Evento internacional que desde sempre busca por ter eventos nos cinco continentes, o Campeonato Mundial de F-1 vive um momento de redescoberta da África. Enquanto Johanesburgo e Cidade do Cabo batalham para reviver o GP da África do Sul, a emergente Ruanda, país situado na África Central e pouco abaixo da linha do equador, lançou sua candidatura para receber o evento indiferente às acusações de apoio a grupos armados. A disputa promete lances de megalomania e projetos faraônicos.
A história da F-1 consagra a África do Sul como um país de passado (foto de abertura) rico e marcante: em 1960 e 1986 o país teve seu próprio campeonato da categoria, usando desde modelos antigos e adaptados a monopostos que permitiam a seus pilotos competir nas provas europeias válidas pelo Campeonato Mundial. Entre 1962 e 1993 os sul-africanos também receberam uma etapa dessa série sendo que até 1968 a competição era realizada na última segunda feira do ano, como em 1962 e 1963, ou na primeira do ano, como nas provas de 1965 até 1968.
Em toda a história da prova foram utilizados dois circuitos: East London e Kyalami. O primeiro era um traçado de 3,91 km situado na costa oeste do país às margens do Oceano Índico e recebeu a competição em 1962, 1963 e 1965. Após um ano sem a etapa do Mundial, a África do Sul retornou ao calendário, agora no circuito construído em 1961 e situado entre duas das principais cidades sul-africanas: Johanesburgo e Pretoria. Com algumas interrupções o autódromo recebeu a F-1 até 1993, quando o regime segregacionista do apartheid estava no seu auge.

No início dos anos 2000, Toby Venter, empresário que entre outros interesses é o diretor-presidente da Porsche no país, tentou comprar o autódromo, mas só teve sucesso em 2014, quando esta iniciou uma série de reformas. Mais recentemente o circuito foi novamente remodelado e atualmente precisa de poucas obras para ser classificado como “Grade One”, exigência da FIA para uma pista receber corridas de F-1.
Cerca de 1.400 km a oeste de Kyalami (“Minha casa” no idioma zulu) encontra-se a Cidade do Cabo, uma mistura de São Paulo e Rio de Janeiro, à beira do Oceano Atlântico e com uma atmosfera mais descontraída que a sisuda Johanesburgo. Não é de hoje que a cidade tenta receber a F-1 e nesse processo já promoveu uma etapa do Campeonato Mundial de F-E, a categoria de carros elétricos e silenciosos. O traçado urbano de 5,7 km passa pela DHL Arena e fica a oeste das áreas mais sofisticadas da cidade: Gardens, Constantia e Waterfront.

O retorno do GP da África do Sul ganhou destaque na passagem de 2024 para 2025 graças a uma série de declarações de Gayton McKenzie, o otimista Ministro de Esportes, Artex e Cultura, como as publicadas no jornal Star: “Eu estou sufocado por pessoas que querem investir dinheiro e patrocinar a F-1 na África do Sul. Todos querem se envolver com o evento o que me faz pensar que dinheiro não é problema.”
Tais palavras foram analisadas com frieza pelo The Citizen, jornal concorrente, que publicou um editorial com o título “Taxpayers can’t pay for grand visions”, ou “Contribuintes não devem pagar por grandes sonhos” em tradução livre. O texto implica que McKenzie parece acreditar que desejos bastam para trazer o GP de volta e o processo de seleção de apoiadores já teve seu fim prorrogado. Outro ponto crucial no processo de recuperar a F-1 é a disputa entre Kyalami e a Cidade do Cabo. A primeira já tem um autódromo quase pronto e um histórico rico; a segunda tem charme e apelo turístico consolidados.

O caso de Ruanda, ou Rwanda em inglês, é mais complicado. O país é liderado por Paul Kagame desde 2000., o que já indica o regime político em vigor frente a uma população predominantemente rural e jovem espalhada por um país com área semelhante ao Estado de Alagoas: 26.798 km2. Nos últimos anos Kagame tem investido em promover grandes eventos esportivos com o propósito de criar uma imagem internacional mais favorável. No ano passado a Federação Internacional do Automóvel (FIA) realizou sua Assembleia Geral anual em Kigali, reunindo na capital do país mais de 800 delegados entre os dias 10 e 13 de dezembro. Isso faz parte do processo de convencer a opinião pública e os dirigentes do esporte de que o país pode receber a F-1, como se nota nas declarações de Kagami: “Estou contente em anunciar que Ruanda está apostando trazer o automobilismo de volta à África ao pleitear uma GP de F-1. Um grande muito obrigado a Stefano Domenicali (presidente da Fórmula 1) e sua equipe pelo bom progressos de nossas conversações ate o momento.”
Para levar a cabo o ambicioso projeto, o piloto austríaco Alexander Würz, que está envolvido com o novo circuito de Qdiddya, na Arábia Saudita, foi contratado para desenhar um autódromo permanente em área próxima ao aeroporto da capital Kigali. Segundo a expectativa local, o autódromo ficará pronto em 2028 e que Ruanda receba um GP em 2029.
WG
(Atualizado em 4/2/25 às 14h00, troca da foto de abertura)
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