Caros leitores, continuo contando minha viagem de carro pelo Reino Unido. Hoje chegamos à Irlanda do Norte.
Da Irlanda, na charmosa cidade de Galway com sua animada vida noturna, seguimos rumo norte. A fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte se estende por quase todo o litoral oeste da ilha e foi por lá que nós seguimos. Saímos de manhã de Galway, pois o caminho até à Calçada dos Gigantes é longo (uns 360 quilômetros, mas vencidos em 5 horas, no mínimo) e, como tudo no Reino Unido, a entrada ao lugar é até umas 15h30 ou 16h00 apenas.
Aliás, uma das maiores dificuldades nesta viagem foi conseguir encaixar visitas a museus, igrejas, castelos e mesmo lugares a céu aberto dentro dos apertados horários de funcionamento. Tudo fecha muito, muito cedo, incluindo restaurantes, mesmo numa época do ano em que há luz de dia até as 22h00 (ou 23h00, como nos aconteceu na Escócia).
Conseguir jantar antes das 19h00 era uma façanha — e por 19h00 me refiro ao horário de fechamento de boa parte das cozinhas nos restaurantes — ou seja, tudo tinha de ser pedido e servido antes dessa hora. Alguns restaurantes e muitos bares ficam abertos até 23h00, mas apenas para bebidas “prontas”, como cerveja, chope ou uísque. Sequer um café ou uma porção de amendoim se consegue depois de fechada a cozinha.
Bom, voltemos à viagem. A estrada N17 é, mais uma vez, excelente. Mesmo não tendo muitas faixas (a maior parte é de uma ou duas em cada sentido), o asfalto e a sinalização são impecáveis. E as paisagens então, belíssimas. Para podermos chegar à Calçada, optamos pelo caminho que não vai o tempo todo pelo litoral, que nos levaria ainda mais tempo, mas fiquei com vontade de fazê-lo numa próxima viagem já que nas partes que nosso caminho bordeava o mar os cenários eram lindíssimos.
A chegada à Irlanda do Norte, vindo da Irlanda, é quase imperceptível. Se não fosse pela mudança nos limites de velocidade, que voltam a ser em milhas por hora, e pela moeda, que volta a ser a libra esterlina, não se nota nada de diferente. Bom, pelo menos não para nós que não conseguimos distinguir o irlandês gaélico do Ullans (ou scot-irlandês ou escocês do Ulster, um dialeto que ainda é falado na Irlanda do Norte e em algumas regiões da Irlanda).
Como em todo o Reino Unido, o inglês é amplamente falado e não encontramos ninguém que não tivesse fluência na língua de Shakespeare, embora o sotaque tenha apresentado algumas dificuldades, bem superiores às da Irlanda. Mas nada muito mais complicado do que pedir para repetir algo e, na segunda vez, conseguíamos entender. Ou eu achei que sim, já que me deram as respostas de que precisava.
O percurso, já na Irlanda do Norte, nos fez atravessar algumas florestas, como a de Ballykelly pela estrada A2 (foto acima), e o Parque Nacional de Binevenagh. Em diversos trechos, a A2 tem apenas uma faixa em cada sentido e não há acostamento, mas todo mundo anda bastante rápido, sempre acima dos 80-90 km/h. Isso também na A37, já bem no norte da Irlanda do Norte (foto mais abaixo).
Como nos aconteceu em vários outros lugares, não há indicações da Calçada dos Gigantes – encontramos as primeiras placas talvez uns 2 quilômetros antes. Ou seja, você tem de acreditar no Waze ou saber para qual direção você vai – Norte, Sul, Leste ou Oeste. E, mesmo ao chegar ao lugar, a placa que indica o centro de acolhimento nos mandou para um caminho desnecessário de mais uns 8-10 quilômetros. O lado bom foi que fomos parar numa estradinha minúscula lindíssima e onde paramos para perguntar a um senhor que estava plantando flores no jardim e foi supergentil de nos indicar o caminho correto.
Outra curiosidade é que para chegar à Calçada dos Gigantes passamos pela charmosa Bushmills, uma pequena vila de menos de 2.000 habitantes que é usada como apoio para quem vai à Calçada (onde não há absolutamente nada) e é um dos mais importantes lugares de destilação de whiskey irlandês graças ao rio Bush, que atravessa o lugar. Da incrivelmente linda Calçada dos Gigantes, seguimos rumo a Belfast, a capital da Irlanda do Norte.
O caminho é ótimo, pela A26 e a distância é pequena, menos de 100 quilômetros, feitos em pouco mais de uma hora de estrada. A chegada a Belfast proporciona vistas lindíssimas (foto de abertura).
Quando chegamos a Belfast optamos por deixar o carro no estacionamento do hotel pelos dias que ficamos lá. Estávamos muito bem hospedados numa localização onde fazíamos tudo a pé. Aliás, um dos melhores passeios que fizemos em toda a viagem foi um tour a pé de duas horas e meia chamado “Tour do Terror”. O nome assusta, mas vale muito a pena para conhecer a triste história deste lindo país.
Estivemos nos principais pontos onde os conflitos entre católicos e protestantes aconteceram e onde houve atentados (a maioria a bomba) cometidos pelo IRA (sigla de Exército Republicano Irlandês). Muito, muito triste, mas das melhores coisas que fizemos — especialmente porque os irlandeses do Norte não falam sobre esse período de conflitos, não há estátuas, monumentos, museus, nada. Sequer placas que indiquem o que aconteceu nos lugares mais importantes. Tudo por opção deles.
Não julgo, já que o equilíbrio nesse assunto é extremamente precário e, de fato, vivem numa espécie de trégua ainda débil e qualquer coisa pode acender o pavio novamente, tanto que nosso guia era absolutamente neutro nas informações. Em nenhum momento tomou partido de nada ou julgou algo. Sequer soubemos se era católico ou protestante, apenas nos contou que era casado e que um dos dois era católico e o outro protestante.
Nas nossas andanças por esta cidade que me fascinou, vimos cenas comuns em outros lugares do Reino Unido: muitas caminhonetes e furgões de entregas, estacionadas em qualquer lugar, inclusive sobre a calçada. Os pedestres apenas desviam e andam pela rua e ninguém reclama. A cidade é muito dependente de carros, mas tem uma rede de ônibus e bondes bem razoável.
Também encontrei muitos lugares de aluguel de bicicleta e muitas pessoas pedalam, mas de longe o meio de transporte mais usado na cidade são de carro e a pé. Não achei dados muito recentes, mas há cerca de uma década, 77% de todos os deslocamentos eram feitos de carro, 11% em transporte público e 6% a pé. Curiosamente, apesar de haver uma rede ferroviária fora da capital (não muito extensa), não há muitas opções de trens dentro e próximo de Belfast. E os trens não transportam cargas, apenas passageiros e são estatais.
Apesar de o sistema de transportes coletivos incluir a palavra “Metro” na verdade não há linhas de metrô em Belfast, algo que muitas vezes confunde os turistas. O “metro” se refere ao sistema de ônibus e bondes apenas – os ônibus são todos cor de rosa, então fica fácil distingui-los.
As bicicletas podem ser alugadas em alguma das 30 estações do centro de Belfast. A primeira meia hora de cada viagem é grátis e a partir daí há várias formas de pagamento, mas 30 minutos custam 1 libra esterlina (R$ 7,00) na modalidade mais cara.
Em Belfast estivemos num dos dois pubs mais lindos de toda a viagem (o outro foi em Dublin, como já contei neste espaço) . Como já reconheci, estivemos em muitos pois acho que, além de serem muito legais, é uma experiência que faz parte de qualquer viagem ao Reino Unido. O Dirty Onion funciona num local construído em 1680 que foi usado como depósito durante muitos anos e tem ótima música ao vivo, excelentes bebidas e um ambiente descontraído e divertido – como, aliás, são os irlandeses do Norte.
De Belfast, fomos de ferryboat para a Escócia, sobre a qual falarei semana que vem. Assim como a travessia de Gales para Dublin, a de Belfast para Cairnryan é organizadíssima e tudo funciona com precisão e pontualidades típicas do Reino Unido. Novamente, fomos num ferryboat gigantesco..
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Desta vez fomos encaminhados para o deck mais baixo e para minha felicidade, meu marido dirige muito bem e é ótimo de manobra, pois foi tudo muito difícil e o espaço muito apertado – embora haja muitíssimas pessoas indicando e ajudando na manobra, o espaço era realmente pequeno.
A pergunta de sempre: vale a pena ir à Irlanda do Norte? Sem dúvida. Além dos cenários naturais, que até serviram para muitas locações da série Game os Thrones, há Belfast – uma cidade lindíssima, cheia de história, vibrante e, ainda por cima, com irlandeses do norte divertidos e cultos. Mais uma vez, digo: para aproveitar melhor esta viagem, vá de carro. Há muitos lugares para visitar, muitos locais para parar à beira da estrada para curtir o visual e tirar lindas fotos… É um pouco mais complicado e mais caro, mas compensa muito.
Mudando de assunto: a F-1 parece se superar a cada corrida em termos de emoção. Esta tem sido uma temporada fantástica para quem, como eu, gosta de boas disputas e estratégias. Antes mesmo de começar o período de férias de meio de ano já me preocupo com a síndrome de abstinência.
NG
A coluna “Visão feminina” é de exclusiva responsabilidade de sua autora.