Quando publicamos a história do resgate do VW Fuscão 73, Luciano Hernandez Gonzalez Júnior comentou que havia um outro causo a ser publicado e agora chegou a hora de fazer isto.
Com muitos detalhes de como foi feito o serviço, indicando a origem das peças e nomeando alguns de seus fornecedores de serviços, Luciano relata com detalhes como o motor deste VW Fuscão 1600, ano 1976, foi restaurado.
Na foto de abertura, em primeiro plano, o VW Fusca do sogro do Luciano, o “Bel” participando de um evento de setembro de 2022 do grupo chamado “Família Quadrada”, que cultiva os Volkswagens quadradões das décadas de 70, 80 e 90. Grupo este administrado por Luciano. Este evento, que reuniu quase 200 carros, foi realizado na Garagem 55 da Mooca, bairro de São Paulo. Naquela oportunidade o carro do “Bel” ainda não estava com as rodas aro 14” de VW Brasília, que são as originais do carro.
Isto posto, vamos ao causo.
A ressureição de um raro VW Fusca 1600
Por: Luciano Hernandez Gonzalez Júnior
Amigos amantes do VW Fusca, tudo bem com vocês? Na esteira do resgate do Fuscão 1500 1973 (vulgo Amarelinho) trago mais um causo contando como foi a “ressurreição” do Fusca 1600, ano 1976, cor vermelho Málaga do meu sogro Erivelto “Bel” Silva.
Ele sempre teve uns carrinhos antigos e gosta muito dos Volkswagens arrefecidos a ar. Ele teve diversos deles e este, em especial, pertencia à mãe de um amigo dele. O carro ficou anos parado após o falecimento da proprietária, e estava bastante malconservado. O “Bel”, que não gosta de uma encrenca (ironia), adquiriu o carro em meados de 2010, fez o motor, funilaria, pintura, tapeçaria e colocou o velho Besouro para rodar. Viajou de Atibaia, SP, onde mora, para diversos lugares e foi de Vitória, ES a Porto Alegre, RS, sempre com o Fusca atendendo prontamente, sem ratear e com muita valentia.
O tempo passou, e este VW Fusca passou por outra restauração de funilaria. Ele sempre chamava atenção por onde passava. Ao abrir a tampa do motor, contudo, a pergunta era sempre a mesma: “Cadê a carburação dupla?” (que era original nos VW Fusca 1600).
De tanto insistirem, ele decidiu reinstalar a dupla carburação e dar uma melhorada no VW Fusca. Eu, que não gosto de uma bagunça, abracei a causa e desenhei mentalmente um projeto bem simples. Ainda convenci o amigo e mecânico Edison “Du” Noronha a encarar a empreitada e assim fomos.
Originalmente pretendíamos montar apenas a dupla carburação com carburadores Solex 32 assim como era originalmente, dar uma organizada no cofre do motor e aliviar e balancear o volante do motor. Mas o “Bel” sempre falava: “e um comandinho de válvulas mais ‘quente’, não dá para montar?”
O motor tinha 10.000 km, mas, quem já abriu um motor sabe que eles são umas caixinhas de surpresas. Fui buscar o carro em Atibaia para levá-lo para São Paulo.
Mesmo com o desempenho um pouco limitado, o VW Fusca veio bem pela rodovia Fernão Dias. Porém, chegando na capital, percebi que ele parecia falhar um pouco no trânsito, nada demasiado. Era mais parecido com um corte de corrente típico de ignição, mas chegou ao destino sem sustos.
Descemos o motor e o “Du” começou a desmontagem (eu acompanhava do jeito que podia, depois do horário de trabalho, aos finais de semana, nos horários de almoço etc.). Na desmontagem descobrimos que havia muita terra junto ao motor e câmbio. A carenagem do motor estava bem castigada e ainda faltavam várias de suas partes.
Ao abrir o motor, as surpresas começaram a sair da caixinha: um cabeçote trincado, balancins com calços, válvulas que já nem vedavam mais, e uma porca perdida dentro da caraça!. Ao menos ela, os pistões, os cilindros, as bielas, o comando e o virabrequim estavam intactos.
Com uma visão mais abrangente do estado do motor, fui às compras: tendo em mãos um catálogo Volkswagen de motores arrefecidos a ar, comprei todas as chapas que compõem a carenagem, mandei tudo o que era preciso para uma empresa de pintura eletrostática e assim tudo foi repintado conforme o padrão de fábrica.
Para as peças com tratamento superficial em cromo, eu optei por fazer tudo em cromo amarelo trivalente com selante e apassivador amarelo (que é vulgarmente conhecido como “bicromatizado”). Para tanto eu as enviei para uma empresa de galvanoplastia na cidade de Diadema, SP.
O alternador foi desmontado pelo amigo e eletricista Júlio Mitsuo, depois disso, enviamos a sua carcaça e o seu suporte para o jato de areia.
Providenciei um par de cabeçotes completos (válvulas e molas do motor Torque) novos da marca Metan. Chegando na oficina, o “Du”, que é muito meticuloso e tem muita experiência com modelos arrefecidos a ar da Volkswagen, quis verificar a vedação das válvulas no novo cabeçote: e todas tinham passagem. Isso é meio decepcionante, porque foi caro e não tínhamos um produto à altura…
Para o comando de válvulas, escolhemos um Scat C25 de 272 graus de duração. O casamento da engrenagem do comando original com o virabrequim estava tão bom que decidimos usar a engrenagem original. Só que no comando original a engrenagem do comando é rebitada e o comando de válvulas Scat pede a fixação por parafusos de rosca fina. Então nós retrabalhamos a engrenagem de comando conforme a imagem abaixo e fixamos os parafusos com cola Loctite de alto torque:
Os balancins estavam em bom estado, substituímos as regulagens por peças novas e eliminamos os calços. O volante do motor originalmente pesa 8 kg, um volante pesado que era fabricado em larga escala, feito para atender uma gama de veículos que ia do sedã até o Kombi. Levei o volante do VW Fusca para a RETSAM, em Osasco, para alívio de peso e posterior balanceamento.
Para a parte de alimentação, encomendei um par de carburadores Solex 32 recondicionados pelo Marcelo de São Bernardo do Campo, um profissional muito competente.
Adquiri via Mercado Livre um par de coletores altos originais Volkswagen, as muflas originais do modelo do carro o tubo equalizador (poucos conhecem este tubo e sua função e boa parte dos VW à ar estão sem ele), um kit de acionamento roletado dos carburadores Solex da Logos Carburadores, mangueiras Balflex, abraçadeiras de aço inox e uma nova bomba de combustível Brosol.
O filtro de combustível foi para baixo, próximo ao câmbio e ele foi fixado com um suporte muito bem-feito comprado via Internet na Volkshaus:
A parte de ignição foi toda revisada. Cabos de vela Bosch de Kombi injetado. Tampa do distribuidor Bosch “pinada”. Bobina Bosch “pinada” 077. Velas NGK. Rotor Bosch.
Mas o distribuidor não estava em ordem. O acoplamento com o virabrequim tinha muita folga, o avanço a vácuo estava parcialmente travado (não avançava tudo o que deveria); o problema agora era achar quem fizesse manutenção em distribuidor.
Bati cabeça com isso… Mas achei um rapaz na Cidade Tiradentes (que é um bairro de São Paulo que fica muito longe de minha casa, são 46 km de distância). Eu conversei com ele, seu nome é Anderson, e acabei convencido. Levei o distribuidor para uma revisão completa feita com maestria a um preço bem em conta. Sempre digo que quem trabalha direito merece ser citado, e este rapaz merece.
As bengalas do escapamento estavam feias, mas eram de muito boa qualidade (itens de época). Jateamos com areia, e demos um fundo e pintamos com tinta de alta temperatura.
No caso do escapamento, inicialmente montamos um conjunto original com as saídas do tipo “Cornetão”, mas posteriormente mudamos para um modelo 4×2 conhecido como “Capetinha” e assim ficou.
Com tudo isso em mãos, o “Du”, eu e nosso amigo Rodrigo Accioli, na medida do possível, iniciamos a montagem e todo esse trabalho começou a tomar forma:
O “Du” já fez mais de 100 motores Volkswagen “a ar”, e ele agora está com 78 anos de idade. Além de ter muita experiência com este tipo de motorização, ele possui algumas peças novas da época em que estes motores ainda eram fabricados, a qualidade era muito melhor. Tomo como exemplo o kit de juntas de montagem dos coletores e carburadores, nem se compara ao que temos hoje no mercado de reposição.
Enquanto o “Du” ia efetuando a montagem, eu e o Rodrigão, além de ajudá-lo, íamos refazendo o cofre do motor:
Refizemos o revestimento da parede corta-fogo, trocamos todas as borrachas e montamos os passa-fios (que já não existiam mais) originais VW, reposicionamos também o módulo da ignição eletrônica.
Com o motor no lugar, o primeiro funcionamento é sempre muito aguardado. É emocionante ver funcionando algo que você fez (no caso, fizemos: eu, o “Du” e o “Rodrigão”).
Acertos feitos, o Besouro foi para uma revisão elétrica de entrega feita pelo amigo Júlio Mitsuo.
Fizemos uma rodagem de uns 500 km para acertos finais. Isto feito, eu mandei o VW Fusca para uma lavagem completa detalhada, o que deu outra cara para o Super Fuscão.
Agora eu desfilava com o VW Fusca e a turma torcia o pescoço para ele. Mudou o visual do carro.
Ainda aproveitei para fazer outros pequenos acertos de acabamento. Reativei o esguicho do limpador do para-brisa. Arrumamos a luz de cortesia. Troquei as capas dos pedais por originais VW. Trocamos a chave de seta, que estava danificada, por uma nova original M CARTO. Substituí todos os botões do painel de instrumentos. E, com a ajuda do amigo Diego Gustavo Pereira (Diegu’s Garage), arrumamos um rádio Bosch de época para ornar com o conjunto.
A tapeçaria foi feita com tecido cordonê original comprado na MH Tecidos originais e o trabalho foi feito pela Tapeçaria “Carcinha” de Bragança Paulista.
E assim fomos fazer a entrega do Besouro ao meu sogro “Bel” em Atibaia, o carro é outro, agora mantém fácil os 100 km/h em rodovia, não perde velocidade em pequenos e médios aclives e não é mais necessário andar com o pedal do acelerador no fundo como em um 1600 original.
Chegando na casa do “Bel”, uma foto para registrar a entrega do carro:
Conclusão: poderia ter feito diferente e melhor?
Sim. Me arrependo de não ter colocado uma capela “moderna”, com o radiador de óleo deslocado, mas para o uso que meu sogro fará do carro, o que foi feito atende perfeitamente.
Muita gente me disse: “Você gastou tudo isso em um VW Fusca?” Sim, o VW Fusca não é um carro popular há muito tempo. Fazer um VW Fusca é muito mais caro e trabalhoso do que fazer, por exemplo, um VW Gol com motor AP.
Os filtros de ar poderiam ser menos restritivos? Poderiam sim, mas quisemos manter aquela cara de original, com aquele aspecto original.
Eu poderia ter até trabalhado os cabeçotes, mas o céu é o limite. Um motor que eu duvido que chegasse aos 50 cv antes de nossa intervenção, agora deve ter seus 75 ou 80 cv, com possibilidade de ganhar mais uns 10 cv com total segurança trabalhando em cima de escapamento e filtros.
Agradecimentos:
– Sr. Edison “Du” Luiz Noronha (amigo e mecânico) que mais uma vez comprou minhas ideias e executou o trabalho com sua conhecida maestria em veículos antigos.
– Rodrigo “Rodrigão” Accioli (amigo) que perdeu alguns finais de semana conosco sempre dando uma força.
– José Carlos Gasparetto da Upgrade Customs de Porto Alegre, RS (amigo e preparador) que nos deu dicas valiosas.
– Alisson Guedes (amigo e proprietário de um Brasília 1976 impecável), conversávamos quase todos os dias a respeito do projeto e trocávamos experiências.
Um abraço a todos!
Agradeço ao Luciano por mais esta participação nesta coluna. Todas as fotos desta matéria foram enviadas por ele.
AG
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