Na prática a teoria é outra, e quem disse que era fácil?
Estamos no sábado, dia 26 de agosto de 2017, e já chegamos ao hotel Faro, velho conhecido meu, pois foi lá que eu proferi quatro palestras para o pessoal do CAAT, o Clube de Autos Antigos de Taubaté. Mas eu tinha que comprar um marcador verde e um desodorante que eu tinha esquecido. Fomos procurar estes itens, só que era sábado à tarde… A primeira parada foi na farmácia próxima ao hotel, onde o item desodorante foi resolvido. Aí eu perguntei ao atendente onde havia uma papelaria aberta, mas àquela hora não havia nenhuma naquela região da cidade; então o simpático atendente foi até o caixa e me deu um marcador verde de presente, desejando um bom rali.
Na volta para o hotel passamos por um posto de gasolina para abastecer e aí vimos que havia um vazamento de óleo, mas não era possível descobrir de onde ele vinha. Conferimos o nível do óleo que estava bom, o motor pegava bem, estava puxando de acordo, não havia nenhum ruído estranho, tinha marcha-lenta estável, portanto decidimos seguir com o plano.
O briefing
Às quatro horas da tarde começou o briefing, ou preleção, no auditório do hotel, a estas alturas cheio. Os participantes do rali foram saudados pelo Aldo Fusco.
O Paulo Animau assumiu a palavra e, antes de entrar no detalhamento da planilha, os participantes foram chamados para receber os seus exemplares.
Um dos slides projetados dava as horas previstas para o primeiro carro chegar a alguns pontos-chave do roteiro do rali; ao lado deste slide foi apresentado o esboço de um mapa que, na verdade, era a rota a ser seguida, mas a sua resolução não permitia descobrir esta rota. Ocorre que este mapa é o resumo de um trabalho minucioso de preparo da planilha; o Paulo Animau me enviou este mapa para mostrar como este trabalho é feito:
O Paulo Animau detalhou os pontos importantes da planilha e deu algumas dicas de como proceder durante o rali. Durante a apresentação sucederam-se muitas perguntas, que foram todas respondidas.
Terminado o briefing houve uma pausa para café que serviu para o pessoal ir se entrosando.
Colocando a “roupa de competição” no Fusca
Depois disto descemos até a garagem para adesivar o carro. Usamos a técnica de passar uma cera onde o adesivo seria colado, para ajudar a posterior retirada e preservar a pintura do carro.
Chega o grande dia
O domingo chegou anunciando ser um dia esplendoroso, como mostra a foto que o Paulo Keller tirou da janela de seu quarto:
Depois do café da manhã partimos para o ponto de encontro e local de partida do rali, o Posto Olá Caçapava, antes disto uma foto dos intrépidos AUTOentusiastas:
O Posto Olá Caçapava fica numa “ilha” no centro da rodovia SP-70 Governador Carvalho Pinto e o grande estacionamento, demarcado em amarelo na imagem do Google Maps, ficou pequeno quando todos os carros participantes chegaram lá.
Os carros participantes foram se acomodando no estacionamento e a sua diversidade foi muito interessante, mas os Fuscas estavam representados em maior número, como se vê em algumas fotos do Paulo Keller:
Aproveitando a deixa apresento algumas fotos minhas, já que os dois lotes de fotos demonstram a diversidade dos carros que participaram do rali, desde os mais possantes até os de menor potência, todos juntos e misturados.
Uma foto aérea mostra uma vista parcial do estacionamento que foi ocupado pelos carros do rali do CAAT:
As equipes foram convocadas para um briefing final de partida, quando foram passadas as últimas informações do percurso; por sorte não havia nenhuma estrada bloqueada que pudesse interferir no rali (e se houvesse esta teria sido a hora de comunicar o fato e as possíveis alterações de percurso).
Também sobrou tempo para a tradicional foto em grupo; até este momento as coisas estavam tranquilas.
A hora da verdade
Mas a proximidade da partida começou a me preocupar, o desconforto de uma primeira vez se fez presente. Foi uma pena, mas não tínhamos feito nenhum teste ou ensaio antes daquele momento, coisa que mostrou ter sido um erro nos primeiros quilômetros da prova. Eu não tinha ideia disto, mas a minha cara não estava nem um pouco tranquila e o Paulo Keller com a sua potente lente zoom captou isto, coisa que eu só vim a ver quando recebi as fotos dele.
O Fusca do Bird Clemente “é muito fotogênico” e manteve as aparências. Formou-se a fila e o nosso carro, que tinha o número 13, era dos primeiros a largar.
Nossa hora “H” chegou, demos a largada e foi dada partida no cronômetro do programa do João Simões, acendemos os faróis principais e os de longo alcance e o carro assumiu o seu caráter de “veículo de competição”.
Caminho da roça
Já no início do rali, a primeira confusão: perdi a entrada da área industrial Mubea, e tivemos que retornar por Quiririm e passar a recuperar o tempo perdido. A participação sem um treino anterior estava me castigando, particularmente não aconselho isto a ninguém.
Passamos pela área industrial, onde o percurso fazia um “caminho de rato” entre as empresas com carros passando de um lado para o outro, indo e voltando pelas ruas lançadas em reticulado, até que saímos para a rodovia, onde não havia muita troca de percurso.
Mas acabamos perdendo uma das pegadinhas que era sair da pista para uma via paralela e logo depois voltar para a estrada, foi a primeira discussão entre navegador — tipo preocupado — e piloto — tipo de bem com a vida —, e não seria a última… O fato de estarmos tentando recuperar o atraso certamente teve influência neste episódio.
Ocorre que os dois GPS instalados no carro pela organização da prova (foto deles adiante) eram os dedo-duros da prova com uma grande precisão e tudo estava sendo registrado por um computador central, os pontos positivos e negativos eram computados ao mesmo tempo que os carros iam progredindo no percurso, bem pior que o temido “Big Brother” do filme “1984”, de 1956.
Algum tempo depois saímos da estrada principal para uma linda estrada estreita e muito íngreme, como mostra a foto de abertura e a foto abaixo, e o Fusca encarou o subidão com toda tranquilidade.
Neste ponto passamos a interpretar a planilha um pouco melhor. Como para nós não havia como zerar o odômetro total no software que tínhamos, o jeito foi ir zerando o parcial a cada ponto indicado na planilha e tudo estava ancorado no cronômetro que jamais pode ser zerado intencionalmente neste tipo de competição.
Um pouco da planilha e de seus segredos
Na planilha há indicações evidentes como, por exemplo, uma passagem em nível de uma via férrea.
Mas também foram instaladas várias pegadinhas como o famigerado “portão azul” que foi visto por muito poucos dos participantes, nós fizemos parte deste último grupo. Mas teve gente que teve tempo até para registrar o tal portão numa foto:
Acho que muitos devem ter se espantado com o carro do qual foi tirada a foto do “portão azul”, trata-se de um Fiat Mobi, e quem aparece na foto é o Sílvio Pereira, cujo carro antigo teve um defeito que o tirou da prova. O Sílvio e o seu genro, Thiago Benfica que foi o piloto, participaram para curtir a prova mas não tiveram pontos contabilizados.
Enfim um “pipi-stop”, depois de uma hora e meia de competição
A prova continuou no seu ritmo até a primeira parada maior que foi no Palácio Boa Vista, residência de inverno do governo de São Paulo, onde deu para dar uma chegada ao toalete e esticar um pouco as pernas, liberando, no meu caso, a tensão acumulada no percurso. O nosso carro foi flagrado na hora em que estávamos alinhando na nossa posição de relargada.
Parada seguinte para um sorvetinho delicioso, mas antes disto o nosso mundo ameaçou desmoronar
A próxima parada maior seria na sorveteria Eisland (terra, ou mundo, do sorvete em alemão), mas até lá as coisas tiveram uma reviravolta para nós. A complicação aconteceu quando entramos num trecho de terra, indicado pela tulipa 126 prevista para o tempo 2h14m29s como se pode ver na reprodução da planilha abaixo:
Não deu outra! Não muito longe da entrada da sorveteria a borracha de pega da garra esquerda do suporte do smartphone entregou a alma e o suporte literalmente cuspiu o celular para frente e o Paulo Keller o pegou no ar. Tentei recolocar o aparelho no suporte, que instantes depois voltou a cuspir o aparelho; novamente a contagem de tempo ficou preservada, mas ao ajeitar o aparelho na perna um toque a mais na tela reiniciou o programa e lá se foi a imprescindível contagem de tempo…
Seguiu-se um momento de consternação, pois já estávamos trabalhando em caráter precário, já que não tínhamos como zerar o odômetro total, mas com o tempo tínhamos achado um jeito de quebrar o galho na navegação, zerando o odômetro parcial a cada ponto indicado na planilha. Mas sem o nosso tempo?
Mas… não contavam com a minha astúcia. Seguindo o conselho de experientes “ralizeiros” eu tinha partido o cronômetro de meu relógio de pulso (que tinha quebrado a caixa na tarde anterior, mas continuava funcionando) e nós tínhamos mais uma chance de continuar com nossa navegação.
Entramos na sorveteria, uma parada muito agradável (tinha até um delicioso sorvete sem açúcar) onde os participantes aproveitaram para trocar as suas experiências até então.
Por um tempo as condições de navegação foram meio difíceis, como se pode ver na foto abaixo que foi decupada do vídeo que o Paulo Keller fez. Aproveito esta foto para dar algumas explicações sobre a situação e sobre o equipamento do qual dispúnhamos naquela fase do rali.
Nesta foto podemos ver os seguintes itens:
1- A planilha com o roteiro do rali, impressa em formato A5.
2- “Antigo” relógio digital com cronômetro que acabou sendo o “salvador da pátria”
3- O smartphone com o programa desenvolvido pelo João Simões, de Portugal, a esta altura servindo para ir registrando o odômetro parcial que era zerado, através de um toque na tela, a cada ponto registrado na planilha
4- A inseparável caneta
5- O suporte do smartphone que quebrou, aliás este é um ponto que merece mais atenção. O suporte que eu tenho provou ser muito fraco; para uma prova destas se deve usar uma fixação mais eficaz, tem gente que colou o aparelho no painel com uma fita dupla face.
6- Os dois GPS profissionais de rali da organização do evento, que foram fixados com um Velcro que foi colado no vidro por uma potente fita dupla face, que para tirar deu um bom trabalho. Uma fixação boa, sem dúvida alguma.
Depois de algum tempo o Paulo Keller disponibilizou o seu suporte, que é igual ao meu, o qual aguentou até o fim da prova. Com isto eu tive um item a menos para carregar no colo.
Paradinha técnica para se ajustar ao horário determinado na planilha
A próxima parada foi no Portal de Campos do Jordão. Esta era uma parada para aguardar o tempo de retomar o rali, depois de ter atravessado uma parte da cidade, onde o tempo não é supervisionado, visto que não há como desenvolver uma velocidade média com carros, ônibus, pedestres, sinais, etc. No tempo 3h21m28s retomamos o rali.
O rali continuou por mais 1h28m32s terminando na entrada do restaurante Vila Flores, onde todos almoçaram enquanto esperaram o anúncio dos resultados e a entrega de prêmios.
O estacionamento do restaurante foi tomado pelos carros; dos 55 inscritos, 52 largaram e 50 chegaram por meios próprios.
Quando o “velho” sobrepuja o “novo”
Mas não faltaram causos registrados durante o rali. O Eduardo Henrique S. Moreira, do VW Brasília 1975, fez uma revisão pré-rali na qual, dentre outros itens cuidadosamente verificados, ele trocou a correia do gerador.
Mas durante uma as subidas o carro teve a sua correia nova partida e ele não tinha as ferramentas necessárias para fazer a troca pela correia velha que ele, por sorte, tinha mantido no carro.
Mas, aí veio uma ajudinha do destino: um motorista que vinha num Toyota Corolla novinho parou e ofereceu ajuda; pois bem, não é que ele tinha as ferramentas necessárias!?
Então o Eduardo trocou a correia nova pela velha e retomou o rali. Mesmo com o atraso de 15 minutos o carro chegou em 39º lugar.
O vídeo foi feito por sua esposa e navegadora Ana Maria P. Monteiro e foi resgatado do WhatsApp do grupo “CAAT ON THE ROAD 2017” — já fechado e postado no YouTube.
Cobertura da imprensa de Taubaté
Durante a concentração para largada no Posto Olá, uma equipe da TV Vanguarda, que gera material para o Portal G1, acompanhou a largada dos carros e entrevistou o Aldo Fusco e alguns dos participantes, um belo registro do evento e um boa divulgação para o trabalho do CAAT, que recentemente completou 30 anos de existência.
Pois é, caro leitor ou leitora, o processo de escrever um artigo para mim não é linear. Entre períodos de bloqueio, nos quais não se consegue espremer nem uma linha, e períodos de escrita “eufórica”, volta e meia as previsões não se confirmam. Isto ocorreu novamente com esta matéria, achei por bem falar um pouco mais das planilhas de maneira a despertar o interesse pela difícil, porém interessante, tarefa de navegador em um rali. Entrei mais em detalhes que eu não tinha previsto e o resultado foi que se tornou necessário passar o resto da matéria para uma Parte 3, não prevista anteriormente.
Ainda temos várias coisas para comentar com vocês, como, dentre outros aspectos, a devolução do carro ao Bird Clemente. Sem esquecer o grande final, que já está pronto, com o depoimento do Paulo Keller e com sua megaprodução cinematográfica que é um vídeo de 27 minutos de duração, que mostra até o momento que o suporte de celular decide cuspir o aparelho para frente e provoca a perda da contagem de tempo no smartphone. Lindas cenas do percurso complementam este vídeo que vale à pena ser visto.
AG
Navegador entre as partes desta matéria:
Parte 1
Parte 3