Como todos nós sabemos, a tradicional prova Mil Milhas Brasileiras é marcada pelo esforço de carros e pilotos. O ideal seria o carro com a durabilidade e confiança da configuração original de fábrica, só que com o desempenho e agilidade necessários nas competições. Baseados nisso, Ricardo Dílser, Roberto Manzini, Eduardo Bernasconi e Victor Manzini resolveram ir aos extremos: pegaram um Pulse Abarth totalmente original, como é vendido nas concessionárias, para fazer a dura prova de longa duração, 12 horas em média.
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Inicialmente, parece uma excelente ideia, pois o fator “quebra” do carro — fora eventuais acidentes, claro — estaria quase descartado. Dificilmente um carro original de fábrica quebra, ainda mais com cerca de 4 mil quilômetros como o exemplar utilizado na prova. Mas devemos lembrar que os carros de hoje são muito mais complexos do que se possa imaginar. Já pensou, caro leitor, um carro com freios com ABS, controles eletrônicos de estabilidade e tração, alerta de colisão dianteira, frenagem autônoma de emergência, alerta de saída de faixa, ar-condicionado digital automático, direção eletroassistida e….câmbio automático epicíclico (!) numa corrida?
Nos momentos em que os carros chegam a raspar um nos outros, em que andam praticamente encostados, em que o piloto tenta fazer curvas com derrapagens controladas, como essa parafernália eletrônica toda se comportaria? Pois esses foram os grandes obstáculos que a equipe encontrou pela frente ao optar por um carro original, que pretendia competir com verdadeiras máquinas de corrida (Porsches preparados, protótipos com mais de 500 cv, etc.). Uma prova duríssima para o esnobe Fiat Pulse Abarth de rua que foi levado entrar nessa brincadeira de gente grande.

Itens de segurança para um bom carro de rua seriam simplesmente péssimos nas Mil Milhas. Já imaginou a atuação do ABS com o ESP tentando corrigir a trajetória do carro quando o piloto queria escorregar na pista? E os assistentes de condução, alertando e freando o carro em todas as aproximações bruscas de outros rivais? O primeiro desafio para a quadra de pilotos foi reaprender a pilotar com tudo isso ativado. Por isso, deveria se guiar o Pulse Abarth quase como se estivesse na rua: frenagens longas e retas, poucos desvios de trajetória, e mantendo o máximo de distância de outros carros.

A eletrônica só atrapalharia caso tentasse ajudar a evitar um acidente, o que fez os pilotos necessitarem de bons treinos para aprenderem como guiar em pleno autódromo de Interlagos com tantos sistemas eletrônicos. Técnicos da Fiat Sinal, concessionária aqui de São Paulo, precisaram atuar nos módulos para atenuar todos esses sistemas que visam a segurança no uso comum.
As alterações
O carro não era totalmente original: foram retirados os mecanismos dos vidros elétricos, alto-falantes (central multimídia mantida), banco do passageiro e traseiros, acabamentos supérfluos (como no porta-malas), estepe, laterais das portas traseiras, porta-luvas, carpete, parte do console central, janelas laterais e do porta-malas (trocadas por acrílicos), forro de teto e outros pormenores. Claro, foi acrescentada Fa obrigatória estrutura tubular interna em aço resistente a impactos (“santantônio”), visando a proteção do piloto em caso de acidentes mais graves. O banco do motorista original por um tipo concha com cinto de quatro pontos; e foi colocado um extintor de incêndio no assoalho do passageiro dianteiro.
A empreitada foi apoiada também pela DPaschoal, Delinte Pneus, Motul Lubrificantes, Roberto Manzini Blindagens, Mopar Performance (divisão da Stellantis) que cedeu o carro) e outras marcas como a B Power, preparadora que se especializou nas mudanças no motor 1,3 turbo flex original.
A potência original passou de 180/185 cv para aproximadamente 210 cv, enquanto o torque subiu de 27,5 m·kgf para cerca de 31 m·kgf, mantendo a possibilidade de funcionar com gasolina ou álcool. Não foram feitas modificações físicas no motor, apenas recalibrações eletrônicas.

Outra providência foi adotar injeção de água para diminuir a temperatura do ar comprimido pelo compressor e assim melhorar a eficiência do motor, feita também pela B Power. O reservatório dessa água, que era desmineralizada, era grande e foi instalado ao lado do extintor, também no assoalho onde seria o banco do passageiro. A cada duas horas, o sistema consumia ao redor de 12 litros, então era necessário um reabastecimento de água ao mesmo tempo em que se enchia o tanque de combustível com álcool. Sua capacidade é de 80 litros — 47 litros no Pulse original de qualquer versão.
Como a vaporização da água ao adentrar na câmara de combustão rouba calor, boa parte da temperatura do ar aquecido ao ser comprimido pelo compressor era reduzida, o que permitia aumento de pressão de carregamento sem comprometer a durabilidade do motor e, com isso, mais potência. Um circuito controlava o volume da injeção de água na saída do compressor. Essa tecnologia simples e interessante começou a ser usada nos motores dos aviões de combate na Segunda Guerra Mundial e continuou após o conflito em certos motores a pistão de aviões de passageiros.

Mais alterações ficaram por conta do motor e das suspensões dianteira e traseira. Aí sim, nessas, mexeram bastante, com molas de menor altura livre para reduzir a altura de rodagem e constante elástica mais alta (mais duras), amortecedores de maior carga e barra antirrolagem mais forte para evitar a rolagem excessiva. Na traseira, o curso da suspensão foi limitado, então numa curva a roda de apoio, externa, mantinha-se em sua posição correta, enquanto a outra ficava no ar. Assim, a mola não saía de sua posição e não havia atrito da roda traseira “inútil” por ela sair do chão.

Fato relevante é os freios serem os originais, inclusive com os criticados tambores atrás. Em frenagens mais fortes, os discos na frente se acendiam, e durante todo o contorno da curva (como o “S do Senna”, com ponto de frenagem a 193 km/h) eles continuavam incandescentes até a saída da antiga Curva do Sol. Temeu-se que, em virtude dessas altas temperaturas, os discos originais tivessem algum tipo de problema durante as 12 horas de corrida. Nada aconteceu, e o sistema aguentou com bravura, sem danos ou perdas de ação significativas.
O câmbio automático epicíclico de seis marchas, com conversor de torque, foi mantido. Utilizado desde os treinos e no transcorrer de toda a corrida no modo de condução Poison (esportivo), foi motivo de estranheza por parte dos pilotos. Afinal, não é comum um carro de corrida com câmbio automático desse tipo. Ao longo da prova, foram se adaptando e entendendo que aquele tipo de câmbio impedia erros: mesmo utilizando apenas trocas manuais nas borboletas atrás do volante, elas podiam ser feitas apenas até à rotação de potência máxima, não era possível ir um pouco além como é comum nos câmbios manuais. Os cuidados maiores estavam nas reduções: o sistema só as aceitava se o motor não fosse além do regime máximo de rotação. Atenção redobrada!

No final das contas, largando às 00h00 de domingo, dia 26/1, e terminando a prova depois das 12h00, o valente Pulse Abarth, sob muita chuva e sol, durante a madrugada e de dia, conseguiu encerrar a corrida em 28ª posição geral. Na largada eram 71 carros no total. Na categoria T2 (Turismo 2, até 2 litros turbo), a qual disputava, garantiu um honroso terceiro lugar. No total, foram 280 voltas no circuito de Interlagos. Motivo de comemoração!
Problemas? Além de uma colisão na lateral esquerda, ocorrida durante uma ultrapassagem, apenas o cansaço dos pilotos mais velhos. O carro ainda tinha pique para aguentar outra prova igual em seguida. Roberto Manzini com 70 anos, conseguiu ser o piloto mais velho dessa edição das Mil Milhas. Seu filho Victor, com apenas 17 anos, realizou o recorde oposto: o mais jovem da competição. Ricardo Dílser tem 52 anos, e Eduardo Bernasconi, 50.

Equipe experiente que passou bons conhecimentos ao jovem, iniciante, que fez uma dos melhores desempenhos dentre os quatro. Merecidos parabéns pelo ineditismo de um carro original enfrentando verdadeiras feras.
DM
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