Por pouco o Brasil não teve um grande evento internacional de automobilismo off-road. Uma parceria nos anos 1980 entre o francês Thierry Sabine e o jornalista português migrado para o Brasil, Francisco Santos, poderia ter dados bons frutos para o automobilismo brasileiro, mas uma tragédia acabou com as chances.
Sabine é o idealizador do grande rali Paris-Dakar, o maior rali de terreno aberto do mundo, categoria também conhecido como rali reide. Ele criou o famoso Paris-Dakar durante outro rali, o Abidjan-Nice. Durante a sua participação como piloto em 1978, ele se perdeu no deserto do Ténéré e teve tempo suficiente para imaginar como seria bom aproveitar um deserto para fazer um rali.
O território brasileiro, e a América do Sul de forma geral, possui um terreno bem propício para ralis tipo cross-country, mesmo com a extensão de terras de grandes proporções se comparado com a Europa. Francisco Santos tinha experiência em organização de eventos e de corridas, desde 1977 ele já promovia corridas no Brasil como o Rali de Campos de Jordão, o Rali Internacional do Brasil e posteriormente viria a ser um dos idealizadores do que hoje conhecemos como a Fórmula Truck. Quando teve contato com o jovem e empolgado Sabine, não demoraria para que alguma proposta de corrida nascesse para o Brasil, nos moldes dos ralis de Sabine.
Em 1985, os dois amigos pegaram firme na proposta de criar um rali de grandes proporções passando pelo Brasil, e a região escolhida seria a Amazônia. Correr no meio da maior floresta tropical do mundo seria um desafio e tanto, e esta ideia precisava ser explorada. Sabine montou uma pequena equipe de “exploradores” para cruzar a floresta e fazer o levantamento do terreno, conhecer os riscos e oportunidades para que seu novo rali pudesse se concretizar. Este seria conhecido como o Rali Trans Amazônia, ou Rali Transamazônia.
Para fazer o levantamento dos dados e informações, e também simular como poderia ser o percurso, Sabine trouxe da Europa um Citroën Visa 4×4 de rali e utilizou como carro de apoio um Toyota Bandeirante. Nada mais apropriado para enfrentar a Amazônia dos anos 1980.
Após algumas visitas e trechos percorridos, boa parte do levantamento necessário estava sendo feita, e outros aspectos funcionais estavam sendo criados, como onde seriam os pontos de apoio às equipes, os locais de reunião, o apoio das forças públicas para que o rali pudesse ser realizado.
Uma das maiores dificuldades para que o rali no Brasil fosse realizado, segundo publicações da época, era o medo dos próprios pilotos. Conseguir ajuda e resgate no meio do deserto não é simples, mas também não é impossível. Agora, no meio da mata fechada é quase impossível de se acessar, ou mesmo de se localizar um acidente.
Em janeiro de 1986, entretanto, uma tragédia colocou um fim ao Rali Transamazônia. O helicóptero em que Thierry estava sobrevoando o deserto de Mali, na África, chocou-se contra uma duna de areia e não houve sobreviventes. Francisco Santos não teria como realizar o restante do planejamento sozinho sem seu amigo, assim a proposta foi descartada.
Há relatos da época de que a relação entre Sabine e Santos não ia bem, com declarações de Santos de que a organização do evento estava sendo distribuída para pessoas com pouco conhecimento sobre ralis, como por exemplo, o diretor de prova ser Tito Rosemberg, jornalista especializado em turismo e aventuras.
Santos também aponta um sério problema no contrato com uma rede de televisão que cobriria o evento, e traria retorno de mídia (e financeiro) para os organizadores e patrocinadores. Na época, chegou-se a anunciar a Globo como a rede que faria a cobertura, mas isso não se concretizou.
Muitos dos detalhes deste rali nunca se tornaram públicos, mas algumas fotos feitas pela equipe de Sabine estão disponíveis na internet, e já mostram bem como poderia ter sido a experiência de correr em um lugar tão desafiador como a floresta amazônica.
Hoje, um rali internacional deste porte sendo realizado em terras tupiniquins traria uma enorme visibilidade ao nosso território, mas, por outro lado, seria um desafio gigantesco com todas as dificuldades de locomoção e infraestrutura na região amazônica.
MB
Nota: Este texto foi sugerido pelo leitor Marcelo Marchiodi algum tempo atrás, quem nos indicou a localização das fotos no site gettyimages.