Esta é a terceira contribuição do Emerson Gagliardi na coluna “Falando de Fusca & Afins”. Desta vez o relato percorre mais de 30 anos de paciente acompanhamento de um lindo Fuscão 1974 ocre Marajó.
DESEJO DE INFÂNCIA REALIZADO, RESGATE CONCLUÍDO
Por: Emerson Gagliardi
Lendo a história contada por Alexander Gromow na publicação de 8 de agosto de 2022, que mostra o resgate do imaculado Fusca 1950 com 14.190 km no centro de São Paulo, me inspirei em contar meu causo, embora longe de ser de uma relíquia como um split window, uma história de quase 70 anos. Mas acredito ser também um resgate de sucesso e, principalmente, a realização de um desejo de infância!
Começo voltando vários anos no tempo, mais de 30 anos.
Como já mencionei em outros causos, minha paixão por carros antigos, Volkswagens “a ar”, em especial o Fusca, não tem data para começar. Com cinco anos de idade eu já observava tudo, acompanhava o mundo do antigomobilismo em vez de comprar os famosos gibis do início dos anos 1980 como as demais crianças. Fazia meu pai comprar a revista Autos Antigos, sempre atento a tudo!
Minha avó paterna residia num bairro aqui de Sorocaba bem antigo e tradicional, habitado por muitos funcionários da antiga Companhia Estrada de Ferro Sorocabana. Na década de 1980 muitos aposentados tinham seus Volkswagens comprados quase sempre 0-km e, como tinham sido adquiridos com muito sacrifício, eles os mantinham em perfeito estado.
Como apaixonado por carros desde os 10 para 11 anos de idade, eu acabava propositalmente fazendo amizade com os aposentados para poder ver seus carros e admirá-los, isso no final da década de 1980.
Entre esses carros, um Fusca 1959 marrom, 1200 e 6-volts, claro, do “seu” Gico, funileiro; o 1300 ’69 verde Folha do “seu” Mestrinho, na ocasião com somente 28.000 km, que só tinha essa quilometragem por conta de uma viagem com a esposa à Argentina quando novinho em folha; um 1300 cinza 1982 do “seu” Vicente com apenas 13.000 km. Ele nunca dirigiu, mas sonhava em ter um carro e conseguiu comprar esse Fusca seminovo em 1983 — alguns vizinhos ou parentes o levavam passear de vez em quando;; tinha o Fusca 1300 modelo1968 branco do Sr. Roque, já com 50 mil km.
Ainda tinha o 1965 1200 cm³ 6 volts azul atlântico do seu Moises e o 1300 cm³ 6 volts bege Nilo 1967 do seu Ceíto. Eu acompanho o destino destes dois últimos até hoje, pois consegui encaminhar o 65 para a coleção de um amigo, quando “seu Moisés” parou de dirigir e resolveu vender o carrinho. Quando o “seu Cleito”, dono do 67, faleceu eu consegui falar com a viúva dele e passei o carro para a coleção de outro amigo. Estes dois carros encontram-se preservados até hoje.
Eram muitos Fuscas!
O primeiro contato com o herói deste causo
Mas vamos ao carro que é a estrela desse causo! Em 1989, quando eu com 11 para 12 anos de idade, em conversa com um desses senhores, um deles me perguntou do sr. Alcides, que tinha uns 25 mil km. Na ocasião, me lembrei que meu pai, Ozires, tinha sido companheiro de Rotary Club do sr. Alcides alguns anos antes.
Falei meu pai na mesma hora e combinamos ir à casa do sr. Alcides. Lá chegando, meu pai me apresentou como um “mirim” apaixonado por Fuscas. Sr. Alcides disse prontamente que mostraria o Fuscão com o maior prazer, mas que o carro não estava à venda!
Lembro-me de ter perguntado se era verdade que outro vizinho tinha dito que o Fuscão tinha somente 25 mil kms rodados, e ele disse que na realidade o carro tinha somente 16.000 km, o que me deixou mais empolgado ainda!
Quando o sr. Alcides levantou a porta da garagem, quase caí de costas. Lá estava um Fuscão ocre Marajó da segunda série de 1974, já não tinha mais o emblema VW sobre o capô e as calotinhas plásticas já eram pretas e não prata como do semestre anterior!
O carro estava em absoluto estado de zero quilômetro numa garagem fechada e protegida, estava coberto protegendo-o da poeira e do pouco sol que teimava entrar lá. Ao abrir a porta me deparei com um par de bancos Procar/Probel instalados no carro. O sr. Alcides me disse que os bancos haviam sido instalados ainda na concessionária quando o comprou e retirado novo, e mostrou logo ao lado, sobre um tablado de madeira, logo à frente do carro, o par de bancos dianteiros originais imaculados e sem uso.
Já os bancos traseiros originais estavam à mostra, pois como usava um tampão sobre o “chiqueirinho”, também acessório instalado na concessionária, ele era revestido com o material cordonê original de 1974, então ficou assim para o encosto traseiro combinar com o desenho do tampão!
Ainda, o senhor Alcides nos falou: “Vou ligar o carro para vocês ouvirem o ronquinho do motor, como faço a cada 15 dias!”, disse o sr. Alcides. Ele se sentou, puxou todo o afogador (que até hoje funciona perfeitamente) e deu a partida! O motor prontamente pegou e ele logo empurrou o botão do afogador deixando somente 1/4 acionado! E aquele ronquinho de Fusca 0-km ecoava pela garagem. Meus olhos brilhavam com aquela música para meus ouvidos!
Ele só saía com o carro uma vez por ano para trocar a plaqueta de licenciamento e depois o guardava novamente, mas como a partir de 1989 a troca de plaquetas não era mais obrigatória, não era mais preciso sair com o Fuscão!
Ainda me recordo de ele ter dito: “olhem no motor, ainda tem um pedaço daquele selinho de OK colado lá!” Contava que as poucas saídas que o carro tinha dado tinham atingido os 16 mil km porque iam a Tietê visitar parentes e a São Roque comprar vinhos. Ambas as cidades distam uns 40 km de Sorocaba.
O Sr. Alcides tinha uma empresa de táxis, e normalmente usava carros que tinham sido táxis no seu dia a dia, e fazia um rodízio entre esses carros. Inclusive me lembro bem de ver na garagem outro Fuscão ocre Marajó, esse ex-táxi e já tinha a pintura um pouco queimada. O sr. Alcides contou que esse Fuscão já havia rodado mais de um milhão de quilômetros como táxi, e que naquele momento era o seu carro do dia a dia!
Eu e meu pai saímos encantados com o estado do Fuscão. Sabíamos que ele não venderia aquele carro, mas não me custava nada sair sonhando!
Mantendo o contato com o Fuscão
Mais umas duas vezes nos anos seguintes fui com meu pai visitar novamente o sr. Alcides bem como o Fuscão ’74! E assim fui sonhando e acompanhando a trajetória dele.
Chegou o ano de 1992, quando aos 14 anos de idade ganhei de meu pai meu primeiro carro, no qual logo aprendi a dirigir. Era um Fusca 1300 1969 branco Lótus, que tenho e preservo com muito carinho até hoje.
Mesmo assim eu ainda era curioso por conta “daquele Fuscão novo”! Em visitas à casa de minha avó e minhas tias, as vezes passava em frente da casa do sr. Alcides e ficava olhando.
Numa ocasião, em meados dos anos 90, verifiquei o portão da garagem da frente com meia folha aberta, e observei que agora o “lindo Fuscão” ficava guardado no abrigo de cima, mais próximo da rua, e da calçada eu admirava aquele brilho do ocre Marajó naquela “pintura duco” alaranjado de fábrica.
Então embora eu não o visse detalhadamente, eu sabia que o Fuscão continuava lá! Nessa época na frente dele ficava um Fusca branco provavelmente 1983, um ex-táxi que provavelmente era de uso do sr. Alcides, substituto o ex-táxi ocre ’74.
E o desejado Fuscão sumiu…
Passaram-se mais alguns anos, e lá pelo final da década de 90 comecei a observar que o Fuscão não estava mais naquela garagem. Eu olhava da calçada e não percebia mais a silhueta do besouro atrás do portão! O que me deu um certo “medo”, pois pensei que o sr. Alcides pudesse ter vendido aquela joia.
Eu duvidava muito disso, sabendo do carinho e do capricho que ele tinha pelo carro, mas onde estaria o Fuscão? Como eles tinham um barracão ao lado da casa, eu tinha a esperança de que ele o tivesse guardado lá! Mas também existia a hipótese de ter sido vendido! Fiquei constrangido em procurar alguém da família e perguntar, até pelo receio de ser indiscreto. Segui na dúvida.
E assim mais anos se passaram
No início dos anos 2000, em conversa com minha tia Neusa, vizinha da família do sr. Alcides, ela me deiis que de vez em quando se encontrava com a esposa dele, e que numa ocasião qualquer perguntaria sobre o carro.
Já estávamos no final da década de 2000, e me lembro que atendi o sr. Alcides no cartório onde trabalho. Estava acompanhado do filho José Eduardo. O Sr. Alcides estava vendendo um carro — acho que era um Gurgel — e foi ao cartório assinar o recibo e aproveitei para perguntei sobre o Fuscão. Ele já tinha mais idade, mas me lembro que na hora abriu um sorriso ao falar do carro, e respondeu com todo orgulho: “Está lá guardado, com apenas 16.000 km, sobre cavaletes, é só carregar a bateria que está perfeito!” Percebi que apesar da idade mais avançada, o Fuscão ainda era xodó e orgulho dele!
O sr. Alcides falece
Como nossas famílias era vizinhas, por volta de 2009 ficamos sabendo do falecimento do sr.Alcides. Mas não cogitei nada pois sei que é um momento delicado para todos os familiares. Mais alguns anos se passaram, por volta de 2014/15 meu cunhado Marcos Lattrofe fez uma visita ao filho José Eduardo, pedi para ele saber se o carro estava por lá.
Nessa ocasião ele me contou que o carro ainda estava guardado na propriedade, nos fundos do barracão que ficava ao lado da casa, um pouco empoeirado pelos anos, e sobre cavaletes, ao lado de um lindo Veraneio que também tinha pertencido ao sr. Alcides. O José Eduardo tinha olhado o hodômetro do Fuscão e ainda marcava 16.000 km!
A esperança é a última que morre
Estávamos agora em 2020. Eu havia formado meu pequeno acervo de Volkswagens arrefecidos ar, hoje são quatro imaculados Fuscas na garagem. Estava no meu mecânico fazendo uma revisão de freios no meu Fuscão marrom Caravela 1974 primeira série que ainda tinha o emblema VW sobre o capô e as calotas em plástico prata. É um carro que veio do interior de Minas Gerais, também comprado de único dono e com 43.000 km. Inclusive comprei esse carro para relembrar o ocre ’74 do sr. Alcides.
Por coincidência, meu mecânico tinha prestado alguns serviços para a família do sr. Alcides, conhecia o Fuscão ocre, e tinha o contato do filho José Eduardo. E se comprometeu a perguntar se o venderiam.
Veio a resposta que esperava ouvir durante 31 anos! Meu mecânico me ligou, disse que conversou com o José Eduardo. O carro atualmente pertencia à sua irmã, d. Rose, que havia conversado com ela e como não tivesse intenção de colocá-lo para rodar e usar, se proporia a vendê-lo se fosse para alguém que fosse cuidar dele.
O reencontro com o Fuscão
Aquilo para mim foi como música para os ouvidos. Na ocasião eu nem dispunha do valor para comprar mais um Fusca, mas marquei com o irmão da d. Rose, ir ver o carro! Independente se ia dar certo o negócio.
Era uma emoção sem tamanho, ia ver de perto aquele carro pelo qual sempre fui apaixonado, e não o via há praticamente 30 anos! E finalmente, agora adulto e na ocasião com 42 anos, poderia conversar sobre a história completa do carro.
Vou tentar descrever como estava o carrinho na minha visão: um pouco empoeirado pelos anos, o papelão junto com um colchonete sobre o teto, carro sobre 4 cavaletes, pintura das rodas um pouco manchadas devido à ação dos anos, retrovisor raquete dobrado sob a porta para não ser danificado, um engate instalado na traseira pelo sr. Alcides que ganhou de presente de um amigo (mesmo que não rodasse com o Fuscão, resolveu instalar por ser um presente) e totalmente original de fábrica.
Deitei-me para olhar o carro por baixo, logo me deparei com o selinho da VWB colado na buzina ainda! Abri a tampa do motor para conferir o brabo motor de 1.493 cm³ do Fuscão, e lá estava o pedaço do selinho de ‘OK’ ainda colado na capela do motor, mesma forma que o sr. Alcides tinha me mostrado 32 anos antes!
Fui abrir a porta para conferir o interior e já me deparei com o selo Blindex original no vidro da porta do motorista. Isto reafirma o pouco uso do carro pois, como é vidro que a todo momento é acionado, já teria se esfarelado com o uso excessivo.
Abrindo a porta já me deparei com o selo da revisão dos 5.000 km realizada em 1978 na concessionária Abrão Reze Comercial Importadora de Automóveis Ltda., época em que o carro era pouco usado.
No interior do carro, embora um pouco empoeirados devido aos anos guardados, lá estavam os bancos Procar/Probel, um acessório de época, impecáveis:
A parte interna do carro imaculada e o hodômetro marcando seus 16.651 kms, com o velocímetro lacrado de fábrica ainda!
Chegando ao porta-luvas, lá encontrei o manual do carro bem como o manual da Rede de Concessionárias VW. Aí começa a descoberta de novas histórias.
Revelando a história real do Fuscão
Quando olhei o manual, verifiquei que o primeiro proprietário não foi o sr. Alcides, e sim a d. Brígida, com o mesmo sobrenome da família. Mas aí que veio minha surpresa ao descobrir a história toda do carro, de como ele foi adquirido e o por que ficou tantos anos guardado.
O filho do sr. Alcides José Eduardo me contou que na realidade o Fuscão nunca pertenceu ao seu pai, mas foi ele quem sempre cuidou do carro com todo o carinho e zelou a vida toda pelo carro.
A d. Brígida era tia do Sr. Alcides, costureira de vestidos de noiva do bairro. Inclusive isso me trouxe uma memória fantástica nesse momento, pois tive ótimas recordações de infância.
Como a família de minha avó era vizinha deles, me lembrei que a minha tia mais velha, a finada Elvira, era muito amiga de d. Brígida, inclusive me recordei de ter na infância algumas vezes acompanhado minha tia Elvira em alguns “chá da tarde” que ela passava para tomar na casa da d. Brígida.
Inclusive, como costureira, foi ela quem ensinou essa profissão à minha tia mais nova, a tia Neusa, que até pouco tempo ainda exercia a profissão de costura.
Aí sim, depois de explicado isto, vem a história real de como o Fuscão veio parar nas mãos de dona Brígida.
Como em 1974 o sr. Alcides era sócio do Rotary Clube local, ele lançou uma rifa que correria pela loteria federal, na qual o primeiro prêmio seria um Volkswagen Sedã 0-km. Eis que por sorte, a d. Brígida foi sorteada com o primeiro prêmio e consequentemente o direito de adquirir um Volkswagen novo.
Como o senhor Alcides era o sócio do clube e ele também entendia de automóveis, pois tinha o ponto de táxi, . Brígida deixou a seu encargo resolver tudo. Isso era provavelmente início de 1974, e como o sobrinho já sabia que as mudanças nos carros aconteciam sempre na virada para o segundo semestre, resolveu conversar na concessionária e retirar o carro no mês de julho de 1974.
E assim o fez, escolheu a cor ocre Marajó, um sucesso na época, tanto que o sr. Alcides já possuía o citado táxi Fuscão da mesma cor. Na ocasião da retirada, como era um carro sorteado por rifa, resolveram pegar a versão 1500 do Fusca, o popular Fuscão.
Ainda por conta da situação da rifa, o dono da concessionária, Sr. Sérgio Reze (isso mesmo, na década de 70, principalmente em cidades do interior, era muito comum o próprio dono da concessionária negociar o veículo, e não os vendedores como é mais comum atualmente) ainda convenceu o sr. Alcides a equipar o Fuscão com 2 acessórios bem legais: o jogo de bancos Procar/Probel e o rádio Volkswagen Blaupunkt! E assim inicia a jornada do Fuscão ocre Marajó da d. Brígida.
Como a d.Brígida nunca dirigiu, o carro ficava guardado na garagem do sr. Alcides, ele ficando como responsável por cuidar e zelar pelo carrinho, o que o fez sempre com todo carinho, pelo carro e pela proximidade com a tia. E assim o Fuscão ficou para servir a d. Brígida nas poucas vezes em que ela gostaria de sair, seja em passeios com a família, em raras viagens aos parentes que moravam na cidade de Tietê, a cerca de 55 km de Sorocaba, ocasião em que geralmente osSr. Alcides levava os pais também.
Em outras ocasiões, os sobrinhos-netos também iam dirigindo o Fuscão levando a tia-avó e os avós para os passeios a Tietê. Segundo relata Jose Eduardo, o avô ia ao lado de olho no velocímetro para que o neto não ultrapassasse os 80 km/h!
Outras raras saídas do Fuscão eram com o avô para comprar vinho na cidade vizinha de São Roque, cerca de 55 kms distante de Sorocaba também. Inclusive os filhos me contaram que o avô e o pai fizeram um suporte de madeira, para fixar no lugar do assento traseiro do Fuscão, na função de trazer os garrafões de vinho de São Roque, para que não quebrassem, nas ocasiões em que só iam sr. Alcides e o pai, ou um dos netos com o avô.
Foi-me relatado ainda que nas poucas ocasiões que foram a Tietê, passavam na volta numa chácara na beira da estrada para comprar ovos caipira, ocasião em que o sr. Alcides ia a 10 km/h na estrada de terra que davam acesso ao sítio para não correr riscos de pular alguma pedra debaixo do para-lamas, tamanho era o capricho e o zelo dele pelo carro.
E assim seguiu a resguardada rotina do Fuscão, prova disso é a troca de óleo realizada no ano de 1985, ocorrida quando o carro ainda registrava pouco mais de 14.000 km rodados! Isso aos 11 anos de idade do carro!
Por volta de 1987 d. Brígida veio a falecer. Como era solteira e não tinha filhos, deixou seus bens para a família, mas ela tinha a sobrinha-neta, filha do sr. Alcides, a d. Rose, por quem ela nutria muito carinho, e como herança deixou o Fuscão para ela.
Na ocasião d. Rose já utilizava um outro Fusca mais novo, e sabendo do carinho que seu pai nutria pelo Fuscão ocre, deixou o carro ainda sob os cuidados do pai, guardado na garagem dele como sempre havia sido!
Em razão disso, sabendo que o lindo Fuscão agora pertencia à sua filha, o sr. Alcides continuou zelando pelo carro, sem nunca mais o retirar da garagem para ser usado, apenas mantendo a rotina de funcionar toda a semana e a cada mês movimentar o carro no corredor da garagem da casa no intuito de manter o carro em perfeito funcionamento.
E assim o carro seguiu guardado na garagem do sr. Alcides, sempre incrivelmente preservado, numa garagem bem fechada e com um colchonete e um papelão sobre o carro para proteger melhor (como também mostra a foto de abertura).
Com a mudança na legislação das placas amarelas de duas letras para as cinzas de três letras, em 1998 finalmente o Fuscão deixou a garagem para se dirigir até o setor de lacração de placas onde foram substituídas.
Na ocasião, bem provavelmente, o sr. Alcides deu uma breve revisão para tirar o carro da garagem, pois juntamente com a vasta documentação que estava junto do veículo, havia dois recibos de serviço: um de troca da bateria e outro de troca da bomba de gasolina, ambos datados de 1998, ano em que o carro teria rodado pela última vez!
O Fuscão foi protegido dos olhares de curiosos
Muita gente acabou ouvindo falar do Fuscão com apenas 16.000 km, e muitos deles queriam ir até à casa do sr. Alcides para ver o carro por mera curiosidade. Mas, na intenção de proteger mais o carro que era da filha, ele resolveu guardá-lo em outra garagem, essa onde eu reencontrei o carro em 2021, com porta bem fechada, bem protegido e guardado.
Na ideia de proteger os pneus originais, ele resolveu também colocar o carro sobre quatro cavaletes. E assim o carro permaneceu guardado por longos anos, sendo funcionado as vezes mesmo sobre os cavaletes, na intenção de girar o motor.
Assim ele manteve o carro até o início da década de 2010, quando infelizmente veio a falecer. Sabendo do carinho que o pai nutria pelo carro, d. Rose não quis de pronto colocar o carro à venda, deixando no mesmo lugar em que estava, bem guardadinho, sobre os quatro cavaletes, a salvo de quaisquer riscos ou danos.
E assim o carro seguiu preservado até fevereiro de 2021, quando eu consegui com a d. Rose concluir a negociação do Fuscão, na promessa de cuidar dele e preservá-lo tanto quanto o pai dela o fez durante tantos anos!
E lá estava o carro, que não era utilizado há 34 anos, sem sair da garagem há 23 anos e mais de 10 anos sem dar a partida! Assim, concluída toda a negociação marcamos de retirar o carro do barracão, onde tinha estado desde 1998 sem ver a luz do dia!
E o Fuscão finalmente acordou de sua longa hibernação
Foi um dia inesquecível para quem é um apaixonado pelo besouro como eu! A família havia descido o carro dos cavaletes, calibrados os pneus de quase 50 anos, e lavado rapidamente a carroceria por fora para conseguir enxergar algo durante as manobras.
O filho Jose Eduardo rebocou o carro até à rua com uma Chevrolet D10 da década de 80, e de lá o Fuscão foi empurrado até o caminhão-plataforma. Eu, ao volante realizando as manobras, carro totalmente sem freio por conta dos anos de hibernação.
Eu estava ofegante de emoção ao volante daquele carro com o qual tanto sonhei na minha infância! E assim o carro seguiu para o meu mecânico Paulo Tagliaferro, o mesmo que conhecia o carro há muitos anos, para fazer todo o processo de reativação.
Tanque retirado, gasolina velha e demais fluidos drenados, agora com a ajuda de um galão de gasolina ligado direto à alimentação do carburador, finalmente o mecânico o faria funcionar… De acordo com as etiquetas de última troca de óleo e demais vestígios que foram possíveis ser levantados, ele havia funcionado sobre os cavaletes pela última vez em 2008, ou seja, 12 anos sem dar partida!
Bateria instalada, um gole de gasolina direto no carburador, uma primeira partida longa e nada, uma segunda partida, ele pega, e logo morre… Uma terceira partida, e o maravilhoso Fuscão pegou, e ainda por desaforo se manteve sozinho funcionando em marcha-lenta!
É meus amigos, o tão sonhado Fuscão ocre Marajó quase 0-km estava de volta à vida!
A partir daí seguir com os planos e demais descobertas. Folheando os manuais do carro, encontrei duas notas de 2 cruzeiros e uns três recibos de pedágio datados de 1983 e 1984! Provavelmente das viagens realizadas até Tietê ou São Roque! Como bem mencionei, sempre conheci o Fuscão com os bancos Procar/Probel na frente e os traseiros com o cordonês originais à mostra, para combinarem com o tampão do “chiqueirinho”, revestido com o mesmo cordonê!
Resolvi levantar o tampão e lá encontrei uns sacos plásticos grandes. Lá dentro estavam as capas de banco do assento e do encosto traseiros com o mesmo veludo grosso dos dianteiros esportivos ainda novos, nunca utilizados e com a etiqueta ainda da Procar!
A hora da estética em detalhes
Com o carro agora revisado, funcionando e rodando perfeitamente, próximo passo foi cuidar da estética do Fuscão, levando-o a uma oficina em Sorocaba especializada em restauração de carros clássicos chamada FSA para realizar a revitalização da carroceria, polimento das caixas de roda bem como pintura das quatro rodas (para a qual se basearam na pintura da roda do estepe que estava imaculada).
Abaixo mais alguns exemplos do trabalho de detalhamento feito pela FSA:
Dessa forma, com seu pouco uso ficou praticamente como era quando 0-km. Como o carro já tinha quase 50 anos, seus pneus já estavam ressecados apesar do pouco uso, então resolvi instalar quatro pneus novos idênticos aos originais Firestone Campeão Supremo 5.60-15, mantendo o estepe intacto e original no lugar.
Assim, após todo esse trato, finalmente o Fuscão 74 estava totalmente pronto para ser curtido. E assim ficou com uma rotina bem semelhante a que teve a vida toda, pois como faço rodízio com ele com outros três besouros meus, a cada mês ele sai da garagem para dar uma volta no bairro, calibrar pneus etc., e toda semana é funcionado regularmente, e muito bem guardado na minha garagem com todo carinho coberto sob uma capa!
Primeira aparição pública
Este ano a concessionária Abrão Reze, aqui de Sorocaba, me convidou para expor o Fuscão ocre Marajó 1974 no contexto das comemorações do Dia Nacional do Fusca, que é comemorado no dia 20 de janeiro. Nessa exposição alguns Fuscas de Sorocaba ficariam no showroom da concessionária, mas eles faziam questão que o Fuscão ocre Marajó 1974 retirado lá há quase 50 anos, estivesse nessa exposição! Os 50 anos se completaram no dia 16 de julho.
E dessa forma foi feita, e o carro foi sucesso na exposição. Tanto os funcionários mais novos quanto os mais antigos ficaram encantados com o Fusca, assim como com tudo que remetia ao logo da concessionária Abrão Reze em 1974, como o adesivo no vigia traseiro, a capa do manual, o logo nas soleiras de porta acessórios de época ou na etiqueta de revisão colada na coluna da porta que mostra a última revisão feita lá na concessionária aos 5.000 km em 1978!
Agora a cereja do bolo: no dia da montagem da mostra, passava por lá o dono da concessionária, sr. Sergio Reze com quase 88 anos de idade, e ficou emocionado de rever um carro que ele mesmo fez a venda e a entrega 50 anos atrás, fazendo questão de tirar uma foto ao lado do carro como registro!
Moral da história
E esse causo serve tanto para mostrar que devemos nos empenhar ao máximo na vida, tanto para resgatar um clássico quando podemos achar ou não que pode valer a pena, mas principalmente para não desistirmos dos nossos sonhos e desejos, pois se persistirmos, e agirmos com honestidade e paciência, eles podem demorar, mas eles chegam!
Uma merecida homenagem
Na foto abaixo o pai do Emerson, sr. Ozires Gagliardi, hoje com 87 anos ao volante do Fuscão que tantas vezes ele levou o Emerson para visitar, isto sem dúvida fez uma parte muito importante nesta história com final feliz:
As matérias citadas neste artigo são as seguintes:
Minha matéria que inspirou o Emerson:
TRAGÉDIA REVELA RARO FUSCA 1950 COM SOMENTE 14.190 km publicada em 08/08/2022
As duas matérias anteriores do Emerson:
O SONHO DO FUSCA NOVO! publicado em 29/07/2019
O DESTINO DO VW “VERDINHO publicado em 02/09/2019
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Todas as fotos desta matéria foram enviadas pelo Emerson Gagliardi a quem agradeço por mais esta participação na minha coluna “Falando de Fusca & Afins.
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