Depois de 17 anos sem um único acidente aéreo de grandes proporções protagonizados por uma companhia aérea brasileira, tivemos o terrível e triste acidente ocorrido com o ATR-72 da VoePass.
Na aviação, há um ditado que “quando um sai da rota, todos sentem” então, qualquer acidente aéreo é sentido por todos e, este em especial, além de encerrar um ciclo de 17 anos sem um acidente fatal envolvendo uma aérea brasileira, ocorreu sobre um centro urbano, sendo filmado em diversos ângulos e, por consequência, pode ser registrado, além da queda da aeronave, a expressão de susto, horror e os instantes seguintes dos destroços em chamas….sob vários ângulos.
E como acontece em todos os acidentes aéreos, quando uma aeronave cai, os urubus decolam… E os urubus nesse caso são a imprensa em geral, que acaba mostrando a sua face mais sinistra, mórbida, bizarra e ignorante em todos os aspectos, a ponto de dar vontade de entrar dentro do monitor do televisor e literalmente mandar o “jornalista” (com J minúsculo) calar a boca e ter respeito com o acidente e com o sofrimento daqueles que perderam familiares.
Olham a tragédia como verdadeiros urubus a espreita de uma carniça para morder. Não sem importam com aqueles que suas ações afeitam. O importante são cliques, pontos no Ibope e dane-se o resto.
O sensacionalismo
O SBT, no final da tarde do acidente, em meio à transmissão ao vivo, colocou um letreiro “Piloto desviou das casas”. Sem, de maneira alguma, desmerecer o trabalho do Comandante Romano, uma aeronave em parafuso chato não permite maiores deslocamentos de trajetória. Então falar em desvio proposital é, no mínimo uma bizarrice.
O mesmo foi feito no acidente do Voo 402 da TAM, em 31 de outubro de1996, quando saiu, no Jornal Nacional, que o comandante teria dito “estou desviando da escola”. Puro sensacionalismo, em busca de criar uma comoção e aumentar a audiência em cima de uma tragédia onde envolvidos sofrem.
Por falar em Jornal Nacional, a edição de sexta-feira fizeram um escrutínio em cima das aeronaves ATR, tentando passar uma pseudo-seriedade na matéria, como se fosse imparcial, reproduzindo vídeos anteriores envolvendo outros acidentes com a aeronave. Absurdo total.
A Record, por sua vez, colhia depoimento de populares falando que viram a aeronave caindo fazendo barulhos no motor, dando “pipocos”, etc. Não que isso não possa ter valor na investigação, mas somente esses profissionais poderão destilar aquilo que faz sentido daquilo que é efeito da queda da aeronave ou mesmo do susto de quem assistiu a queda. O jornalista que fazia a entrevista, no calor do momento, eu honestamente, duvido muito.
Irresponsabilidade
Mereceu destaque aquilo deve ser considerado uma irresponsabilidade de diversos meios de comunicação: Divulgar trechos de uma audiência publica onde um Comandante da VoePass falando em pressões dos diretores da companhia para voar.
Sem desconsiderar o que está gravado em áudio e vídeo na audiência pública, cabe aos investigadores determinarem as condições de trabalho que os pilotos estavam envolvidos e se elas contribuíram ou não para o acidente. À parte disso, o resto é especulação e questões empresa-funcionário que podem ser específicas ou comuns a um grupo e tem que ser abordado profissionalmente, e não ventilado por aí, por veículos de imprensa correndo o risco de destruir reputações.
Um acidente aéreo é o momento mais delicado que uma empresa do setor pode enfrentar. Acusar, sem ter provas, a empresa de promover cargas de trabalho excessivas, em cima de depoimentos, beira o absurdo e o irresponsável. Típico da imprensa brasileira que primeiro acusa e depois para de falar do assunto quando vê que é mentira. Que o digam os proprietários da Escola de Base que foram alvos de todo tipo de difamação e até hoje os veículos de imprensa jamais assumiram a responsabilidade pelo que fizeram com uma família inocente.
Esta em jogo o prestígio de uma empresa, de seus acionistas, o trabalho de quase mil pessoas e toda uma cadeia de empregos indiretos por ela gerada. Será ninguém pensa nisso? Ou os “cliques” valem mais?
“Os especialistas”
Nesses momentos as redações saem ligando para qualquer um que tenha o nome ligado a qualquer coisa e rotula “o especialista em aviação”, “o especialista em estudos de acidentes”, “o especialista em…”. Tem especialista para todos os gostos, idade, canais de imprensa, enfim, dá para cobrir tudo. Tem até “especialista” que “explicou” ser o avião a pistão feito para baixas velocidades, os jatos, para alta velocidade e os turbo-hélices em velocidades intermediárias. Saiu na Globo!!!!
E já que o assunto é os especialistas, um dos comentários que mais vi foi a (inútil) discussão do porquê o piloto não saiu do parafuso chato em que se encontrava a aeronave. Que para sair de um parafuso chato é preciso cortar o motor e espetar o nariz para baixo, enfim, fatos verdadeiros sem dúvida, técnicas corretas e padronizadas para qualquer aeronave em situações normais, mas, a pergunta que não cala: todos os que questionaram sobre o parafuso chato, alguma vez entraram em parafuso chato com um ATR e cheio de passageiros?
Também está tendo uma verdadeira histeria sobre a formação de gelo nas asas da aeronave. Jornalistas e “especialistas” viraram “doutores” em gelo em aviões. Só não falaram que o ATR tem sistemas de degelo nas asas, superfícies de comando e até na hélice. E se foi realmente o gelo que derrubou a aeronave, é preciso saber por que isso ocorreu. A parte isso, o resto é especulação.
Merecem aplausos
Em meio a um mar de ignorância e falta de ética, merece destaque o jornalista William Waack e seu espaço “Analise WW” na CNN. Assertivo no que fala e escreve, William Waack que também é piloto e proprietário de um Socata TBM-850, abordou com propriedade e de maneira técnica mas ao mesmo tempo compreensível ao público geral sobre o ATR e as condições meteorológicas, e entrevistou Laert Gouveia, um verdadeiro conhecedor e bastante atuante quando o tema é “segurança em voo”.
O youtuber Fernando De Borthole também merece aplausos por ter se manifestado de maneira ética e profissional, dizendo que até poderia falar sobre o assunto, mas tudo não passaria de especulação, e por isso preferiria ver o desenrolar dos fatos.
Assista ao vídeo em que o especialista em aviação Lito Sousa, do canal “Aviões e Música”, dá sua abalizada opinião — é mecânico certificado da aeronaves e piloto — sobre que pode ter acontecido e não o que aconteceu para ocasionar o acidente:
Aos familiares dos passageiros, pilotos e tripulação da aeronave da VoePass, acidentada sexta-feira ultima, nossos sentimentos de pesar e condolências de toda a equipe do AUTOentusiastas.
DA