Durante o Primeiro Encontro AUTOentusiastas de 2025, realizado no sábado 1º de fevereiro, encontrei o Cláudio Pompeu Pessoa que estava com seu compadre Luiz Fernando, amigo de infância e testemunha do que ele contará a seguir, e seu afilhado Lucas.

Inicialmente falamos sobre um raro VW Passat de cinco portas, sendo a quinta uma grande porta traseira que praticamente transformava o carro numa camioneta quando se rebatia o banco traseiro, uma excelente solução que dava para transportar uma geladeira, por exemplo. Ele me mostrou a foto do exemplar que ele atualmente possui, que é a foto de abertura desta matéria. Mas havia uma interessante história envolvendo este modelo de carro, como veremos adiante.
A conversa foi ótima e num dado momento o Cláudio lembrou do vídeo da minha entrevista com o saudoso Jô Soares, ainda na TV Canal 4, SBT, realizada no dia 1º de março de 1993. Aí eu perguntei-lhe se havia visto o vídeo da entrevista que eu dei no dia seguinte para a TV Jovem Pan, na época ainda em UHF. Mas esta video ele não conhecia, ficou de assistir e comentar depois. A notícia da volta do VW Fusca à linha de montagem na Fábrica Anchieta da Volkswagen havia “explodido” na imprensa e eu, então presidente do Fusca Clube do Brasil, foi convidado para várias entrevistas.
Passado um tempo eu recebi um interessante e-mail dividido em duas partes, a primeira com os comentários do Cláudio à minha difícil entrevista para a TV Jovem Pan UHF. Este é um assunto que talvez valha ser comentado noutra matéria.
A segunda parte acabou sendo um interessante relato, com o Cláudio contando a história de seu VW Passat de estimação e de outros Volkswagens que ele teve e ainda tem. Esta parte constitui o causo de hoje.
Lembranças de um VW Passat muito especial
Por: Cláudio Pompeu Pessoa¹
“Lá no evento do AE eu mostrei a você, Alexander, a foto do meu Passat LS 1980 Bege Ipanema, na rara carroceria cinco portas. Na verdade, a história que vou te contar termina nesse carro…

Meu pai, José Martins Pessoa, trabalhou 33 anos na VW e se aposentou em 1998. Infelizmente ele nos deixou em 2019. Em 1981 ele comprou da frota da VW outro Passat LS 1980 cinco-portas branco Alaska. E era a álcool! Eu tinha apenas 11 anos de idade e acabei por desenvolver uma relação com esse carro que é uma longa história. Mas é melhor parar por aqui, caso contrário serão no mínimo mais dez páginas para uma versão resumida de minha história com ele.
Apenas para se ter uma ideia, minha mãe conta que meu pai deixou de vender o Passat algumas vezes por minha causa. Mas foi um Fusca “Itamar” que conseguiu ‘quebrar esse bloqueio’. Até hoje procuro uma foto melhor daquele Passat, pois, você sabe, a gente tinha que valorizar um filme de 36 poses e tirar foto de carro não era prioridade para uma família. Mas segue essa foto da minha irmã em que ele aparece razoavelmente bem, embora cortado.

Minha história com o Fusca ‘Itamar’ [NR: apelido dado aos VW Fusca produzidos entre 1993 e 1996 como referência ao então presidente Itamar franco, que pediu ao presidente da Autolatina Pierre-Alain De Smedt a volta do Fusca] começou antes do lançamento, justamente ouvindo os relatos do meu pai. Ele trabalhava no departamento de finanças e contava que o principal problema de início foi a viabilidade econômica do projeto, sobretudo por seu ineditismo. Jamais na história mundial um carro descontinuado voltou a ser produzido, além do fato de que lá dentro mesmo muita gente era contra a ideia. Mas era papel dele e de sua equipe ajudar a fechar essa conta e tinha que ser feito.
Já de volta ao mercado eu via o Fusca como algo lúdico e simpático, mas não me via ao volante de um. Em 1994, eu estava no último ano da Faculdade de Arquitetura, fazia estágio e, também, desenhava para alguns arquitetos para ganhar uns trocados.
Não lembro exatamente, algo entre agosto e setembro, disse ao meu pai que queria comprar o Passat. Ele tinha um Santana Quantum, mais usado pela minha mãe, pois ele ia ao trabalho de ônibus fretado. O Passat ainda estava em casa por minha causa mesmo, eu o usava. Apesar de sua aparência cansada e alguns pontos de ferrugem, ainda era um carro saudável e gostoso de dirigir. Meu plano era restaurá-lo lentamente e ficar com ele para sempre, mas meu pai não concordou.
Ele me disse: ‘o Passat está velho e você está começando a vida profissional, vai precisar de um carro confiável para trabalhar’. Tinha razão. A sugestão dele foi vender o Passat, comprarmos em sociedade um Fusca ‘Itamar’ com desconto de funcionário VW e, depois de seis meses, período que carro do funcionário fica alienado (ou seja bloqueado para venda a terceiros), vendê-lo, dividir o dinheiro e eu usaria minha parte e mais o que conseguisse juntar para comprar um carro em definitivo para mim.
Isso era realmente lucrativo, era o que muitos funcionários faziam, quase como uma aplicação financeira, comprar o carro com desconto e depois vender. Numa época em que carro usado valia bastante, melhor ainda com essa origem, tinha até um termo conhecido no mercado do ABC, ‘carro de funcionário’. [NR: ABC – a Região do ABC é uma região industrial na Grande São Paulo, Brasil. Formada originalmente, pelas cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul]

Não foi fácil me despedir do Passat branco, mas assim fizemos e então chegou o Fusca ‘Itamar’ 1994 vermelho Sport em sua configuração mais completa. Como se vê na foto abaixo, eu jovem e com muitos quilogramas a menos (risos…), rodei bastante com ele. Era divertido, o motor 1600 empurrava bem! Era um carro alegre, não passava vergonha. Onde fosse despertava reações de curiosidade e simpatia. Somente uma pessoa desdenhou dele, mas isso nem merece nota.

Eu realmente curti o Fusquinha, fez parte de momentos felizes até que, depois de oito meses, seguimos o combinado e finalmente o vendemos. Acredite, pensei seriamente em ficar com ele, mas decidi não ‘mudar o roteiro’ e veio então meu Gol 1000 1995 prata Lunar. Veja que interessante, assim como você disse na entrevista, o Fusca ‘Itamar’ teve um papel transitório no mercado. Isso valeu para meu caso particular também.
Tenho um defeito, costumo me apegar aos meus carros. No mundo ideal nunca venderia um, eu teria uma grande garagem para guardar todos eles. Já no mundo real, por volta de 2007 resolvi procurar o Passat branco cinco-portas. Sempre de olho em anúncios pela internet, mas nunca o encontrei.
A busca se tornou mais difícil devido ao fato de que meu pai não tinha mais nenhum documento daquele Passat guardado, nem o contato do comprador. Somente a placa, ainda amarela, BP 5069. Ou seja, quando foi vendido ainda não tinha Renavam [NR: “Renavam – Registro Nacional de Veículos Automotores – Trata-se de um grande banco de dados que registra toda a vida do veículo automotor, desde seu “nascimento” (quando o fabricante ou importador registra seus dados originais), passando pelo emplacamento, troca de propriedade, mudança de estado, mudanças de características até sua “morte”, quando este sai de circulação].
Um despachante me disse que se tivesse ao menos o número de chassi ou de motor talvez conseguisse, mas não havia nada. Claro que sei que a maior probabilidade é de ter virado sucata, mas sem evidências não pode haver certezas.
Em meio às buscas acabei comprando um Passat LSE 1987 vermelho Calipso, autêntico ‘iraquiano’ [NR: os que ficaram no Brasil foram carros ‘excedentes’ de um grande lote de Passat LSE com interior vermelho destinado ao Iraque que foi criado em 1983 pela filial brasileira da Volkswagen para atender especificamente a uma demanda de exportação para o Iraque].
Um bom exemplar que depois vendi para um colecionador de Bragança Paulista, SP. Vendi porque em 2012 minhas andanças me levaram ao Passat cinco portas bege que te mostrei em fotos no Encontro AE. Abaixo o LSE e, atrás dele, o Passat cinco-portas bege sobre cavaletes porque eu mesmo fiz várias manutenções mecânicas nele em casa.

Como eu procurei o Passat de cinco portas branco, posso afirmar que achar um Passat destes em qualquer estado é uma tarefa quase impossível. Quase, pois até encontrei dois. Mas somente um em bom estado e com todos os detalhes originais, inclusive com manual e até a nota de venda da VW para um funcionário, foto abaixo. Algo incrível, afinal já eram raros quando novos.

E, apesar das minhas buscas, não foi exatamente eu quem encontrou o meu Passat de cinco portas atual. Eu participava do extinto fórum da ‘Home Page do Passat’ quando um dia recebi uma mensagem privada. Era um usuário que conhecia a minha história e que me enviou o anúncio do Passat bege no Webmotors.
Até hoje não sei o nome dele, as pessoas costumam se cadastrar com apelidos, mas sou grato de qualquer forma. Houve algumas idas e vindas e foi necessário um pouco de paciência. O carro quase me escapou, mas no fim das contas consegui trazê-lo para casa. Algum tempo depois vendi o Passat ‘iraquiano’.
A família toda ficou muito surpresa e quando meu pai leu o nome do comprador na nota (coberto na foto da nota fiscal para proteger a sua privacidade) disse imediatamente: ‘esse cara era o meu chefe na época!’. Bem, todos os Passat cinco-portas que foram licenciados no Brasil necessariamente pertenceram à frota da VW, posteriormente foram vendidos usados a funcionários, mas esse foi de alguém realmente próximo a ele na época, uma coincidência interessante.
E como essa coisa de ser entusiasta é ‘perigosa’, adivinhe, resolvi procurar o Fusca ‘Itamar’. Pensei; ‘esse vai ser fácil, já tinha placas cinzas e Renavam!’, mas na primeira ação que todo mundo faz quando procura um carro, um balde de água fria. Pesquisei no Sinesp (NR: A sigla ‘Sinesp’ significa Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública. Por meio desse aplicativo, é possível consultar e registrar informações de roubo e furto de veículos, saber em que município o veículo está registrado, mandados de prisão, pessoas desaparecidas e procurados da Justiça, etc.) e constava: “veículo roubado, caso o tenha visto avise a polícia imediatamente”. Triste destino para o Fusca ‘Itamar’!
Sempre que essas lembranças vêm à tona me pergunto: ‘E se eu tivesse discordado do meu pai? Será que hoje eu estaria com o Passat branco?’. Mas aí não teria a história com o Fusca ‘Itamar’ para contar, não é? E eu gostei bastante dessa história também.
Talvez o meu erro tenha sido demorar muito para começar a procurar o Passat branco e o Fusca ‘Itamar’ vermelho. Mas, seja como for, ou melhor, como foi, está bom assim com meu Passat LS ’80 cinco-portas bege Ipanema. O importante é o que vivemos.”
Caro Alexander, assistir ao vídeo com a sua entrevista na TV Jovem Pan UHF me trouxe muitas lembranças e talvez tenha me alongado um pouco, por isso desculpe. Obrigado pela atenção e até à próxima oportunidade!
¹Cláudio Pompeu Pessoa, 55 anos, é arquiteto e “dublê de mecânico” nas horas vagas. Casado com Priscila, que foi importante passageira do Fusca ‘Itamar’. E é um verdadeiro autoentusiasta.
Agradeço a ele pela participação na minha coluna e dou meus parabéns por sua perseverança. Todas as fotos desta matéria são do Cláudio a não ser a identificada de outra forma.
AG
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