No primeiro episódio da nossa jornada, detalhamos o conceito que seria aplicado para desenvolver a suspensão do Fórmula Evolution, um carro de corrida que compete no Campeonato Paulista de Automobilismo. Naquele momento, as peças do kit dianteiro estavam em produção, e vivíamos a expectativa de ter o primeiro contato com o carro sem e com as alterações, para iniciar a validação dos rumos do projeto. Parte disso, conseguimos realizar, com um treino no circuito do Esporte Clube Piracicabano de Automobilismo (ECPA), em Piracicaba, SP validando nosso estudo inicial sobre a geometria do carro e os impactos sobre a dinâmica da suspensão.
No entanto, o carro que seria utilizado para a validação do primeiro kit de atualização se acidentou durante um treino para pilotos iniciantes, o que deve atrasar nosso cronograma. São os primeiros obstáculos práticos de nossa operação, mas não vamos desanimar, uma vez que o progresso começa a aparecer.
Neste texto, atualizaremos o andamento do projeto, o que aprendemos sobre o carro no primeiro contato em pista, e o que nos espera nos próximos passos.
O primeiro contato
Com a minha experiência em carros que compartilham o chassis do Fórmula Evolution e os dados de medição de geometria obtidos pelo engenheiro e chefe do projeto Alexandre Vasconcellos Rodrigues, já tínhamos uma expectativa sobre o comportamento dinâmico do carro. O desbalanço de rigidez entre os eixos e o motion ratio muito baixo na dianteira, tornaria o carro excessivamente traseiro e muito “nervoso”, com pouco apoio do amortecedor nas transferências de peso. Mas seria importante validar esse comportamento com as impressões de um piloto. E eu como o piloto de desenvolvimento designado seria o responsável por este diagnóstico e definição de uma referência técnica sobre o comportamento no carro.
Com o ECPA, sendo um dos autódromos mais acessíveis do ponto de vista de custos e de estrutura, ele é o destino para a maioria das equipes do Paulista de Automobilismo que desejam dar mais rodagem aos seus pilotos ou desenvolver seus carros. Por isso, nosso início de trabalho nas pistas seria em uma das datas de treinos livres do ECPA, mais precisamente no dia 17 de maio deste ano.
Apesar do circuito não ser o ideal para o nosso desenvolvimento pela diferença extrema de características em comparação a Interlagos, onde a categoria corre 90% das suas provas no ano, o ECPA tem um traçado muito técnico, com curvas de média-baixa velocidade que exigem bastante do equilíbrio dinâmico do carro. Então, seguimos com o plano para definir essa referência, sabendo que serviria somente como uma primeira impressão e não uma base comparativa para os dados obtidos.
No carro cedido pelo piloto Gustavo Moreno e pela equipe Rosset Racing, tivemos dois treinos de 30 minutos para obter as principais informações e impressões. A ideia era rodar o máximo possível, parando somente para checar a pressão dos pneus ou em caso de algum problema. No primeiro treino, depois de uma breve aclimatação (fazia 6 anos desde a última vez que andei no ECPA) comecei a me aproximar do limite do carro, guiando de forma mais instintiva para entender suas reações.
Documentamos todas essas etapas para facilitar a checagem de informações e registrar os avanços do projeto. Portanto, deixo aqui minhas impressões que escrevi no relatório após os treinos, para exemplificar como tratamos esse trabalho: “O carro tem tendência traseira na transferência longitudinal, dianteira no apoio. Carro muito duro, quem apoia é o chassis, suspensão quase inoperante. Pista estava suja, pressão de pneus ok, 25 libras quente. Volante com resposta muito direta, mas aponta pouco”. Também fazemos esses comentários curva a curva, conforme o documento abaixo.

No segundo treino, mudei um pouco a abordagem, guiando de forma mais tranquila. Forçando menos o carro, mas entendendo as suas limitações e características dinâmicas, consegui contornar as principais dificuldades e viramos o melhor tempo do dia. A maior dificuldade é fazer o carro “rotacionar”, ou seja, girar em seu próprio eixo, sem perder o controle da traseira. Como relatei acima, ao transferir peso na frenagem, o carro perde muita aderência na traseira, provocando oversteer excessivo (sobresterço), termo para quando o carro sai de traseira. A rigidez do eixo dianteiro, não permite que esse peso se acomode na dianteira, e o piloto sustente esse sobresterço pelo contorno de curva. Com isso, na hora de transitar entre os pedais e começar a tracionar, o carro se torna muito dianteiro, fazendo com que o piloto tire o pé na saída de curva, quando poderia estar acelerando.
Com um trailbraking (modulação da pressão de freio) mais agressivo consegui contornar algumas dessas dificuldades e aproveitar melhor da boa tração que o motor Hyundai oferece, com muita potência disponível desde as rotações médias. O grande problema seguiu na rigidez excessiva do eixo dianteiro, que não consegue absorver as ondulações do circuito e nos faz perder décimos preciosos nos momentos de reaceleração.
Tirando isso, o carro é extremamente prazeroso de guiar. O motor é forte e responde bem em todas as situações, o engate de marchas é preciso e tem bom escalonamento. Os pneus são responsivos e têm muita bastante previsibilidade de aderência. O sistema de freios mantém desempenho consistente durante períodos prolongados de uso intenso, sem fading perceptível. Em resumo, temos uma grande base para trabalhar. Veja abaixo o vídeo onboard da nossa melhor volta no dia:
Primeiras pecas prontas e montadas
Enquanto acelerávamos na pista, também progredimos na oficina com a produção das primeiras peças para o kit dianteiro. Iniciamos com uma prototipagem com impressão 3D do suporte superior do amortecedor dianteiro, a peça branca nas imagens abaixo. Essa fase foi essencial para validar pequenos detalhes de encaixe e montagem sem gastar com a produção da peça metálica. Isso também nos permitiu fazer pequenos ajustes com mais facilidade — é muito mais fácil limar alguns milímetros do plástico do que do aço.
Clique nas fotos com o botão esquerdo do mouse para ampliá-las e ler as legendas.
Com o suporte superior resolvido, o ponto mais crítico da dianteira, seguimos com a produção do suporte inferior de de concepção mais simples. Abaixo na foto
temos a nova construção da suspensão dianteira praticamente pronta, faltando somente a nova barra de sustentação e ajuste de altura.

Com o suporte dianteiro pronto e toda a montagem validada teríamos a primeira oportunidade para realizar o primeiro teste com a nova geometria em duas oportunidades: aproveitar a data de um treino livre para novatos no Raceville, novo autódromo localizado na cidade de Brotas, interior de São Paulo, ou nos treinos livres da etapa de junho do Campeonato Paulista, previstos para o dia de 19 de junho. Mas foi aí que a situação saiu do nosso controle e enfrentamos os primeiros obstáculos.
Atraso por uma batida
O preparador Thomaz Giacomo, de Piracicaba, foi quem iria ceder um carro para nosso desenvolvimento, além de ajudar com a montagem das peças. Mas este carro também seria alugado para treinos e corridas, pois se isso não fosse feito, causaríamos um prejuízo financeiro muito maior à sua equipe que disputa e li dera o campeonato com o piloto André Eidt.
O carro foi alugado para os treinos no Raceville e a prioridade seria prepará-lo para esse dia. Mas tivemos um atraso na montagem das peças e perdemos essa data de treino, ficando para a próxima etapa do Paulista. Mas nesse treino, os carros seriam cedidos para pilotos novatos, principalmente que migravam do kart. E o piloto do nosso carro cometeu um erro, danificando todo o conjunto de suspensão dianteiro esquerdo, além da direção e radiador.
Isso nos deixou em uma corrida contra o tempo para o próximo teste em junho. A tarefa não seria fácil: em 20 dias seria necessário primeiro reparar o carro, depois montar as novas peças e então treinar. Para piorar a situação, o calendário apertado de Interlagos levou a uma mudança na etapa e ela foi realocada para o Velocitta, onde o cronograma seria mais apertado e sem treinos livres. Assim, perdemos duas oportunidades valiosas.
Reorganização do cronograma e previsão do próximo teste
Com essa realidade, ficamos na expectativa de fazer a validação do conjunto dianteiro no dia 19 de julho, nos treinos livres da próxima etapa do Campeonato Paulista de Automobilismo, em Interlagos. De positivo, fica a possibilidade de também validar o conjunto traseiro, já que o tempo extra entre essas atualizações nos permitiu avançar também nessas peças.
Espero voltar aqui no próximo episódio com um progresso mais animador e concreto do nosso projeto.
IG