Esta matéria surgiu de uma conversa pelo Messenger do Facebook. O Carlos Eduardo Krüger, da cidade de Ibirubá (que em Tupi-Guarani significa pitangueira do mato), localizada no noroeste do Rio Grande do Sul, comentou sobre um acontecimento recente com um Fusca em uma estrada de lama.
A conversa começou com o Carlos Eduardo dizendo: “Cara, vou te falar… Eu nunca fui fã de Fusca, mas esses dias precisei passar por uma estrada muito ruim com um Fusca,” e o comentário final foi: “o que esse carro fez nem um trator que não fosse 4×4 faria (foto de abertura). Nesse fim de semana o saldo foi o seguinte: dois carros com motores fundidos, dois caminhões atolados e um Fusca de 3 mil reais que andou por tudo isso como se não houvesse amanhã. Foi algo realmente surpreendente!”
No transcorrer da conversa eu vi que este relato poderia vir a ser mais um causo desta coluna, e com uma conotação muito interessante.
Como o caro leitor ou leitora logo perceberá, o Carlos Eduardo, que está com 32 anos, até a experiência relatada no causo ainda não tinha dirigido um Fusca, muito menos em condições tão difíceis numa estrada de barro sob chuva. Ele descobriu na prática as qualidades que fizeram a diferença e alicerçaram o sucesso do Fusca no mundo desde os seus primeiros passos durante a Segunda Guerra Mundial com carroceria militar, o Kübelwagen.
Para mim o relato do Carlos Eduardo é muito significativo, pois ratifica, agora em 2017 — em pleno século 21, que o Fusca é, quando necessário, um “tratorzinho” que não sente falta de uma tração nas quatro rodas ao desempenhar em condições difíceis de terreno como descritas neste causo.
“ESTE FUCA ‘VEIO’ ME SURPREENDEU!”
Por Carlos Eduardo Krüger
Estes dias, ao chegar em casa, fui recebido por minha namorada que me entregou a chave de um carro. Fiquei muito espantado e perguntei: “mas o que é isso?”. Ela então disse que eu devia olhar para fora para ver o “carro novo” que minha mãe tinha comprado.
Ao sair para a rua vi o Fusca, e mil pensamentos passaram por minha cabeça… A minha mãe, que não conhece nada de automóveis, acabou comprando, sem muito questionar, um Fusca branco, 1300 ano 1982; ao menos a documentação estava em ordem. Descobrir a quilometragem do carro, na verdade, é um exercício de adivinhação, pois o velocímetro mostra 41.025 quilômetros, mas descobrir quantas vezes o velocímetro já virou é impossível a estas alturas.
Ao ver o Fusca mil pensamentos passaram por minha cabeça: “passaram a perna na velha”, “onde é que ela foi se meter?”, e assim por diante. Mas, alguns dias depois, e após muita conversa e questionamentos, ficou claro para mim que o carro estava ali e que ele veio para ficar.
Um certo dia, dia de muita chuva por sinal, eu tive que ir até a casa de meu sogro que fica próximo à localidade de Alfredo Brenner, a uma distância de uns 12 quilômetros ao norte de Ibirubá.
Naquele dia o nosso carro, meu e de minha namorada, um Uno, estava em outra casa. No que minha mãe disse: “vai de Fuca” (no sul do Brasil o pessoal chama o Fusca de Fuca e Fuqui). Neste momento veio à minha mente o que o mecânico havia dito: “este carro é bom no interior”, entenda-se é bom de estrada ruim. Como o carro estava ali, resolvi arriscar.
A estas alturas eu estava prestes a contrariar a opinião de meu sogro…
Ele tem uma propriedade rural de plantio de soja e a uns duzentos metros de lá passa uma estrada de terra; ele tem um trator agrícola.
Quando chove muito e os carros e caminhões começam a atolar naquelas precárias estradas de terra, seus motoristas pedem ajuda aos agricultores próximos para tirá-los dos atoleiros com seus tratores.
Este foi o caso de meu sogro, que ajudou a dois carros que não se deram bem naquele dia. Um Corcel de um vizinho dele, que ele rebocou, forçou tanto o motor que que acendeu a luz vermelha e o motor começou a bater forte, mas o carro, depois de livre da lama, conseguiu se arrastar até o seu destino.
Já o outro veículo, uma perua Escort 1998, não teve tanta sorte: forçou tanto o motor que sua correia dentada criou vida própria e o motor parou de funcionar; o carro acabou ficando um tempo no pátio da propriedade de meu sogro até que seu dono conseguisse vir buscá-lo.
Com tantos problemas ocorrendo na estrada, meu sogro me desaconselhou enfrentar a estrada com o Fusca.
Pois bem, mesmo com o relato de dois carros com motores danificados naquele dia, em função das condições da estrada que eu tinha que passar, resolvi contrariá-lo e coloquei o Fusquinha estrada a dentro. Para meu espanto, o carro andou como um trator naquele barro todo, na verdade andou melhor do que um deles.
Chegamos! Após termos percorrido uns 12 quilômetros de barro vermelho o carro estava lá. Eu e a Grazy (a “chefa”), limpos e surpreendidos pelo feito do carrinho que fez algo totalmente incomum para aquelas bandas.
A chuva não parou de cair, e à noite vem o caminhão do leite para buscar a produção do dia. O motorista do caminhão duvida que conseguirá terminar aquele percurso. Suas palavras soaram como os “Dez Mandamentos” e, após uns duzentos metros o grande caminhão atolou.
A estrada estava tão ruim que dois tratores não conseguiram tirar o caminhão de lá, então acionamos uma retroescavadeira para enfim resolver o problema. Abaixo um breve vídeo (23 segundos), gravado a bordo do Fusca, mostrando o trabalho da escavadeira batalhando para liberar o caminhão:
Ops, esqueci de contar que, nesse meio tempo, nas idas e vindas dos tratores e da retroescavadeira, fizemos todo o acompanhamento destas manobras com “O Carro” subindo e descendo todo aquele atoleiro como se não houvesse amanhã.
Depois deste dia eu pude entender um pouco mais sobre o que é esta paixão e admiração que esse carro desperta nas pessoas.
Confesso que acabei pedindo desculpas à minha mãe e passei a respeitar a capacidade e história deste “carrinho”.
Durante o processamento desta matéria eu falei com o Carlos Eduardo por telefone, para obter alguns esclarecimentos, e ele comentou sobre o seu ceticismo inicial em relação ao Fusca. Um amigo, o Dácio Azevedo Moraes, tinha sugerido a ele que comprasse, como seu primeiro carro, um Fusca, mas o Carlos Eduardo preferiu comprar um Uno que era mais moderno, tanto que está em seu segundo Uno.
Seu sogro também não teve Fusca, tinha partido para a linha do Corcel que cativou muitas pessoas daquela época; mas até ele ficou surpreendido com a “performance” do Fusca da mãe do Carlos Eduardo.
Uma frase que o Carlos Eduardo disse me chamou muito a atenção, ela foi dita no contexto do preço de R$ 3.000,00 que foi pago pelo “Fuca”: “o preço do Fuca é o preço da manutenção do outro carro!”
Eu costumo dizer que o Fusca ainda seria um carro mais do que adequado para países de terceiro e quarto mundos, com grandes deficiências em infraestrutura e estradas em condições muito difíceis de circulação, onde sua robustez e facilidade de manutenção seriam um grande diferencial para a população. É por isto que em muitas regiões do interior longínquo deste Brasil Fuscas continuam a servir seus proprietários de modo absolutamente confiável, independentemente das estradas que tenham que enfrentar.
Para fechar este causo em grande estilo, segue um vídeo que registra uma situação semelhante à descrita acima, até o Fusca que aparece é branco; só que este fato ocorreu durante o dia. Este vídeo (1m30s) foi postado no Facebook por Alan Leandro Mota, e foi gravado na última semana de novembro de 2017 numa estrada do município de Recreio, na Zona da Mata de Minas Gerais, na fronteira com o estado do Rio de Janeiro:
O Fuca lavadinho, já perfeitamente integrado à família, até que não faz feio, a não ser o espelho retrovisor do lado direito que está precisando de um aperto. Na foto abaixo o filho do Carlos Eduardo e da Grazi, com sua moto elétrica, faz pose na frente do carro, durante um passeio da família para relaxar aproveitando a tardinha:
AG