Com algum atraso, quero hoje falar sobre o falecimento de Ewy Rosqvist-von Korff, ocorrido no dia 4 de julho, aos 94 anos. Já falei aqui sobre esta incrível piloto de rali e de corridas de estrada sueca, pois merece muito que lembremos de seus feitos. Ewy ganhou quatro vezes o troféu feminino do Rali dos Mil Lagos, na Finlândia e outras provas em seu próprio país. Ganhou também o Campeonato Europeu de Rali em 1959, 1960 e 1961. Mas o feito mais notável, na minha opinião, foi a vitória no Grande Prêmio de Turismo Standard da Argentina, em 1962.
A prova para carros da categoria Turismo, mais exatamente, o VI Gran Premio Internacional Standard Supermóvil YPF, era uma duríssima prova de velocidade em estrada fechada ao trânsito que teve como detalhe singular o fato de ter sido vencida por uma dupla feminina: a piloto Ewy Rosqvist-von Korff e a copiloto, a também sueca, Ursula Wirth (nascida em 1934 e falecida em 2019).
A prova era de 4.626 km, pelo centro e norte da Argentina. Começava em Buenos Aires, seguia para Villa Carlos Paz, San Juan, Catamarca, Tucumán, Córdoba e voltava a Buenos Aires. Havia um dia de descanso ao final de cada etapa. Dos quatro Mercedes que participaram, somente o da dupla feminina completou a prova. Ewy e Ursula venceram na classificação geral com um Mercedes-Benz 220 SE e chegaram incríveis 3 horas, 8 minutos e 25 segundos à frente do segundo colocado.
Essas provas eram tão difíceis que esta em especial foi concluída por somente 43 carros dos 258 que efetivamente largaram (embora houvesse 286 inscritos, em sete diferentes classes). As duas mulheres também quebraram o recorde de velocidade ao atingir a média de pouco mais de 126 km/h nessas dificílimas condições de rodagem. A dupla venceu todas as seis etapas da prova (o que até então era algo inédito), que tinham trechos entre 515,4 e 863,5 quilômetros; bateu o recorde de velocidade (era de 121 km/h e as suecas o elevaram para 126,87 km/h). Como disse, mais de 3 horas depois chegou o segundo colocado, Boris Garafulic Gastipic/Hans Kawert, com Volvo122 S.
Nos anos seguintes, Rosqvist ficou em segundo e terceiro lugares (em 1963 e 1964 respectivamente) no mesmo Gran Premio Standard, mas com domínio ainda dos carros da esquadra alemã. Em 1963 e 1964, Eugen Böhringer e Klaus Kaiser foram vitoriosos com modelos Mercedes-Benz 300 SE. Em 1963, Ewy Rosqvist terminou em terceiro lugar mais uma vez com Ursula Wirth como copiloto num 220 SE, e em 1964 ela novamente garantiu o terceiro lugar, desta vez com Eva-Maria Falk num 300 SE.
Pessoalmente, sempre acho que há detalhes na história de cada um que parecem realmente coisa do destino. Então, voltemos um pouco no tempo para lembrar que Ewy não estudou para ser piloto, mas sim Agricultura e era assistente de veterinária numa família de agricultores. Ela ia de carro de uma fazenda a outra, e visitava até oito fazendas por dia. No total, Ewy percorria cerca de 200 quilômetros por dia, sempre por estradas de terra e a maioria pouco mais do que picadas, como conta no seu livro “Fahrt durch die Hölle” (“Dirigindo através do inferno”, numa tradução livre). Preocupada em conduzir o mais rapidamente possível pelos caminhos para completar seus deslocamentos e conseguir dar conta de todas as saídas, ela começou a registrar os tempos que fazia com seu carro e a andar cada vez mais rápido.
Em 1954, Ewy se casa com o engenheiro sueco Yngve Rosqvist e se muda para Skurup, onde continua trabalhando como assistente de veterinária. O marido e o sogro de Ewy eram pilotos — o marido havia participado de algumas corridas e o sogro, apaixonado por ralis, já havia feito várias provas de moto. Foi em 1954 que Ewy participa do Rali do Sol da Meia-Noite, seu primeiro rali, com o marido e o sogro — ela no papel de o “terceiro homem”, como era chamada a terceira pessoa, em épocas em que não havia preocupação com gênero. Felizmente, Ewy não desistiu nesta sua primeira incursão, pois nos primeiros 1.000 quilômetros receberam uma penalização que os mandou para o final da tabela de classificação. Para piorar, na última etapa e já bem perto da bandeira quadriculada, tiveram um pneu furado.
Ewy chegou a dirigir o carro em algumas etapas intermediárias da prova e apesar do resultado final ser desanimador, ela já era apaixonada por velocidade e por ralis. Treinou muito, tendo o marido como companheiro, e em 1956 estreou como piloto ao lado de Majbritt Clausson, sua copiloto — novamente, no Rali do Sol da Meia-Noite. Outra vez uma série de problemas mecânicos as fizeram abandonar, mas ela continuou participando de outras provas menores, com resultados variáveis, quase sempre em dupla com a cunhada, Anita Rosqvist — uma não muito boa piloto, segundo Ewy, mas brilhante como copiloto. Tudo bancado por ela mesma com sua receita de assistente de veterinária.
Mas enquanto a vida profissional ia cada vez melhor, o casamento acabava. Em 1960, Ewy assina contrato para dirigir pela Volvo e dois anos depois, a Mercedes-Benz compra seu contrato e ela começa a correr pela fábrica alemã, dando início à etapa internacional de sua carreira. Ganha o Rali do Sol da Meia-Noite em 1959, 1960, 1961 e 1962, posteriormente batizado como Rali da Suécia. Ewy também alcançou vitórias na classe 2,5 litros no Rali de Montecarlo e em Nürburgring. Depois do divórcio de Rosqvist, em junho de 1964 ela se casa com o diretor da Mercedes, Alexander von Korff, então chefe da divisão esportiva da fábrica.
Ewy parou de participar de grandes corridas depois que a Mercedes-Benz desmontou sua equipe de rali em 1965 quando ficou claro que os novos fabricantes tinham carros mais leves, tornando o Mercedes relativamente pesado e bem menos competitivo. Ewy Rosqvist recebeu uma proposta para pilotar pela Audi, mas optou por encerrar sua carreira em corridas de primeira linha, fazendo, no entanto, participações em outras provas.
Ewy parou de competir, de fato, em 1967, mas seus troféus e carros de corrida estão em exibição no Museu da Mercedes-Benz em Stuttgart, onde trabalhou por muitos anos como guia e piloto de testes para os novos modelos da Mercedes.
Com a morte de von Korff em 1977, Ewy ficou mais uns anos na Alemanha, mas acabou voltando para a Suécia, onde conheceu Karl Gustav Svedberg, chefe da empresa Philipson Bil AB, importadora e revendedora de automóveis Mercedes-Benz, e viveram juntos até a morte dele, em 2009. Ewy continuou participando de diversos eventos ligados ao automobilismo como convidada de honra até sua morte, há quase um mês. Certamente, uma pessoa a ser muito bem lembrada. R.I.P. Ewy Rosqvist-von Korff.
Mudando de assunto (mas não muito); vou repetir uma dica que já dei neste espaço, mas que vale a pena. No Youtube tem um curto filme com imagens da prova e com comentários da própria Ewy https://www.youtube.com/watch?v=NAMo2QHGs2E
NG
A coluna “Visão feminina” e de exclusiva responsabilidade de sua autora.