje.
Segundo meu amigo Cris Branco, que me forneceu de seu acervo pessoal o catálogo da VW de 73 cuja capa ilustra essa matéria, exemplares de VW SP2 azul Astral com interior Areia não eram comuns, o interior preto era o mais usual.
Muitos confrades do VW SP2 Club, um pessoal incrível, me falam: “Volte para a cor original, Veloso, está fácil é só pintar por fora” e eu respondo que sim, mas apenas não nessa encarnação. O que é lógico, pois eu prefiro andar nele e sei fazer conta.
Eu acabei de montar o carro eu mesmo, pois não consigo imaginar um camarada apertando minhas lentes com parafuso errado e pensando em almoçar ao mesmo tempo. Sim, concordo, há um certo exagero em minha atitude. E o carro ficou incrível, mas sob a ótica de restaurações dos anos 90, claro.
Finalmente eu o aposentei depois de ele ter ensinado minha esposa a dirigir nele e de tê-lo usado por muitos anos.
E aí vem mais história: nessa ocasião eu já trabalhava na Varig e quando estava em curso no Rio, eu ia com ele, já restaurado, para nosso centro de treinamento na Ilha do Governador. Quando chegava lá a cancela da entrada era muito alta e eu combinava com os colegas de passar por baixo da cancela. Eu passava devagar e voltava de ré. O segurança, sempre implacável, saia da guarita e abria os braços e exclamava me olhando fixamente nos olhos: “Comandante!” E o pessoal todo caia na risada.
Depois surgiu a placa preta, mas nunca quis colocar uma nele, eu não gostaria de parar no semáforo lado a lado com outros carros ainda em serviço ativo e impingir ao meu carro, meu parceiro, o rótulo de aposentado devido a uma placa preta, que designa carros só de coleção, ou seja, retirados do serviço ativo.
O que sinto por esse carro me faz entender exatamente por que ficamos tão fulos de raiva, quando alguém do público nos pergunta do nada: “Quanto quer para vender?”
Para muitos de nós, nossos veículos de coleção não são só carros, são uma avalanche de boas lembranças. E, certamente, isso não tem preço!
[Fim do causo do VW SP2 do Comandante Veloso]
O carro do Veloso é o primeiro da esquerda. Uma das características do VW SP2 Clube é que seus membros se deslocam por grandes distâncias para participar de eventos, já que muitos moram, por exemplo, longe de Araxá que fica em Minas Gerais, mas foi grande a presença do clube neste evento. E isto se repete em outros eventos pelo Brasil.
Quem é o Comandante Veloso
Meu nome completo é José Magri Veloso tenho 63 anos, sou aviador, daí o Comandante. Sou casado e tenho uma filha, a Paula, e um filho, o William. Atualmente moro em Ribeirão Preto., SP
Minha filha Paula é muito ligada a mim, hoje ela é dentista, e sempre que pode me acompanha em passeios no SP2. E quando calha estarmos no mesmo voo ela sempre me visita na cabine de comando:
Um tributo a um amigo
Quando eu vi que o Veloso tinha citado o Synval de Sant Anna Reis Neto já era tarde da sexta-feira, mas eu tentei contato com o Synval mesmo assim. Ele respondeu a meu chamado no sábado pela manhã e prontamente atendeu a meu pedido de um depoimento sobre a restauração do VW SP2 do Veloso.
Sim eu conheço o Synval há muitos anos e o tenho em grande conta. Vejam o que ele relatou para nós:
[Início do depoimento do Synval]
Nos idos de 1990, quando eu tinha 42 anos de idade, já tinha uma relativa experiência em restauração de automóveis e convivia com os membros do Veteran Car Club do Brasil – Rio de Janeiro VCCB-RJ, conheci José Magri Veloso, proprietário de um SP2 carecendo de uma restauração.
Os irreverentes membros do VCCB-RJ não o incentivavam à tal empreendimento porque veneravam somente os importados. Além disso, restauração é um trabalho hercúleo que tende a infinito.
Mas como gosto muito deste desafio, pois a meu modo eu já tinha “restaurado” o Mercedes-Benz 170 Da 1951, um Mercedes Benz 220 Cabriolet A, 1952, um Mercedes Benz 190 SL, 1957 e alguns Fuscas e na ocasião eu tinha também um VW SP2, resolvi então empreender em parceria com o hoje Comandante Magri, a restauração de ambos os carros.
Apresentei a ele os profissionais com os quais eu tinha tido experiência bem-sucedida e nos lançamos nesta jornada.
O VW SP2 é um carro belíssimo a meu juízo, mas como todo carro esporte, muito delicado, pois não são feitos para uso diário e sim como um veículo complementar que sobretudo serve para alimentar sonhos e fantasias das almas humanas.
O VW SP2 não é um Fusca que é pau para toda obra! Este esportivo é crivado de belos detalhes e cada um merecedor de muito trato.
Nesta experiência, constatei a perseverança do Comandante, no sentido discricionário, pois construiu uma carreira sólida como piloto de avião, uma família estruturada e o desenvolvimento de uma expertise na restauração de automóveis.
Sinto-me orgulhoso porque o nosso desafio está sendo implementado até hoje, pois como já expressei, uma restauração de automóvel jamais termina. Sempre há o que melhorar!
O Comandante mantém seu carro rodando, sempre em excelente estado de conservação. Para onde ele segue com o carro, materializa um museu itinerante.
Uma peça de arte móvel que pode ser apreciada pelas pessoas nas ruas…
Contudo, o maior papel que este VW SP2 desempenhou foi o nosso estreitamento de laço de amizade, onde ao longo do tempo temos desenvolvido construções mútuas.
[Fim do depoimento do Synval]
Estas palavras fecham com chave de ouro este causo, o primeiro que teve um VW SP2 como protagonista.
Ainda sobre o manual do VW SP2 do Veloso
Ele tem duas assinaturas importantes que são do “Jota” – José Vicente Novita Martins e do George Yamashita Oba, que foram da equipe de Márcio Piancastelli quando o VW SP2 foi desenvolvido. Um item importante para um amante deste automóvel:
Além disto os dois também autografaram o carro do Veloso, um troféu importante para quem tem um VW SP2:
AG
Aqui cabe um agradecimento ao Veloso por ter enviado seu causo. Os contatos com ele foram feitos basicamente pelo WhatsApp e e-mail. Na reta final os contatos foram bastante frequentes e sempre prontamente respondidos. Já com o Synval os contatos foram por WhatsApp e a resposta foi em tempo recorde.
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