Jim Farley foi à China conhecer os automóveis elétricos que ameaçam o mundo e voltou até com preocupações existenciais em relação à sua empresa. Ou de toda a indústria automobilística ocidental…
O que tirou o sono de Mr. Farley foi a extrema qualidade dos carros chineses, especialmente a tecnologia dos elétricos. “São melhores que os nossos” foi seu comentário ao voltar a Dearborn, cidade no estado de Michigan, onde está a sede da Ford. Ele dirigiu um automóvel da estatal Changan (não foi divulgado qual deles) tendo seu diretor financeiro, John Lawler, como passageiro. (a chinesa é parceira da Ford há muitos anos e já esteve no Brasil quando ainda se chamava Chana). Executivo-chefe e diretor financeiro se impressionaram com a dirigibilidade e o silêncio do carro (foto de abertura ilustrativa).
De volta aos EUA, ele pediu a importação de meia dúzia de carros chineses da Changan e outras marcas (inclusive o Xiaomi SU7) para que o conselho e a diretoria da Ford em Dearborn também percebessem a qualidade destes asiáticos. Mais sono perdido…
O que Farley não sabe, ou pelo menos não comentou, foi o motivo de os carros chineses terem virado a chave tão rapidamente, pois não transmitiam a menor confiança há cerca de dez anos. Os primeiros que desembarcaram no Brasil na década de 2010 chegaram a ser ridicularizados tão baixa sua qualidade. E ainda ostentavam o nada honroso título de “estilo xerox” pois vários deles eram cópia escarrada e descarada de veículos europeus. No Brasi,l por exemplo, foi comercializado o Lifan 320, idêntico ao inglês Mini Cooper. A importadora até brincou ao expor o carro no Salão do Automóvel de São Paulo com um sósia de Mr. Bean…
Na verdade, não foram só os chineses, mas uma constante entre os asiáticos: os primeiros modelos exportados pelo Japão entre 1980 e 1990 também deixavam a desejar, até que sua qualidade ganhou excelência e se tornou padrão mundial. Uma década depois, na virada do século, foi a vez dos sul-coreanos se tornarem big players do setor. Mas, se Kia e Hyundai tinham qualidade duvidosa no início, também viraram a chave alguns anos depois e oferecem hoje qualidade internacional. Seu projeto de eletrificação está entre os mais avançados do mundo.
Os chineses também começaram mal e “adotaram” a estratégia do estilo CC (“copia-carbono”) dos japoneses, além da baixa qualidade dos produtos. Adotar a politica de fornecedores internacionais de alto padrão foi seu primeiro passo para subir a régua. Mas a tacada mais certeira foi contratar, na Alemanha, para consultor do Ministério da Industria e Comercio, um diretor da Audi. Que analisou a indústria chinesa e fez a seguinte recomendação ao governo: “Sua indústria está uma geração atrasada em relação aos ocidentais. E cada passo que vocês derem, eles terão evoluído também. Minha sugestão é de desenvolver agora uma pesada tecnologia dos elétricos — ainda muito lenta e incipiente no Ocidente — e saírem assim na frente de toda a indústria mundial.
O resultado está aí incomodando o mundo e a supremacia da tecnologia chinesa dos elétricos é indiscutível. A ponto de provocar insônia no CEO da poderosa Ford. Que aproveitou as noites mal dormidas para acelerar seus projetos de eletrificação, que vinham caminhando em marcha-lenta. Tanto que Farley iria lançar um elétrico barato (US$ 30 mil) para competir com os chineses, mas está repensando toda a sua estratégia. Inclusive a de só oferecer elétricos na Europa até 2030, pois eletrificação não significa apenas carros à bateria, mas também os híbridos.
Corre uma lenda de que Enzo Ferrari teria tirado o chapéu pela admiração por Henry Ford. Chegou a hora de a Ford tirar o chapéu para a indústria chinesa…
BF
A coluna “”Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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