Eu era jornalista da revista Quatro Rodas e fazia testes de carros, quando no primeiro semestre de 1993 recebi a incumbência de avaliar qual era a melhor camioneta do mercado brasileiro independente de seu porte e preço. Uma tarefa árdua, que foi decidida numa reunião com minhas colegas jornalistas, que entendiam muito de transportar pessoas, famílias e bagagens num carro, para estabelecer os critérios para definir na eleição da melhor camioneta fabricada e comercializada aqui.
Eu, Célia Murgel e Elsie Rotenberg, além do Waldemir Cereser, decidimos criteriosamente o que era importante em um carro familiar e como ele deveria ser. A partir daí criamos um critério de pontuação universal que serviria para escolher o vencedor dentre esses utilitários familiares ou station wagons, como os americanos os chamam. Os modelos integrantes da disputa eram seis: Chevrolet Ipanema e Suprema, Fiat Elba, Ford Royale, além dos VW Parati e Quantum.
Como sabemos, as camionetas são normalmente derivadas de hatches ou sedãs, com privilégio do maior espaço destinado a bagagem. Claro que nessa decisão de pontuação demos ênfase a segurança, espaço interno, mecânica, consumo de combustível, conforto e relação custo-benefício. Na época, como tínhamos uma inflação muito alta, adotamos com referência financeira o dólar, para que todos os modelos tivessem a mesma avaliação, ignorando a desvalorização quase diária da então moeda nacional, o cruzeiro real.
Todos os modelos avaliados foram levados à pista de testes, e eu, pessoalmente, dirigi todas as tais camionetas, tirando o máximo de desempenho, dirigibilidade e segurança ao volante que cada uma pudesse dar. Em um trecho de estrada, medi os níveis de consumo com cada carro vazio, apenas com o motorista, e em seguida com a carga máxima divulgada pelo fabricante. Usando fitas métricas, medimos diversos parâmetros do interior de cada carro, para saber qual tinha o melhor espaço interno e o arranjo mais inteligente da cabine.
O volume do bagageiro, grande diferenciador das station, era de grande valia, e recebia também sua pontuação. Afinal esse é um ponto de destaque nas camionetas, assim como o nível de conforto a bordo, o que incluía comportamento de suspensões (se absorviam mais ou menos imperfeições do piso, e o quanto afetavam a estabilidade), níveis de ruídos, maciez dos bancos e habitabilidade, como movimento de entra e sai ou espaço para as pernas no banco traseiro.
O bom desempenho dos motores auxilia nas ultrapassagens e retomadas, por isso contavam também como segurança, mas, por outro lado, não podiam comprometer as marcas de consumo médio. Um compromisso difícil para os fabricantes, e um trabalho extenuante para nós que participamos desse megacomparativo.
Partimos das espartanas VW Parati CL 1,6 e Chevrolet Ipanema SL 1.8, que foram as versões mais baratas que a marca possuía em suas frotas de imprensa, mas outros modelos usados foram do topo da linha, caso da Ford Royale Ghia ou da Chevrolet Suprema CD. Como configurações intermediárias, a VW Quantum CLi 1,8 e Fiat Elba Weekend 1.5 i.e..
Esse trabalho, feito na pista de testes da Freios Varga em Limeira, SP, nos obrigou a ficar por mais de uma semana dedicados, para que tivéssemos todos os parâmetros para definirmos a melhor camioneta do mercado brasileiro. De volta para a redação da Quatro Rodas, e com todos os parâmetros da avaliação colhidos, começamos a classificar carro a carro, em mais de 800 valores avaliados e passando de 200 notas atribuídas, para que, finalmente, chegássemos ao resultado final. No total, como máxima, cada carro poderia atingir até 561 pontos, que seria a “camioneta perfeita”, logicamente inexistente.
Nessa superavaliação, acreditem, a vitória foi da humilde VW Parati, com 470,9 pontos no total. Ela, vendida por cerca de US$ 13,2 mil (R$ 66 mil atuais em uma conta simplória de padaria), deu um baile em suas concorrentes, principalmente, quando o assunto foi relação custo- benefício, baixo consumo de combustível e robustez, a confiabilidade de sua mecânica. Vale lembrar que essa versão em 1993 era movida novamente pelo motor AP-1600, e não pelo o Ford AE-1600. O AP-1600 mostrou-se imbatível na relação desempenho vs. consumo, e casava bem com o prazeroso câmbio 4+E.
Custando quase o equivalente a quatro Parati CL 1.6 (US$ 49 mil), a segunda colocada do teste foi a Chevrolet Suprema CD 3.0i, que obteve 458,4 pontos. Tinha como grande ponto contra o seu preço altíssimo, fato que a tirou o título de vencedora (a relação custo-benefício era um dos itens primordiais), até porque, ser a melhor sendo mais cara, não leva a vantagem alguma. Em contrapartida, se saía extremamente bem no quesito desempenho graças ao motor seis-cilindros de 3 litros (importado da Alemanha), que aliava alto desempenho com consumo não tão alto (a injeção Bosch Motronic ajudava). Em segurança, espaço interno, porta-malas, conforto e outras métricas, dava um show. Se não fosse o preço…
A Quantum CLi, terceira colocada, custava nada menos que a metade do preço da Suprema CD, segunda colocada: pouco menos de US$ 25 mil (atuais R$125 mil, em cálculo direto). E, tenha a certeza, que a VW não era 50% pior que a Chevrolet. Boa station derivada do Santana, o carro demonstrou bom desempenho e baixo consumo de combustível, mas limitações de espaço interno e bagageiro, que realmente eram críticos para seu porte, lhe tiraram pontos. Ao mesmo tempo, tinha qualidades irrepreensíveis na mecânica, com prazer ao guiar, dinâmica e segurança a bordo. Usava o lendário AP-1800 com a simplória injeção monoponto (próximo passo depois do carburador). No final, beirou o resultado da Suprema: 457,5 pontos. Foi por pouco, 0,9 ponto!
Em quarto lugar, com o motor de menor cilindrada do grupo (usava o 1,5 feito na Argentina pela Sevel, com injeção monoponto), a Fiat Elba Weekend sofria quando estava com carga máxima, afinal desempenho não era seu forte. Apenas aceitável, assim como os níveis de estabilidade e dinâmica de condução. Tinha como pontos críticos o alto custo de manutenção de alguns componentes da suspensão, o câmbio de cinco marchas duro e impreciso nas trocas (sem falar da durabilidade em xeque), e o alto consumo do seu conjunto propulsor, que, dependendo, precisava ser exigido ao extremo. Acumulou 439,7 pontos no final do teste, e seu preço era equivalente ao da Parati: US$14,1 mil.
Em quinto lugar, com 436,1 pontos, a Ford Royale Ghia 2.0i, que, de maneira grosseira, era uma VW Quantum de duas portas. Fruto da Autolatina, a camioneta da Ford trazia consigo as qualidades da Quantum (aceleração lateral, frenagem, prazer ao guiar, câmbio robusto e solidez), mas também as partes negativas da VW (pequeno porta-malas e espaço interno acanhado para seu tamanho). E, para piorar, a Royale ainda era oferecida apenas com duas portas, que eram enormes e pesadas, dificultando a mobilidade e o entra e sai. Crítica dura a uma boa camioneta, aqui movida pelo AP-2000 com injeção digital, semelhante ao do VW Gol GTi. Do comparativo, era o segundo carro mais caro: US$ 34,3 mil (mais de R$170 mil de hoje).
Finalmente, na lanterninha do ranking, estava a Chevrolet Ipanema SL 1,8, camioneta do Kadett. Custando cerca de US$ 15,8 mil (quase R$ 80 mil atuais em cálculos simples), o modelo básico da GM obteve 433,1 pontos, e não tinha grandes virtudes pelo seu preço mais alto. Destaque positivo por conta do bom espaço do porta-malas (ficava só atrás da Suprema) e das boas respostas do 1,8 com injeção monoponto. Apesar das quatro portas, a station tinha sérias limitações de espaço interno, principalmente no banco traseiro, e era mediana em tudo: consumo, aceleração lateral, frenagem, conforto e por aí vai. Fácil entender o motivo dela ter sido a lanterninha: cara e sem grandes destaques.
Agora, 30 anos depois daquela matéria publicada na edição de agosto de 1993 da Revista Quatro Rodas, fica aí uma lembrança de um teste que me deu muito trabalho, consumindo muito tempo e energia, mas prazeroso no resultado positivo que, tenho a certeza, contribuiu para muitas escolhas das próximas camionetas de muitas famílias Brasil afora. Me orgulho de relembrá-lo três décadas depois. Valeu a pena!
DM
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