Interessante como as marcas se comportam em cada um dos mercados em que atuam, mas não podemos desconsiderar alguns conceitos estabelecidos como convencionais.
Tal discussão não é nenhuma novidade. Lembro que alguns anos atrás, quando a internet ainda estava se popularizando e iniciava o movimento para atingir as grandes massas, a Chrysler, que atualmente não está comercializando nenhum modelo no Brasil, foi questionada por qual motivo atuava no Brasil como uma marca premium/luxo se nos Estados Unidos era uma marca destinada à classe média. O mesmo ocorre com uma série de marcas que atuam por aqui, e que comercializam veículos como se fossem premium/luxo mas na verdade são meras marcas generalistas lá fora.
No setor automobilístico, as marcas consideradas como “luxo” são aquelas que construíram prestígio ao longo de sua história, normalmente marcada por décadas de desenvolvimento numa trajetória com foco em engenharia, conforto, status e, principalmente, exclusividade.
Estes conceitos são muito abrangentes, mas dentro do mercado de luxo podem ser bem delimitados.
A boa engenharia não diz respeito unicamente potência e tecnologia aparente. No luxo, normalmente a potência e a tecnologia são acompanhadas de um veículo pensado, construído e refinado para atender determinados anseios. Diz respeito a plataformas próprias da marca com conjuntos de motor/câmbio em sua maioria desenvolvidos dentro da própria empresa e que trazem suspensões calibradas para traduzir suavidade, estabilidade e silêncio ou máxima aderência e performance, conforme o caso. O veículo possui uma integração plena com mecânica, eletrônica e software trazendo uma confiabilidade acima da média ao cliente final.
Quanto ao conforto, não se trata apenas do conforto de um banco ou do toque dos materiais internos utilizados. É algo superior e que envolve outros elementos que vão desde itens simples como isolamento acústico apurado, sistema de climatização interno perfeito, qualidade de rodagem na maioria dos pisos e uma ergonomia completa incluindo diversos mimos para todos os ocupantes do veículo, entre outros.
Status não é necessariamente um conceito simples de descrever, pois não está vinculado a preço. Obviamente não está associado a um veículo de entrada e trata de um reconhecimento social imediato e que não exige qualquer explicação. Trabalha com a história e o legado da marca que tem sua imagem atrelada a sucesso e prestígio em algum determinado ambiente. De forma usual possui um design único e reconhecível por qualquer ser humano médio. É um veículo que é desnecessário ser banhado a ouro ou ter cores chamativas para ser reconhecido; o veículo “fala por si só”. O status não se compra com tecnologia; pode estar atrelado a ela, mas não é o único elemento a ser considerado.
Por fim, a exclusividade. Diferente do status, a exclusividade é o controle da escassez de unidades à disposição via uma produção limitada, por intermédio de um nível de personalização quase que exclusivo e que passa por itens de desempenho ou acabamentos internos e externos, atendimento diferenciado, pontos de venda limitados, participação de eventos exclusivos, entre outros fatores que somente os proprietários poderão ter acesso. Trata-se de um conceito atrelado ao marketing em que se tenta criar e manter a exclusividade com a construção de uma imagem de prestígio e foco absoluto na experiência do cliente.
Dentro do segmento de luxo, um entendimento comum é que se todo mundo tem, não existe luxo.
Dentre as marcas que atuam no segmento de luxo, temos, com maior ou menor atuação: Acura, Audi, Bentley, BMW, Bugatti, Ferrari, Infiniti, Jaguar, Lamborghini, Lexus, Maserati, Maybach, Mercedes-Benz, Porsche, Range Rover, Rolls-Royce, entre outras.
No Brasil algumas marcas chinesas afirmam ser marcas de luxo. Mas por quê?
Conforme acima retratado, uma das premissas de luxo é ter tradição. Estas marcas não apresentam a tradição necessária para ser considerada uma marca de luxo no conceito tradicional. Conforme já escrevi no início deste ano, aqui mesmo, a história da indústria chinesa moderna é muito recente impedindo, desta forma, de se utilizar o termo no conceito tradicional.
Elas possuem qualidade, mas o quanto ainda é uma incógnita. Elas possuem desempenho de performance, mas até que ponto? Elas ainda não participam de competições internacionais como Fórmula 1 (monopostos de alta tecnologia), Campeonato Mundial de Endurance – WEC (corridas de longa duração como 24h de Le Mans), Fórmula E (monopostos elétricos), WRC – Rali (Campeonato Mundial de Rali),… tudo ainda é muito embrionário em se tratando de indústria chinesa e neste contexto ainda estão construindo toda a sua história em relação a qualidade, engenharia, design, tecnologia,… Não existe, ainda, esta percepção pelo público final.
Isto não é nenhum problema e as marcas chinesas ao posicionarem suas submarcas dentro de seus grupos, posicionam as marcas acima das marcas de volume como marcas premium ou de luxo. Este é o ponto!
“Errado não tá”, mas sempre é bom explicar, né.
Denza (BYD), Lynk & Co (Geely), Omoda / Jaecoo (Chery), Tank (GWM), Wey (GWM) e Zeekr (Geely) são exatamente marcas conforme descrição acima.
E importante frisar que por aqui a marca Omoda / Jaecoo está sendo tratada como uma única marca e dissociada da Chery, mas na verdade são duas. A Omoda tem foco na inovação, tecnologia e design enquanto a Jaecoo tem por objetivo um público mais executivo e tradicional. Se consideradas sob o grupo econômico, apesar de operações separadas no Brasil, por aqui poderiam ser consideradas como marcas de luxo no mesmo conceito das demais chinesas acima citadas.
Outras marcas, apesar de pontualmente trabalharem com produtos de nicho em segmentos de luxo são, em sua maioria, marcas de volume tradicional com maior ou melhor grau de tecnologia, acabamento e… luxo.
Não somente o mercado automobilístico mas igualmente o conceito de luxo no setor também se encontra em evolução. A entrada de marcas elétricas e de novas tecnologias tende a redefinir alguns parâmetros tradicionais no curto prazo. Num futuro próximo a exclusividade e o status tendem a permanecer como elementos sólidos em relação ao conceito de luxo, mas a tradição poderá cair a depender dos resultados destas novas tecnologias e sua aceitabilidade dentro deste seleto grupo.
Marcas emergentes, incluindo-se as chinesas, têm uma oportunidade de construir rapidamente reconhecimento e credibilidade, especialmente em segmentos de luxo elétrico, desde que consigam alinhar engenharia, design, performance e percepção de marca.
Ainda um desafio a ser superado pois apesar de toda a força de uma marca como a Tesla (e tantas outras), o que esta marca em específico tem a oferecer em relação a uma marca como uma Rolls-Royce ou uma Mercedes? Sob meu humilde ponto de vista, muita gasolina (ops)… muita energia ainda será gasta!
Ahh, não citei Jaguar! Está passando por um inferno astral com demissão de CEO, discussão sobre estratégia global certa ou errada,… Torço por sua breve recuperação… durante toda minha infância convivi com um quadro do XJ6 e XJ12 juntos que ajudaram a amadurecer o meu gosto por veículos com design!
MKN
A coluna “Visão estratégica” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.





