O esporte motor brasileiro entristeceu-se no dia 1º de outubro último pelo falecimento de Bird Clemente, um astro e atração como como piloto de corridas e ser humano. Embora famoso por suas virtudes pessoais e esportivas, sempre valorizou os amigos e os via como seres importantes.
Para ele, cada amigo era um astro e não ele porque os valorizava fortemente e sua maior satisfação era recebê-los em sua residência, na Granja Viana, em São Paulo, acompanhado de sua doce esposa, Maria Luiza, que se esmerava para que todos se sentissem muito felizes e transmitissem esse sentimento ao seu marido.
Bird Clemente foi um piloto a quem Deus reservou virtudes importantes. Foi o primeiro piloto profissional brasileiro, com salário e direito a um carro para uso pessoal para transmitir a mensagem de que, se ele o usasse, era porque tinha qualidade.
Ao assinar o contrato logo provocou surpresa, por se transferir da Vemag para a Willys, logo convencendo a diretoria diretores da fabricante que o contratou de que o benefício que iria receber deveria também ser estendido aos outros pilotos da equipe. Na opinião de Bird, não deveria haver benefícios diferenciados e considerava que os companheiros precisavam receber tratamento idêntico.
Nas pistas, Bird Clemente inovou o estilo de pilotagem. Teve a sensibilidade de identificar que a tração e o motor traseiros dos carros de corrida da Willys permitiam uma forma diferente de pilotagem em comparação com os tradicionais automóveis da época, o que o ajudou a fazer curvas com acentuada derrapagem controlada e, também, até a reduzir o uso dos freios, resultando em estilo empolgante de pilotar para admiração e entusiasmo do público.
Inteligente e criativo, quando a Willys lançou um programa denominado “Cirquinho”, usando os pilotos em exibições públicas de habilidade e demonstração de corridas em cidades do interior de São Paulo e em outros estados — nos fins de semana quando a equipe Willys não estava competindo —, Bird inventou o cavalo de pau de 360 graus, em que o piloto provoca uma derrapagem de giro completo na pista e continua o percurso.
Os shows, por um bom tempo, foram disputados por concessionários porque atraia grande público, com espectadores em cima de muros e árvores para assistir à exibição.
Essa habilidade era a principal atração dos shows da Willys que despertaram o desejo de prefeitos, políticos e empresários importantes das cidades a sentirem as emoções provocadas pelos pilotos.
Bird também foi a principal atração do recorde mundial de resistência do Renault Gordini em sua classe, que a Willys promoveu por ideia do publicitário e jornalista Mauro Salles para demonstrar a resistência do automóvel na distância de 50 mil quilômetros no Autódromo de Interlagos.
Nessa tentativa, Bird capotou o carro nos primeiros dias da prova. E, por não ter afetado nenhum sistema importante, o automóvel seguiu para quebrar o recorde mundial, mesmo inteiramente amarrotado e sem para-brisa e nenhum vidro para proteção da chuva e do vento. Essa valentia e ousadia valeu ao modelo Willys o nome de Teimoso, utilizado posteriormente para a versão popular do Gordini por ter seguido na prova mesmo completamente deformado.
Para o evento, a Willys recapeou todo o anel externo de 3.200 metros do circuito paulistano e construiu nova estrutura de boxes. O desafio começou no dia 26 de outubro de 1964 e dez pilotos, incluindo Bird Clemente, passaram 22 dias em Interlagos andando com o Gordini praticamente sem descanso. No final, completaram 51.233 quilômetros, com a média global de 97 km/h, fazendo história para a indústria nacional.
“Eu, o Moco [José Carlos Pace], Chico Lameirão, Danilo de Lemos, Carol Figueiredo, Wladimir Costa, Luiz Pereira Bueno ficamos morando em Interlagos por 22 dias. Tínhamos refeitório, dormitório, sala de lazer…” comentou Bird.
Como piloto, Bird foi vencedor das principais corridas brasileiras, como Mil Milhas Brasileiras, 24 Horas de Interlagos e 25 Horas de Interlagos (esta na companhia de seu irmão Nilson e do gaúcho Clóvis de Morais), e também o Grande Prêmio Air France, no Uruguai, onde conseguiu vencer mesmo contra adversários com carros mais potentes.
Na década de 1970, Bird Clemente decidiu quebrar o recorde brasileiro de velocidade — em poder de Norman Casari, 212,903 km/h com o Carcará da Vemag em 29/06/1966 — e, com o apoio da revista Quatro Rodas e do jornalista especializado Expedito Marazzi, usou a rodovia Castello Branco. Foi a segunda marca de velocidade do automobilismo brasileiro, com 232,510 km/h no primeiro sentido, mas que não pôde ser homologada como recorde oficial por pane no equipamento de cronometragem o que impediu a segunda passagem em sentido oposto, obrigatória pelo regulamento da FIA..
Ao se aposentar das pistas, dedicou-se ao desenho e à literatura, com o lançamento em 2007 do seu livro “Entre Ases e Reis” e à produção de retratos de outros pilotos e de alguns profissionais do automobilismo, entre os quais fiz parte de sua coleção.
LCS
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