Para entrar em sintonia com os compromissos de descarbonização do ar do planeta, o presidente Silva acaba de sancionar a lei “Combustivel do Futuro” que, entre outras medidas, aumenta o teor de álcool na gasolina e do biodiesel, no diesel. Cria também programas de diesel verde, do SAF (sustainable aviation fuel, combustível de aviação sustentável) e de biometano.
A legislação é pertinente, adequada e foi muito badalada pela imprensa, pois é um feito do governo a redução de emissões de CO2, um dos responsáveis do efeito estufa e —diz-se — das “mudanças climáticas”. Mas sua efetivação não é tão simples como parece, pois depende da solução de diversos problemas tecnológicos
E mais, será que o presidente Silva e sua entourage acham mesmo que o Brasil vai resolver o problema da Terra? Com uma frota que é 0,09% da mundial?
Álcool na gasolina – Em tese, para redução de emissões de CO2, quanto mais do derivado da cana-de-açúcar, tanto melhor. A adição de álcool à gasolina permitida era de 18% a 28%, até esta nova lei que mudou os percentuais para 22% até 35%. Mas desde que “comprovada a viabilidade técnica” desta mistura. Hoje, a gasolina recebe 27% do álcool, exceto a premium que mantem o antigo percentual pré-Dilma de 25%. A adição já foi testada até 30% pela Petrobrás, mas a nova lei — lembrando das tolerâncias —permitirá 37% de álcool. Que não será problema para os motores flex, que podem funcionar até com álcool puro. Mas será para o bolso do motorista, pois o carro vai rodar menos quilômetros por litro. E mais complexo nos motores a gasolina (os nacionais antes do flex e todos os carros importados), que não foram projetados para um percentual de quase 40% de etanol.
Solução: manter a gasolina premium com os atuais 25% de álcool, já utilizada pelos importados mas problemática para os donos de carros nacionais mais antigos por seu custo bem superior (cerca de 30%) ao da gasolina comum. Afeta também um grande volume de motos que não oferece motores flex, assim como os de motogeradores, de popa e de motosserras.
Biodiesel no diesel – Dentro da mesma ideia de substituir o combustível fóssil pelo “limpo”, quanto maior o percentual de biodiesel, tanto melhor. Desde março deste ano ele está em 14% (B14) e já prejudica os motores. E a nova lei ainda o aumentaria em 1% ao ano até atingir 20% em 2030. E poderia ir além deste percentual. Por ser higroscópico (absorver umidade) o biodiesel obtido a partir de vegetais (grãos) ou animais (sebo, gorduras) forma borra no fundo do tanque. E entope o que encontra pela frente: filtros, bomba, tubos, injetores. O problema é que os produtores do biodiesel utilizam um método antigo, da transesterificação, da década de 30. Mas se utilizam de todos os argumentos para defender seu produto (e faturamento…). Alegam que o biodiesel chega a 35% na Indonésia. Sem explicar que, lá, os motores diesel são obsoletos e não cumprem normas modernas de limite de emissões como as nossas. Não divulgam que em países do Primeiro Mundo há um consenso em limitar o percentual do biodiesel em 7%. Afirmam ser possível utilizá-lo até puro (B100), mas sem esclarecer que sob condições especiais, com fornecimento imediato do produtor para o veículo. Com o motor calibrado especialmente e aditivos específicos. E são quase insolúveis os problemas provocados em motores sem uso contínuo, como geradores de emergência, usinas termoelétricas, veículos das Forças Armadas, máquinas agrícolas na entressafra e tantos outros. Só jogando fora depois de algum tempo. Imaginem!
Solução – Entre várias delas, a mais viável é o “Diesel Verde”, um óleo vegetal hidrotratado (HVO – Hydrotreated Vegetal Oil), também obtido de vegetais e animais, que tem a mesma molécula do diesel (ou até melhor…) e não causa nenhum problema no motor, por não conter oxigênio. É um hidrocarboneto puro e, além de mais estável, não emite CO2 e reduz outros poluentes como material particulado, hidrocarbonetos (HC), monóxido de carbono (CO) e óxidos de nitrogênio (NOx). O problema é que ainda custa o dobro que o diesel fóssil. Mas o biodiesel também tinha este custo, há dez anos, e hoje apenas 20% mais. A maior dificuldade para a produção do HVO são os investimentos nos equipamentos para sua produção.
O próprio biodiesel pode ser uma solução, desde que tenha sua qualidade extremamente controlada. Por isso, o PMQBio (Programa de Monitoramento da Qualidade do Biodiesel), atribuído a laboratórios certificados para seu controle diretamente nos produtores. Já houve sensíveis melhorias, mas pelas dificuldades inerentes ao processo, é quase impossível garantir uma qualidade 100%.
E os motores diesel vão se entupindo pelas ruas e estradas, por maior que seja o cuidado tomado pelos motoristas e frotistas.
Resumo da ópera? Ninguém duvida de que o combustível de origem fóssil deva ser substituído por outros que reduzam sensivelmente a emissão de gases poluentes, em especial o CO2. Mas é um processo que exige tempo, tecnologia e investimentos. E não empurrado goela abaixo do consumidor de qualquer maneira.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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