Com base no conhecimento adquirido com os carros de teste da série VW 3, Ferdinand Porsche já havia projetado um sucessor em 1936 e 1937, um carro de pré-série, do qual 30 unidades foram construídas na fábrica de carrocerias da Daimler-Benz na cidade de Sindelfingen, perto de Stuttgart. Esses veículos receberam a designação interna VW 30 e eram muito parecidos com a versão posterior, que viria a ser a definitiva do Volkswagen.
A foto abaixo foi tirada na frente da “Villa Porsche”, localizada na rua Feuerbacher Weg em Stuttgart, que foi ao mesmo tempo a residência, escritório de projetos e oficina de Ferdinand Porsche. Hoje ela é um museu. Foi lá que o projeto do Volkswagen foi iniciado e feito em grande parte.
Todos os 30 Volkswagens da série VW 30, 29 sedãs, estranhamente sem janela traseira, e um cabriolé, tinham carrocerias totalmente em aço aparafusadas ao já familiar e comprovado chassi de tubo central. Os motores usados eram os boxer de quatro cilindros, agora testados para uso em rodovias, arrefecidos a ar, com cilindrada de 985 cm³ (70 x 64 mm) e potência de 23,5 cv a 3.000 rpm.
Falando um pouco do projeto da série VW 30, abaixo vê-se o desenho de seu chassi completo. Este era o sétimo desenvolvimento do chassi, apresentado em 25 de setembro de 1936 como Sk 1779 (K3460), formou a base para os próximos 30 carros. Em comparação com o chassi anterior, havia uma série de diferenças, sendo a principal delas perto da cabeça do chassi que agora era muito mais forte. Este chassi tinha um motor E60 – conforme havia sido definido anteriormente.
Legenda:
Spurweite – bitola
Radstand – distância entre eixos
Fahrgestell – chassi
A carroceria do W 30 foi mostrada com alguns detalhes no relatório de teste do V3 (um teste de 50.000 km realizado anteriormente, cujo resultado balizou a elaboração do projeto da série VW 30). O desenho abaixo mostra as dimensões externas dos VW 30: 3.850 mm de comprimento, 1.500 mm de largura e 1.490 mm de altura. Distância entre eixos mantida em 2.400 mm. O projeto previu o uso de uma chapa de 0,7 mm de espessura — para economizar no peso final da carroceria, o que levou à necessidade de uma série de nervuras de reforço. Mas, no fim das contas, como as carrocerias foram feitas à mão foi necessário usar chapa de 1,0 mm de espessura (devido ao processo de conformação da chapa).
Legenda:
Spur (weite): bitola
Vorn: na frente
Hinten: atrás
As dimensões interiores foram listadas pela primeira vez em um desenho, conforme abaixo, e mostraram o espaço generoso previsto para todos os passageiros. Era apenas um pouco menor que o V 3 que tanto impressionou os membros da RDA – Reichsverband der deutschen Autoindustrie – Associação da Indústria Automobilística Alemã do Reich.
Do projeto para a realidade:
Este chassi do VW 30 provavelmente foi entregue na Villa Porsche pela Daimler-Benz em dezembro de 1936. Os lados das placas de base do chassi ainda eram paralelos e as ranhuras de reforço eram estampadas longitudinalmente. O motor E60 existia na sua 2ª ou 3ª versões.
Nesse ínterim, a primeira carroceria da fábrica da Daimler-Benz em Sindelfingen chegou à Villa Porsche. O capô dianteiro ainda era muito pequeno, o que gerou novas reclamações de motoristas que machucavam os nós dos dedos ao tirar o estepe. Estes dois componentes, chassi e carroceria foram montados na oficina da Villa Porsche, o que acabou sendo o único VW 30 montado fora da Daimler-Benz.
A suspensão dianteira independente consistia de dois braços arrastados superpostos com os respectivos feixes de lâminas de torção atuantes para os dois lados. A suspensão traseira, também independente, era por um semieixo oscilante de cada lado com barra de torção atuada por um braço-lâmina fixado no semieixo que tinha também a função de localização longitudinal da roda. Os amortecedores dianteiros eram telescópicos e os traseiros hidráulicos do tipo joelho. Os freios a tambor eram mecânicos.
Curiosamente um dos carros tinha freios hidráulicos “estilo Porsche” para teste, mas esta alternativa não pôde ser usada porque este tipo de freio era coberto por uma patente da companhia inglesa Lockheed, cujo uso foi vetado, já que o carro “tinha que ser totalmente alemão…”
O painel dos carros W30 era simples e continha um instrumento central e dois porta-luvas. O motor do limpador de para-brisa ficava dentro do carro e os limpadores eram interligados por uma haste externa:
A parte interna traseira do carro parecia um pouco escura porque as janelas laterais eram bem pequenas. Nesta versão foram privilegiadas as portas, que ficaram maiores, inclusive com a coluna central bem inclinada para dar mais espaço de abertura. Mas com isto sobrou pouco espaço para as janelas traseiras que ficaram realmente pequenas. Os bancos dianteiros inclinavam-se inteiros para a frente para dar acesso ao banco traseiro, e seu apoio girava em torno da barra à qual estavam fixados. As portas ainda se abriam para trás (estilo “suicida”), Coisa que veio a ser mudada, pois Porsche em sua viagem de estudos aos Estados Unidos notou que a tendência lá eram portas que abriam para frente. Aliás, o relato desta viagem de Porsche aos EUA é muito interessante e eu devo apresentá-lo futuramente.
O motor usado foi o último da série E, com cilindrada de 985 cm³ e potência de 23,5 cv. Já se pareciam com os motores Volkswagen dos próximos anos. Observe os tubos de admissão duplos e a ponteira de escapamento achatada (tipo bico de pato):
Quando instalado, o motor parecia minúsculo devido ao design da traseira. Havia uma simples parede de chapa metálica com uma pequena janela entre o compartimento do motor e a cabine. O nível de ruído deve ter sido muito alto dentro deste carro.
Através da pequena janela de vidro era por onde o motorista tinha a visão para trás do carro através de um espelho retrovisor fixado no painel do carro. As venezianas da tampa do motor eram feitas de tal forma que elas permitiam ver através delas. Acho que esta explicação atende a muitas dúvidas que vocês tinham sobre a visão para a traseira deste modelo. E mesmo sendo uma visão limitada o carro não tinha espelho retrovisor externo.
Aliás, este detalhe aparece na outra direção na foto de abertura, olhando da frente para trás. Esta foto mostra uma réplica recente que a Volkswagen alemã mandou fazer de um VW 30 para preencher uma lacuna histórica em seu acervo.
Os VW 30 foram fabricados pela Daimler Benz, inicialmente por um contrato da RDA, sob cuja gestão foi iniciado o projeto do Volkswagen, segundo o contrato assinado com a empresa de Porsche no dia 22 de junho de 1934.
Mas depois a situação política se modificou e com o aumento dos custos os recursos passaram a vir da DAF – Deutsche Arbeitsfront – Sindicato Geral dos Trabalhadores alemães, canalizados através da KdF – Kraft durch Freude (Força Através da Alegria – divisão ideológica da DAF) que tinha constituído a GEZUVOR – acrônimo em alemão para Sociedade para preparar o Volkswagen Alemão. Esta última assumiu os custos de projeto do carro e da construção da fábrica, em Fallersleben, depois Wolfsburg. A DAF tinha muito dinheiro vindo das contribuições sindicais “voluntárias”, portanto quem pagou tudo isto foi o dinheiro do trabalhador alemão…
O megateste de quase 3 milhões de quilômetros
Sim, era para que fossem rodados 100.000 km por caro, para 30 carros seriam os 3 milhões de km, mas acabaram sendo 2,4 milhões, pois houve carros que se envolveram em acidentes maiores e foram retirados do teste e carros também acabaram sendo usados para fins de demonstração, etc.
Um dos exemplos de VW 30 cuja participação no teste acabou sendo temporariamente desviada foi do carro 14. Em novembro de 1937, ele recebeu uma nova pintura vermelho escuro e foi levado para Berlim. Mas primeiro ele ganhou novos para-choques cromados e até para-barros nos para-lamas dianteiros
Outro exemplo: o carro 22 nada mais era do que o protótipo V2 cabriolé com uma nova carroceria de aço e uma dianteira reconstruída. Também foi utilizado no teste dos VW 30, mas apenas como veículo de demonstração e no final do teste tinha menos de 12.000 km rodados:
Os carros de teste tinham uma variedade de instrumentos de medição adicionais. Nesta foto você pode ver instrumentos que medem detalhes sobre a direção e a suspensão:
Os testes com os veículos da pré-série VW 30 começaram por volta da Páscoa de 1937. Um total de 120 homens da SS (esquadrão de assalto) atuaram como motoristas, eles foram especialmente selecionados e designados para esse fim.
O quartel de blindados de Kornwestheim, perto de Stuttgart, foi escolhido como base e como sede do teste. Havia garagens suficientes e instalações de manutenção adequadas, o que era essencial para o bom funcionamento dos testes de resistência em condições cotidianas.
O principal teste foi a confirmação da estabilidade dos motores agora num desafio mais amplo, já que eles deveriam ser seguros em rodovias e capazes de sustentar velocidades contínuas de até 100 km/h sem superaquecimento. Os circuitos de teste compreendiam autoestradas, estradas secundárias e passos de montanha.
O teste dos VW 30 funcionava sob o mais estrito sigilo, protegido do público, que muitas vezes tinha ouvido falar do Volkswagen, mas nunca tinha visto um. Cada participante do teste teve que assinar um documento que o obrigava a permanecer em silêncio sob ameaça de punição.
Uma cena do cotidiano, o carro 7 que participou do teste alpino em meados de setembro de 1937. Aqui está ele durante o teste de combustível e carburador no topo do Passo Katschberg, que era um dos mais íngremes da Áustria:
Embora a SS tenha desempenhado um papel importante nos testes da série VW 30, há muito poucas fotos de sua participação. Aqui está uma foto rara de membros da SS, fardados, junto do carro 27 e outros em um teste alpino:
No total, os VW 30 de pré-série percorreram quase 2,4 milhões de quilômetros de teste sem nenhum defeito grave. Cada viagem foi meticulosamente registrada e serviu de base para cálculos posteriores de custos operacionais e ajustes na versão definitiva do Volkswagen.
A produção dos 30 veículos da série VW 30 e a realização do teste custaram cerca de 1,7 milhão de RM, uma quantia muito alta para a época. Entretanto, como sabemos hoje, o Volkswagen projetado por Ferdinand Porsche provou estar muito à frente de seu tempo.
Após o teste os carros foram armazenados na Porsche e na Schwabengarage. Em outubro de 1942 eles foram reunidos no pátio das instalações da fábrica da Porsche em Zuffenhausen para serem conjuntamente destruídos. É possível que a marreta no centro da foto fosse apenas simbólica para o fotógrafo:
Com isto concluímos este relato desvendando as características dos protótipos VW 30 incluindo seu megateste. Até então nenhum carro tinha sido testado nesta profundidade. Certamente isto resultou na qualidade final de um carro que, passada a guerra, conquistou o mundo.
AG
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