Paixões à parte, é patente a vitalidade da Volkswagen ao longo de 64 anos de Brasil, com as boas lembranças da fabricação da primeira Kombi, em 2 de setembro de 1957, na nova fábrica às margens da via Anchieta, em São Bernardo do Campo, ainda por inaugurar — o que só ocorreria em 19 de novembro de 1959 com o presidente da República Juscelino Kubitschek de Oliveira percorrendo suas dependências, de pé dentro de um Fusca conversível dirigido pelo presidente da Volkswagen do Brasil, Friedrich Wilhelm Schultz-Wenk, o presidente da VW mundial, Heinrich Nordhoff ao seu lado e o governador de São Paulo, Carvalho Pinto, no banco traseiro. O Fusca e a Kombi dispensam maiores comentários, pois são ícones eternos e que marcaram indelevelmente a imagem da Volkswagen no setor automobilístico mundial.
Na década de 1960, a Volkswagen apresentou grande crescimento no Brasil, com lançamentos importantes como o Karmann-Ghia em 1962, o VW 1600 4-portas em 1968 e a Variant em 1969. A década de 1970 começou e logo veio o TL , depois Karmann-Ghia TC e o SP1/2 em 1972, o Brasília em 1973 e o Passat, uma variação do Audi 80, em 1974. E nasceriam o Gol em 1980, o Santana em 1984 e o Fox, em 2003.
Como destaque aos veículos projetados e desenvolvidos no Brasil, eu não poderia deixar de escrever um capítulo especial a respeito do VW SP2. No início dos anos 1970 os esportivos fabricados no Brasil eram o Karmann-Ghia e alguns carros de pequena série, destacando-se o Puma e o Miura. O primeiro contava com fornecimento do chassi rolante com trem motriz fornecido pela VW do Brasil e fez enorme sucesso.
A VW brasileira, com seu presidente alemão Rudolf Leiding, lograva certa autonomia em relação à matriz na Alemanha e foi graças a ele que em 1969 foi dada a partida ao projeto “X”, um veiculo esportivo projetado localmente. O estúdio de estilo somado ao departamento de criação do produto e à oficina de prototipagem fez com que o “Projeto X” acelerasse de maneira rápida e eficiente.
Com a incorporação da Vemag e sua moderna fábrica à Volkswagen do Brasil em 1967, houve um fortalecimento em tecnologia, tanto na área de projetos quanto na manufatura e que foi parte importante no desenvolvimento do esportivo puramente nacional. Com suas instalações modernas, a Vemag foi parceira relevante, compartilhando todo seu arsenal cultural e equipamentos de última geração, praticamente idênticos aos da matriz alemã. Também o intercâmbio de técnicos brasileiros e europeus foi muito incentivado, o que gerou competente equipe multifuncional digna de elogios.
Interessante a maneira como o Projeto X foi desenvolvido, com a engenharia do produto e à manufatura estreitamente ligadas, sendo praticamente um só time. Um bom exemplo foi o projeto e o fechamento da carroceria, definindo o processo de soldagem por pontos ou por cordões, onde o acesso dos dispositivos era mais difícil, para atender a robustez da carroceria. Na realidade a equipe constituída por Senor Schiemann, Márcio Piancastelli, José Vicente Novita Martins e Jorge Yamashita Oba fez a grande diferença, executando com maestria todos os meandros do projeto, o que resultou em um veículo bonito, harmonioso e forte, destacando-se a resistência estrutural da carroceria, tanto em flexão quanto em torção.
O chassi da VW Variant foi como uma luva, dando ao novo veículo um toque moderno e relativamente eficaz em termos dinâmicos, aliado às suas dimensões equilibradas com o comprimento de 4.217 mm e entre-eixos de 2.400 mm, altura 1.158 mm e largura de 1.610 mm, complementada por rodas de 14″ com pneus 185SR14.
Construído em chapa de aço era relativamente pesado para a sua motorização (890 kg). O SP1 com motor 1.584-cm³/54 cv e relação peso-potência de 16,5 kg/cv estava muito aquém do desejável para este segmento. Mesmo o SP2 com 1.679-cm³/65 cv e 13,7 kg/cv, ainda deixava a desejar. Como referência comparativa, o Ford Ka 2017, motor 1,0 tricilindro e aspiração natural, a relação peso-potência é 12,3 kg/cv, bem melhor até que o SP2. Note o leitor que a relação peso-potência tem influência direta na aceleração do veículo, e quanto mais baixa, melhor. O resultado foi que o SP1 ficou em segundo plano desde o seu nascimento, devido à sua pouca potência e seu acabamento interno mais simples, que não justificava o seu elevado preço. Foram produzidas não mais que 70 unidades.
Já o SP2 com motor mais potente e acabamento diferenciado chamou a atenção do público, que o escolheu como a única versão comprável do esportivo. O estilo do SP2 é realmente marcante, com carroceria bem proporcionada em relação ao tamanho das rodas, seu entre-eixos e sua ampla frente com quatro faróis circulares. Um largo friso refletivo em sua lateral era a cereja do bolo, dando um charme especial ao veículo. Os para-choques emborrachados eram de muito bom gosto, funcionais e com lanternas dianteiras na cor âmbar, muito bem aplicadas em sua carroceria. Entradas de ar de arrefecimento nas colunas traseira para o motor complementavam o estilo brilhante de sua carroceria.
O seu interior também impressionava positivamente com bancos revestidos em couro, normalmente na cor caramelo, incluindo apoio para a cabeça e seu painel completo, com velocímetro até 200 km/h, conta-giros, termômetro de óleo, medidor do nível de combustível, amperímetro e relógio. O rádio AM e a ventilação forçada da cabine também eram itens de série. Os dois porta-malas, dianteiro e traseiro, apresentavam um bom volume útil, totalizando 345 litros. Detalhe interessante era o limpador de para-brisa pantográfico no lado do motorista, para maior área de varredura.
Muito bonito o volante esportivo de três raios revestido em couro, produzido pela empresa Walrod, famosa na época por equipar a maioria dos veículos brasileiros. As alavancas de câmbio e do freio de estacionamento eram em madeira jacarandá, dando um toque a mais de requinte ao interior do veículo. Com velocidade máxima de 153 km/h e aceleração de 0-100 em 17,4 segundos, ainda estava longe de ser considerado um esportivo. A fábrica recomendava gasolina azul, a de maior octanagem disponível na época, compatível com a taxa de compressão 7,5:1 do motor boxer 1,7-litro .
O protótipo do esportivo de dois lugares foi apresentado em São Paulo na Feira da Indústria Alemã em março de 1971, gerando muita curiosidade por parte do público e da imprensa especializada. A origem do nome SP ainda é controversa, ou a abreviatura para São Paulo, ou Sport Prototype, ou Special Project, entre outros. O mais provável é São Paulo em homenagem à maior cidade brasileira.
O novo esportivo chegou às revendas da VW em julho de 1972 nas versões SP1 e na completa SP2, custando menos que o Puma, porém, ainda com preço exorbitante — daria para comprar dois Fuscas zero-quilômetro na época. O grande trunfo foi contar com a imagem de qualidade dos veículos VW e a grande rede de concessionárias da marca.
O SP2 ficou somente três anos em produção, sendo descontinuado em 1975, como modelo 1976, após 10.200 unidades produzidas, sendo 681 exportadas para a Europa. Mesmo bonito, o esportivo brasileiro deixava muito a desejar em desempenho, sendo muitas vezes ridicularizado pelo consumidor e também pela imprensa especializada, como Sem Potência 2. Mesmo assim o SP2 fez sucesso também no exterior, recebendo fortes elogios da revista alemã Hobby, que o anunciou como “Volkswagen mais bonito do mundo”. As revistas americanas Car and Driver e Road & Track também avaliaram o SP2 e o elogiaram em termos de estilo, principalmente.
Destaque para o AutoMuseum Volkswagen, onde estão guardados vários tesouros. Há também a Zeithaus (Casa do Tempo) dentro da Autostadt (Cidade do Automóvel), esta inaugurada em 1º de junho de 2000 e construída dentro do terreno da fábrica de Wolfsburg. A Zeithaus abriga cerca de 130 veículos feitos pela VW ou sob licença, mantendo em seu acervo um belíssimo SP2 amarelo, impecável (outro, branco, está no AutoMuseum).
A Volkswagen ainda insistiu na continuação da família SP com a versão SP3, que não saiu do papel e que incluía o motor dianteiro arrefecido a líquido do VW Passat TS. Também a Dacon, concessionária VW, construiu um protótipo funcional de outro modelo com motor do Passat na traseira e radiador e ventilador na dianteira, sendo um completo desastre em termos funcionais, o que o fez rapidamente esquecido.
A homenagem de hoje vai para a Volkswagen que indiscutivelmente tem contribuído positivamente e com relevância no mercado local ao longo dos anos, como “a marca que conhece o nosso chão”. Nesta linha, o destaque é o simpático e atual VW up! que em minha opinião será um sucesso crescente e duradouro no mercado mundial e particularmente no mercado brasileiro.
Para os saudosistas, uma imagem do Passat TS, marco na indústria automobilística brasileira e que deixou saudade.
CM