Era 1992, poucos meses após eu completar 18 anos. Eu já me encontrava em cólicas para ter meu carro (foto ilustrativa de abertura). Afinal, desde os 14 anos eu já dirigia costumeiramente para levar minha mãe aonde ela precisasse, ela não guiava. Quanto ao carro, eu não tinha nada de específico em mente. Qualquer que fosse, me serviria. Eu sabia que não seria possível nenhum devaneio financeiro. A ideia era o básico, um meio de transporte que apresentasse algum nível de decência (o que, lembremos, já não era pouco naquela época em termos de custos).
O plano inicial era meu pai custearia a aquisição do carro e eu, já trabalhando, lhe pagaria em suaves prestações — prestações estas que ele nunca quis receber…
Começamos a procurar pelas várias avenidas na zona noroeste de São Paulo (sim, ela existe!), que em sua maioria tem em grande parte do seu comércio focado na revenda de veículos. E eu, que a cada saída para procurar ficava mais feliz do que criança em loja de doces, sem saber ao certo o que procurar, idealizar o quê, como e, principalmente, por quanto…
Olha daqui, espia dali, desço para conversar numa loja, pega cartãozinho em outra (sim, na era “pré-whatsappeana” era assim que as coisas funcionavam). Lá pelo terceiro fim de semana de busca surgiu uma opção interessante, um Chevette SL 1983.

Estava em bom estado geral, mas com um preço ligeiramente mais alto que o previsto — era fato que ele tinha agradado a ambos — mas por ser um domingo eu e meu pai decidimos não fechar negócio naquele momento e continuar a busca nas redondezas e caso não encontrássemos nada mais, voltaríamos para dar uma choradinha no preço e fechar negócio, e assim fizemos.
Mas os deuses dos automóveis tinham outro plano: ao voltarmos, cerca de uma hora depois o carro já havia sido vendido. A nossa cara de “gol contra” foi inevitável. Mas como diz a expressão, “Perdido por perdido? Truco!”
O que nos restava era continuar procurando e meu pai avistou um carro que, ainda que não fosse um modelo que me enchesse os olhos, chamou a sua atenção, um Fiat 147 Top 1982.
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De início fiquei surpreso, pois a única experiência que havíamos tido com a marca fora alguns anos antes, e o simples fato de ter sido o carro com o qual meu pai menos tempo ficou diz muito sobre a (má) impressão que ele havia deixado, possivelmente por ser dos primeiros movidos a álcool.
Bom, olha daqui, fuça dali, abre capô, olha porta-malas e o carrinho até começou a ganhar a minha simpatia, pois visualmente ele estava bem agradável, e o sentimento foi fortemente inflado pela sua estética esportivada. Pedi para fazermos um test drive, que neste caso facilmente poderia ter o nome trocado para “quase drive”, pois o vendedor demonstrou grande receio enquanto eu dirigia (mesmo pouca coisa mais devagar que o fluxo e corretamente) e foi a partir daí que a carruagem começou a ser abóbora: o volante do carro estava descentrado 90 graus e a direção puxava um pouco para a esquerda.
Nenhum instrumento do seu (completo) painel funcionava a contento (perdoe-me quem gosta); A manopla da alavanca de câmbio tinha uma pegada bastante estranha e o desempenho nem pude testar dada a postura do vendedor. Na loja, o vendedor se comprometeu a resolver todos os probleminhas e entregar o carro “em perfeito estado”. Como o final da tarde se aproximava, resolvemos marcar com o lojista de voltarmos no dia seguinte, e se tudo estivesse devidamente resolvido, fecharíamos negócio.
A sensação que havia ficado era de um “não sei não” ou “mais ou menos”, pois não tinha certeza se era isso que eu realmente queria, se aquele era o carro certo e até onde eu me via feliz dirigindo-o. Em contrapartida era um carro bom de ano, relativamente completo — itens como limpador e desembaçador do vidro traseiro eram praticamente exceções — bonitinho, com carinha de esportivo e algo que era muito importante para mim: aprovado pela “diretoria”, ou seja, meu pai.
No caminho de volta para casa passamos por outra avenida, que curiosamente nem é exatamente parte do trajeto, e foi lá que, de “supetão’, eu disse para meu pai:
— Encosta aí!
— O que foi?!
— Vi um carro nesta loja!
— Qual?
—Aquele ali! Apontei para o Opala Cupê Standard 1978 bege, maldosa e propositalmente estacionado com a frente virada para a avenida.

A cara de incredulidade do meu pai, recordo-me até hoje. Tenho certeza de tê-lo ouvido pensar “Esse ‘moleque’ só pode estar de brincadeira! Enlouqueceu?! Como vamos dividir a garagem com este ‘trambolho’??? Isso não vai caber!”
Fui tal e qual um foguete falar com o vendedor. Uma breve olhada no interior do carro fez meus olhos brilharem ainda mais pelo acabamento monocromático marrom, um volante esportivo (de menor diâmetro, portanto) também marrom, o que junto com as rodas esportivas e quatro pneus 195SR14 formavam um conjunto que ampliava ainda mais a sensação de beleza e esportividade, ainda que fossem me exigir bons músculos nas manobras de retorno. A abertura do capô para frente também me dava a sensação de algo saído de um dos raros filmes de carros da época.
Entro no carro e inacreditavelmente, mesmo com os comandos não tão bem localizados como no Fiat, o dito cujo parecia ter-me “vestido”. A alavanca de câmbio com manopla tipo bola de bilhar (perfeita) e o câmbio de acionamento fácil (apesar da embreagem bem mais pesada que a do “concorrente ao meu coração”). Algumas linhas na lataria após as rodas traseiras não pareciam tão perfeitas, mas, honestamente, isso pouco importava (sentia-me de frente ao Santo Graal),
Perguntei ao vendedor se poderia ligar o motor e ele deixou. Ouvi seu motor de 4 cilindros somente com um silenciador “tipo Mercedes”, com uma entrada e duas saídas.
Confesso, a sensação foi inebriante, mas para conter minhas expectativas mentalizava repetidamente: “_Ah, é ‘só’ um quatro=cilindros, deve ser lerdo demais, é muito peso.
Que tal dar uma volta? Sugeriu o vendedor, certamente vendo meus olhos brilhando e meu queixo caído em algum lugar do piso do estacionamento.
—Vamos! Respondi tentando, em vão, disfarçar o entusiasmo.
Para o total desespero do meu pai – eu já havia me decidido antes mesmo do carro pisar no asfalto pela primeira vez comigo ao volante. Não havia a menor chance de eu voltar a olhar para o 147 depois daquela experiência sensorial. Mesmo assim, na saída de um semáforo o vendedor resolveu sacramentar a venda:
— Pode acelerar sem tanto medo, experimente o carro!
Cabe destacar: deu certo. E a “diretoria”? Bem, digamos que ela não se manifestou contra — verbalmente.
Em resumo, tive com esse carro muitos momentos, uns bons, outros ótimos, e claro, alguns menos felizes, mas certamente este Opala nunca foi esquecido, não é verdade pai?
“Fat Jack”
São Paulo, SP