Nos últimos dias, recebi uma enxurrada de links, prints e comentários a respeito da notícia de que a Jaguar estaria trocando de agência de publicidade “por causa do fracasso da campanha”. Confesso que não tenho mais paciência para reexplicar esse caso. Eu estava lá quando todo o planejamento da recriação da Jaguar foi feito. E resolvi usar esse episódio como exemplo de como as pessoas, muitas vezes, “compram” uma narrativa pronta, sem ao menos questionar o contexto.
O que me intriga, ou melhor, o que me decepciona, é ver o efeito dominó de veículos considerados confiáveis replicando esse tipo de conteúdo, sem checar a fundo os fatos. E fazem isso não porque acreditam na relevância editorial, mas por um motivo simples: gerar buzz. A velha lógica da repercussão pela repercussão. É um movimento raso, que ignora o compromisso com a qualidade da informação e transforma qualquer ruído em manchete. O quanto as pessoas não perderam de tempo útil assitindo vídeos click baits sobre esse assunto. Eu realmente me impressiono com isso.
De repente, todo mundo vira especialista em branding. Uma papagaiada enorme. E não falo só de comentaristas anônimos na internet. Basta uma manchete sensacionalista, e o público rapidamente se coloca como árbitro do que é certo ou errado na estratégia de uma marca centenária como a Jaguar. Isso diz muito mais sobre os tempos em que vivemos do que sobre o caso em si.

É verdade que a campanha foi controversa. Mas ela não era apenas sobre o Type-00 — era sobre a nova fase da marca. O conceito Exuberant Modernism (Modernismo Exuberante)foi cuidadosamente desenhado para marcar a transição da Jaguar para algo maior do que o segmento automobilístico. Como já escrevi aqui antes, trata-se de um trabalho de mais de dois anos, que buscou reinterpretar o que significa luxo no mundo atual. A marca deixou claro: o objetivo é ser uma potência global no universo do luxo moderno, e não apenas uma fabricante de carros. Essa mudança altera toda a abordagem e exige uma nova linguagem, novos símbolos e uma nova provocação estética.
Os slogans da nova Jaguar dizem muito: Copy Nothing (não copie nada), Break Moulds (quebre moldes), Live Vivid (viva com intensidade), Delete Ordinary (apague o comum). Tudo isso reflete a proposta de ser original, vibrante e emocional. Ou, como disse Gerry McGovern, Diretor Criativo da JLR:
“A Jaguar não tem desejo de ser amada por todos.”
Essa frase resume o espírito por trás da nova identidade. É uma marca que assume riscos, que entende que provocar rejeição é, muitas vezes, o preço da relevância. A decisão de apresentar modelos-conceito em eventos de arte, usar cores vibrantes, substituir o icônico growler por novos símbolos visuais — tudo isso faz parte de uma estratégia deliberada, e não de um tropeço.
O Managing Director da Jaguar, Rawdon Glover, também foi claro ao explicar o racional por trás da campanha: “Se atuarmos da mesma forma que todo mundo, seremos apenas mais uma voz sendo abafada.”
Agora, convenhamos:
Nenhuma agência coloca uma campanha no ar sem a aprovação da empresa contratante. E uma campanha desse porte passa por meses de discussões, ajustes, alinhamentos e validações.
Qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento de marketing sabe que essa história de “a Jaguar está trocando de agência por causa da campanha” é puro blá, blá, blá. A troca de agência (se é que vai acontecer) pode até estar relacionada a uma eventual insatisfação da JLR de forma mais ampla, ou simplesmente ao fim do contrato atual. Mas definitivamente não foi por causa da campanha.
A revisão da conta criativa com a Accenture Song, aliás, já era prevista contratualmente. Ainda assim, alguns preferem acreditar que foi uma resposta direta ao chamado backlash. A própria Jaguar Land Rover respondeu que a reinvenção da marca foi planejada para atrair atenção e gerar debate. E nesse ponto, o objetivo foi plenamente alcançado. A escala da reação foi inédita — e prova de que a Jaguar ainda desperta emoções.
O Jaguar Type-00, apresentado durante a Miami Art Week, não foi apenas um carro. Foi a representação física do novo posicionamento: exuberante, criativo, moderno. A Jaguar se reposicionou como uma marca de luxo emocional e artístico, capaz de dialogar com novas gerações e novos valores.
Como escrevi em novembro (Você não vai gostar disso):
“Destemida. Exuberante. Fascinante. Esta é a nova Jaguar.”
É uma marca que se reconecta com sua essência — o espírito de originalidade de Sir William Lyons — e a traduz para o século XXI. Mais do que automóveis, entrega experiências. Mais do que desempenho, entrega emoção. A nova Jaguar não quer ser igual. Não quer ser previsível. E, definitivamente, não quer agradar a todos.
Quando me perguntam sobre a nova Jaguar eu respondo: Você gostou? Se não gostou e sinto em te dizer que você não faz parte do público alvo da marca.
Antes de repetir o que leu num link qualquer, questione. Antes de compartilhar, investigue. O mundo está cheio de papagaios digitais. Não seja mais um.
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E, por fim, eu sei que nós, autoentusiastas, temos muito apego ao passado, especialmente aos passados gloriosos. Mas eu, embora respeite profundamente e ame o passado, gosto também de olhar para o futuro, mantendo-me aberto a novas descobertas e interpretações.
PM
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